Qual a abrangência do impedimento de licitar e contratar previsto no art. 156, inc. III, da Lei nº 14.133/21?  |  Blog da Zênite

Qual a abrangência do impedimento de licitar e contratar previsto no art. 156, inc. III, da Lei nº 14.133/21?

Empresas sob os efeitos dessa sanção ficam impedidas de contratar com estatais, vinculadas ao ente federativo sancionador?

Nova Lei de LicitaçõesSanções Administrativas

Até o advento da Lei nº 14.133/21, havia divergências quanto ao alcance das sanções de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração (art. 87, III, da Lei nº 8.666/93) e de impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (art. 7º da Lei nº 10.520/02). A posição majoritária, representada pelo TCU no Acórdão nº 2.243/2013, do Plenário, foi construída no sentido de que “a sanção prevista no inciso III do art. 87 da Lei 8.666/1993 produz efeitos apenas em relação ao órgão ou entidade sancionador, enquanto a prevista no art. 7º da Lei 10.520/2002 produz efeitos apenas no âmbito interno do ente federativo que a aplicar” (destacamos).

Contudo, a Lei nº 14.133/21, ao disciplinar a penalidade equivalente (impedimento de licitar e contratar), o fez de forma a abranger todo o ente federativo da entidade sancionadora, à semelhança do que ocorria na sanção prevista no art. 7º da Lei nº 10.520/02.

A partir da literalidade da norma, a doutrina vem defendendo, de forma praticamente uníssona, que os efeitos da penalidade abrangem todos os órgãos e entidades do ente federativo a qual está vinculada a entidade sancionadora, inclusive entidades da Administração Indireta e de outros poderes. Sobre o tema, Joel de Menezes Niebuhr afirma:

“Sendo assim, o referido § 4º do artigo 156 limita a incidência da sanção de inadimplemento a todos os órgãos e entidades que compõem a Administração direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção. Então, por exemplo, se autarquia federal aplica a penalidade de impedimento, a empresa apenada não pode participar de licitação e contratar com a própria autarquia e com qualquer outro órgão e entidade federal, da Administração direta e indireta. É permitido à empresa apenada participar de licitações e firmar contratos administrativos com os demais entes federativos, estados, Distrito Federal e municípios”.[1](Destacamos)

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Juliano Heinen:

“A legislação estabeleceu um prazo de até três anos de proibição de o apenado contratar com o Poder Público, alcançando a Administração Pública direta e indireta do ente federativo que aplicou a sanção. Quanto a esta última informação, podemos dizer que os efeitos da pena devem ser estendidos ainda que a sanção advenha de uma entidade da Administração Pública indireta. Logo, quando resta configurada uma falta tipificada nos mencionados incisos II a VII do art. 155 da Lei n° 14.133/21, esta pena abrangerá todo ente federado, não importa se a conduta foi praticada contra pessoa jurídica da Administração Pública direta ou indireta. Exemplo: autarquia do Estado do Rio de Janeiro sancionou determinada empresa com a pena de impedimento de licitar e contratar por dois anos (incidência do inciso III do art. 156). Esta proibição se estende a todos os órgãos da Administração Pública direta e indireta do Estado carioca, e em relação a todos os poderes. No caso hipotético, o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro não poderia vir a contratar empresa punida pela referida autarquia, no prazo mencionado.”[2](Destacamos)

A interpretação acerca da extensão da Administração Indireta pode ensejar controvérsias. Em outros termos, no que se refere ao alcance da sanção de impedimento prevista no art. 156, inc. III, da Lei nº 14.133/2021, o que se deve compreender por Administração Indireta? O termo abrange unicamente autarquias e fundações públicas? Ou incluiria, igualmente, as empresas estatais?

Ronny Charles Lopes de Torres entende que:

“A restrição, inclusive, vale para as estatais pertencentes à unidade federativa do órgão ou entidade que aplicou a sanção, visto que não houve qualquer ressalva do legislador em relação às estatais e elas farão parte da Administração Pública indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção.”[3](Destacamos)

No mesmo sentido, André Luiz Freire:

“Por fim, há uma diferença em relação à extensão subjetiva das sanções. O impedimento de licitar e contratar impede o sancionado de participar de licitações e celebrar contratos com qualquer entidade da mesma esfera federativa do ente aplicador da sanção. Nos termos do art. 156, § 4°, a sanção do art. 156, III, “impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção”. A LLC define “Administração Pública” como “administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e as fundações por ele instituídas ou mantidas” (art. 6°, III). Assim, se a ANTT aplica uma sanção de impedimento de licitar e contratar à empresa X pelo período de 1 ano, tal empresa não poderá participar de licitações e celebrar contratos com a União, com as autarquias federais, com as fundações estatais federais (de direito público ou de direito privado) e com as empresas estatais federais. Mas a empresa X estará livre para participar de licitação promovida pelo estado de São Paulo e para celebrar contrato com o município de Curitiba, por exemplo.”[4](Destacamos)

Por sua vez, Marçal Justen Filho[5] pontua que a “sanção não alcança as contratações promovidas por sociedades estatais empresárias. A referência legal à Administração indireta compreende apenas as autarquias e fundações. As razões desse entendimento encontram-se expostas nos comentários à declaração de inidoneidade, adiante.” E explica ao tratar dos efeitos da declaração de inidoneidade:

“8.2) A não abrangência de sociedades estatais empresárias

As sociedades estatais empresárias encontram-se submetidas ao regime da Lei 13.303/2016.

