A complexidade das obras e serviços de engenharia exige da Administração Pública a adoção de ferramentas tecnológicas que promovam maior eficiência, controle e economicidade. Nesse contexto, destaca-se a metodologia Building Information Modelling (BIM) – ou Modelagem da Informação da Construção –, que vem ganhando relevância nas contratações públicas.
1. O QUE É O BUILDING INFORMATION MODELLING (BIM)?
A Lei nº 10.306/2020 estabelece diretrizes para a utilização do BIM na execução direta ou indireta de obras e serviços de engenharia realizadas pelos órgãos e entidades da Administração Pública federal. Essa norma representa um marco importante ao estimular o uso de tecnologias inovadoras para aprimorar a gestão pública de obras.
O conceito legal do BIM está previsto no art. 3º, inciso II, da referida lei:
“conjunto de tecnologias e processos integrados que permite a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de uma construção, de modo colaborativo, que sirva a todos os participantes do empreendimento, em qualquer etapa do ciclo de vida da construção.”
Complementando esse entendimento, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) define o BIM como:
“um processo colaborativo baseado em modelos tridimensionais inteligentes que abrangem a criação, o gerenciamento e o compartilhamento de informações sobre um projeto de construção. O BIM permite que arquitetos, engenheiros, construtores, proprietários e outras partes envolvidas no processo trabalhem de forma integrada, compartilhando dados e informações em um modelo centralizado durante todo o ciclo de vida do ativo construído.”
De forma simples, o BIM pode ser entendido como a construção de um prédio no mundo virtual antes de levá-lo para o canteiro de obras. Diferentemente de uma maquete digital em 3D, cada elemento inserido no modelo (paredes, janelas, tubulações, vigas) não é apenas um desenho, mas um objeto com informações completas, como dimensões, materiais, custos e desempenho.
Esse modelo digital funciona como uma base de dados integrada, na qual diferentes profissionais trabalham de forma colaborativa: arquitetos definem paredes e espaços; engenheiros estruturais inserem pilares e vigas; engenheiros elétricos e hidráulicos acrescentam redes e instalações. O sistema, então, consegue detectar conflitos automaticamente — por exemplo, identificar se uma viga está no mesmo local que uma tubulação — evitando erros e retrabalhos na execução.
Além disso, o BIM permite extrair informações precisas do projeto:
Quantitativos de materiais (quantos tijolos, metros de fio, litros de tinta etc.);
Orçamento (BIM 5D): custos associados a cada item do projeto, atualizados automaticamente a cada alteração;
Planejamento (BIM 4D): vinculação do modelo ao cronograma da obra, simulando cada etapa no tempo.
Por fim, mesmo após a entrega da construção, o modelo funciona como um gêmeo digital do edifício, auxiliando na operação e manutenção durante todo o ciclo de vida da obra.
A título de exemplificação, seguem imagens que demonstram o uso do BIM na modelagem de edificações:
2. QUAIS OS BENEFÍCIOS DO BIM E COMO ELE PODE AUXILIAR NA CONTRATAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS?
Segundo o FNDE, o modelo tridimensional carrega não apenas informações geométricas, mas também dados técnicos, estruturais, operacionais e financeiros. Elementos como paredes, sistemas hidráulicos, elétricos, climatização e manutenção são integrados ao modelo, permitindo visão completa e precisa do projeto em todas as suas fases.
A adoção do BIM permite que a Administração Pública tenha acesso a uma plataforma integrada de informações, o que resulta em melhorias significativas nos processos de contratação, execução e fiscalização de obras públicas. Nesse sentido, seus principais benefícios incluem:
Redução de erros de compatibilidade entre projetos complementares;
Otimização de prazos, com maior previsibilidade e controle;
Maior confiabilidade das informações técnicas;
Planejamento e controle mais precisos das etapas da obra;
Aumento da produtividade e redução de retrabalhos;
Diminuição de custos e riscos, com economia de recursos públicos.
Trata-se, portanto, de uma metodologia que assegura a eficiência, a confiabilidade e a qualidade na execução de empreendimentos.
3. PREVISÃO DE USO PREFERENCIAL NA LEI Nº 14.133/21
A Lei nº 14.133/2021 reconhece a relevância da modelagem da informação da construção e impõe seu uso sempre que possível, incentivando o uso por novas tecnologias. O § 3º do art. 19 da referida lei dispõe:
“Nas licitações de obras e serviços de engenharia e arquitetura, sempre que adequada ao objeto da licitação, será preferencialmente adotada a Modelagem da Informação da Construção (Building Information Modelling – BIM) ou tecnologias e processos integrados similares ou mais avançados que venham a substituí-la.” (Grifamos.)
