De acordo com o art. 193, inc. II, da Lei nº 14.133/2021, revogam-se “a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.” (Destacamos.)
Por sua vez, conforme o art. 194 da mesma Lei, ela entrou em vigor na data da sua publicação, ou seja, em 1º de abril de 2021.
Para a contagem do lapso de dois anos, é necessário olhar para as disposições da Lei Complementar nº 95/1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal.
É o enunciado do art. 8º do referido normativo: “Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão. § 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral. (Incluído pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001) § 2º As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial. (Incluído pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001)” (Destacamos.)
A Lei nº 14.133/2021 definiu uma vacância de dois anos para a revogação da Lei nº 8.666/1993, contados a partir da respectiva publicação – 1º/04/2021.
Logo, na medida em que o último dia de prazo seria 1º/04/2023, a Lei nº 8.666/1993 estará revogada em 02/04/2023.[1]
Considerando que 02/04/2023 é domingo, e que os processos de contratação são instaurados em dias úteis, a partir de 03/04/2023 já será obrigatória a observância da Lei nº 14.133/2021.
Portanto, até 31/03 – último dia útil anterior ao fim da vigência da Lei nº 8.666/1993, podem ser promovidas contratações à luz do regime da Lei nº 8.666/1993, conforme expressamente autoriza o art. 191, caput. E, neste caso, conforme o parágrafo único do mesmo dispositivo, todo o procedimento licitatório e contratual seguirá a sorte do regime jurídico pertinente.
Em relação aos certames em andamento quando completado o biênio, a questão é polêmica. Ou seja, qual o marco que deve ser considerado para que o processo possa seguir, ser ultimado, à luz do regime antigo?
Para a Zênite, a licitação compreende apenas uma fase do processo de contratação pública. Ao decidir licitar determinado objeto, são adotados uma série de atos anteriormente, com o objetivo de impulsionar a atividade de planejamento, com a definição do escopo, estratégia de seleção, parâmetros de preço, dentre outros. Portanto, a “licitação” – diga-se, “processo de contratação” -, tem início não na fase externa, ou licitatória. O início ocorre com a abertura do processo de contratação pública (diga-se, procedimento autuado ou registrado).
Desse modo, no entendimento da Zênite, em tese, até 31/03 – último dia útil anterior ao fim da vigência da Lei nº 8.666/1993, podem ser autuados/registrados processos de contratação à luz do regime da Lei nº 8.666/1993, conforme expressamente autoriza o art. 191, caput, da Lei nº 14.133/2021. E, neste caso, todo o procedimento licitatório e contratual seguirá a sorte do regime jurídico pertinente, não existindo óbice em a publicação do edital, por exemplo, ocorrer posteriormente ao biênio (em 17/04/23, hipoteticamente).
Diz-se “em tese” uma vez que, estando tão próximo do fim da vigência da Lei nº 8.666/1993, e tendo em vista os benefícios advindos da aplicação do novo regime, o ideal seria já estar planejando contratações à luz da Lei nº 14.133/2021, sobretudo considerando o período de dois anos garantido pelo legislador para estudos/preparo, salvo alguma situação pontual justificada. Importante observar que a diretriz interpretativa aqui adotada tem como marco delimitador para a continuidade do procedimento à luz da Lei nº 8.666/1993 a existência de “processo autuado ou registrado” e parte do cenário em que já foi efetivamente iniciada a atividade de planejamento, com a prática de atos/estudos importantes, de modo que seria desarrazoado simplesmente desconsiderar toda a atividade já realizada. Por sua vez, desvirtuaria a premissa que orientou esse racional se, por exemplo, o órgão ou entidade formalmente autuasse ou registrasse dezenas de processos no dia 31/03, simplesmente para ter garantida, na semana seguinte, a possibilidade de realizar as contratações conforme o regime da Lei nº 8.666/1993.
Contudo, existe a possibilidade de defender que a licitação só se constitui com a divulgação do instrumento convocatório, tornando pública a existência de um procedimento tendente à seleção de uma proposta vantajosa para a celebração de um contrato. Os que defendem essa posição argumentam que a etapa preparatória de planejamento é feita com o objetivo de examinar a viabilidade da contratação. Baseado no fato de que a etapa de planejamento pode resultar na conclusão de que a contratação é inviável, afirmam que a licitação só passa a ser constituída de fato com a divulgação do edital, que concretiza e torna público a realização do certame e a celebração do contrato dele resultante. Interessante observar que o TCU adotou racionalidade semelhante em relação à transição entre a Lei nº 8.666/1993 e a Lei nº 13.303/2016, o que pode ser um indicativo do entendimento do órgão de controle a respeito. Sobre o ponto, vide o Acórdão nº 2.279/2019 – Plenário.
Portanto, a Lei nº 8.666/1993 estará revogada em 02/04/2023. Considerando que o dia 02 é um domingo, a partir de 03/04/2023 será obrigatória a observância da Lei nº 14.133/2021. Até 31/03 – último dia útil anterior ao fim da vigência da Lei nº 8.666/1993, podem ser promovidas contratações à luz do regime da Lei nº 8.666/1993, sendo que o marco a ser considerado para que o processo possa seguir o regime antigo comporta polêmica.
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[1] Registre-se a existência de discussão sobre a necessidade de, em prazos fixados em meses e anos (como é o caso), em função da disciplina constante do Código Civil, primeiro transformar em dias (365 dias), para então perfazer a contagem. Caso empregado esse método, haverá diferença na indicação da data de revogação da Lei n. 8.666/93. Sobre o tema, confira: <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6968/Vigencia-da-Lei-e-contagem-do-prazo#:~:text=Em%20termos%20matem%C3%A1ticos%2C%20seria%20assim,utilizar%20essa%20forma%20de%20contagem.>