A Lei 14.133/2021 indicou expressamente os casos em que as suas disposições seriam aplicáveis a tais sociedades. Entre eles, não se encontram os casos de sancionamento por impedimento e por inidoneidade.

Aliás, não existe no âmbito das sociedades estatais empresárias a previsão de sanções de natureza administrativa estatal.

Não se contraponha que a Lei 14,133/2021 alude à extensão dos efeitos à Administração indireta. Essa expressão indica as autarquias e fundações públicas.

A interpretação é confirmada pela previsão do § 6º, inc. I, do art. 156. Ali está prevista a aplicação da sanção no âmbito da Administração direta, das autarquias e das fundações. Não existe referência às sociedades estatais.”

Para a Zênite, algumas reflexões são necessárias.

A penalidade de impedimento de licitar e contratar, prevista no art. 156, III da Lei 14.133/21, impede o sancionado de participar de licitações e firmar contratos com a Administração Pública direta e indireta do ente federativo que aplicou a sanção. No caso de empresas estatais não dependentes, regidas pela Lei 13.303/16, pode haver dúvida quanto à incidência dessa restrição, uma vez que a estatal possui autonomia administrativa, financeira e orçamentária e segue um regime jurídico próprio.

Embora essa questão ainda não tenha sido amplamente debatida, não se descarta a possibilidade de surgirem duas interpretações distintas sobre a matéria:

a) Interpretação Restritiva: a penalidade não se estenderia à estatal, pois esta não está submetida à Lei nº 14.133/21, regendo-se por normas próprias da Lei 13.303/16. Nesse caso, a sanção atingiria apenas os órgãos da Administração direta e indireta, ou seja, autarquias e fundações do ente sancionador, sem repercutir sobre as empresas estatais, uma vez que possuem regime jurídico próprio.

b) Interpretação Extensiva: a estatal, por integrar a Administração Indireta do ente federativo sancionador, também poderia estar vinculada à penalidade, mesmo possuindo regime jurídico próprio. Essa interpretação exigiria uma visão ampliada do conceito de Administração Indireta na aplicação da sanção.

Em síntese, a penalidade de impedimento de licitar e contratar prevista no art. 156, inc. III, da Lei nº 14.133/21 repercute efeitos no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção.

Existe a possibilidade de discussão relativamente à abrangência da “Administração Indireta”, se abrigaria apenas autarquias e fundações, ou estatais vinculadas ao ente federativo também, conforme acima demonstrado.

Embora não tenhamos identificado precedente tratando do ponto, ao menos no âmbito doutrinário, verifica-se uma tendência no sentido de que a estatal não pode contratar o sancionado, pois, apesar de sua autonomia, faz parte, em sentido amplo, da Administração Indireta do ente que aplicou a penalidade.

Agora, ainda que adotado este último posicionamento, no entendimento da Zênite, não se descarta cenários excepcionais, em que mesmo sob os efeitos do impedimento previsto no art. 156, inc. III, da Lei nº 14.133/21, pode existir justificativa para a celebração do contrato. Isso pode ocorrer quando o fornecedor penalizado for a única opção viável, seja por inviabilidade absoluta de competição (não há outro fornecedor no mercado) ou inviabilidade relativa (a substituição do sancionado geraria prejuízos operacionais ou custos excessivos de transição, ainda que outros agentes pudessem atender à demanda). Seja como for, para que essa contratação excepcional seja juridicamente válida, a estatal deve justificar de forma robusta a necessidade da escolha, demonstrando, por meio de estudos técnicos e de mercado, a inexistência de alternativas viáveis.

[1] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 1211.

[2] HEINEN, Juliano. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos – Lei n° 14.133/21. 5.ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024. p. 1084.

[3] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 15. ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024. p. 862.

[4] FREIRE, André Luiz. Direito dos contratos administrativos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 673

[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. Lei nº 14.133/2021. São Paulo: RT, 2021, p. 1624 e 1625.

 

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Como citar o conteúdo do Blog Zênite:
ZÊNITE, Equipe Técnica. Qual a abrangência do impedimento de licitar e contratar previsto no art. 156, inc. III, da Lei nº 14.133/21? Empresas sob os efeitos dessa sanção ficam impedidas de contratar com empresas estatais, vinculadas ao ente federativo sancionador? Blog Zênite. 11 jun. 2025. Disponível em: https://zenite.blog.br/qual-a-abrangencia-do-impedimento-de-licitar-e-contratar-previsto-no-art-156-inc-iii-da-lei-no-14-133-21/. Acesso em: dd mmm. aaaa.

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