A norma estimula a adoção de métodos modernos e tecnológicos como forma de assegurar maior eficiência nas contratações públicas.
Entretanto, é importante ponderar a necessidade de justificativas e o grau de maturidade de implementação dessas tecnologias em licitações. Nesses termos, confira a Nota Técnica nº 01/2025, do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (IBRAOP):
“Não obstante o uso preferencial do BIM, é recomendável que a Administração, ao elaborar as justificativas do processo licitatório, avalie criteriosamente a necessidade de exigir atestados de execução anteriores relacionados ao BIM na execução e coordenação de projetos. Essa análise deve considerar, de forma fundamentada, o nível de disseminação e maturidade da utilização dessa tecnologia naquele mercado, de modo a assegurar a viabilidade de ampla competição entre as empresas participantes. É essencial verificar se o grau de adoção do BIM no setor é suficiente para garantir a competitividade nos certames, evitando restrições desproporcionais à participação.” (Grifamos.)
Soma-se a isso o Decreto nº 10.306/2020, que instituiu uma estratégia nacional de disseminação do BIM, com etapas e metas claras para sua implementação nos órgãos federais.
4. NOTA TÉCNICA Nº 01/2025 DO IBRAOP
Em janeiro de 2025, o IBRAOP publicou a Nota Técnica nº 01/2025, abordando as boas práticas na adoção do BIM em obras e serviços de engenharia contratados pela Administração Pública. Entre os destaques da nota, chamam atenção os seguintes pontos:
Condições preliminares para adoção do BIM: necessidade de elaboração de Plano de Implantação BIM, capacitação técnica e adequação da infraestrutura e documentação.
Diretrizes para auditorias com BIM: avaliação da aderência do modelo ao contratado, verificação de entregáveis e acesso ao Ambiente Comum de Dados (CDE).
Interoperabilidade: incentivo ao uso de formatos abertos, como o IFC (Industry Foundation Classes), para evitar dependência de softwares proprietários.
Limites do modelo geométrico: modelagens que contêm apenas representação gráfica não são suficientes para caracterizar BIM, sendo necessário incorporar dados técnicos e paramétricos.
Papel dos Tribunais de Contas: recomendação de capacitação contínua e investimentos em infraestrutura tecnológica para possibilitar auditorias efetivas.
Nesse sentido, como exemplo de implementação prática no controle externo, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR) noticiou que está adotando a metodologia BIM para melhorar a fiscalização de obras públicas. A medida tem por objetivo, dentre outros, aumentar a qualidade técnica dos projetos auditados; reduzir erros e retrabalhos, com base na detecção antecipada de inconsistências; aprimorar o planejamento de auditorias, com uso de modelos digitais colaborativos; e melhorar a gestão do ciclo de vida das obras públicas, com base em informações integradas.
Segundo o Tribunal, a implementação da metodologia BIM está alinhada com o plano estratégico e de gestão, especialmente com os objetivos e diretrizes voltados ao fortalecimento da fiscalização, com a prévia análise de riscos realizada com base em estatísticas e informações técnicas.
Essa iniciativa reflete o movimento crescente de modernização dos órgãos de controle, em linha com os princípios da eficiência, economicidade e inovação tecnológica exigidos pela legislação vigente.
5. CONCLUSÃO
A utilização do Building Information Modelling (BIM), mais do que uma ferramenta de modelagem tridimensional, é um processo colaborativo e integrado, capaz de transformar a forma como os entes públicos planejam, contratam, executam, gerenciam e fiscalizam suas obras e serviços de engenharia.
Sua previsão legal, seus benefícios práticos comprovados, a Nota Técnica do IBRAOP e os exemplos de implementação por Tribunais de Contas demonstram que o BIM deve ser entendido como um instrumento estratégico de governança, em linha com os princípios da economicidade, eficiência, planejamento e transparência.
Contudo, para que seu pleno potencial seja alcançado, é imprescindível investir na capacitação contínua das equipes técnicas envolvidas, garantindo que os profissionais estejam preparados para operar e gerir essa tecnologia de forma eficaz.
[1] A explicação prática do BIM foi elaborada a partir de descrição adaptada de modelos de linguagem (Gemini – IA) e validada pelo autor.
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