Contratações em situações de anormalidade, flexibilização de normas e eficiência para salvar vidas

O que aprendemos com a pandemia COVID-19 e não podemos mais errar?

Contratação diretaNova Lei de Licitações

O decreto e reconhecimento de calamidade pública, decorrente de desastres naturais, pandemias ou grandes acidentes, exige respostas rápidas e eficazes por parte do Poder Público para minimizar danos e salvar vidas.

Nessas situações, a administração pública enfrenta desafios significativos, incluindo a necessidade de contratar serviços e adquirir bens em curto espaço de tempo, sendo importante a previsão de mecanismos que permitem a flexibilização de procedimentos administrativos, especialmente no que tange às contratações emergenciais.

Durante a pandemia da COVID-19, as contratações emergenciais se tornaram tema central, evidenciando a necessidade de uma resposta ágil e eficaz por parte da União, Estados e Municípios.

A emergência sanitária global impôs pressão sem precedentes sobre os sistemas de saúde e a administração pública, exigindo a aquisição rápida de equipamentos médicos, vacinas e outros insumos críticos.

A experiência com a pandemia, portanto, demonstrou que a rigidez dos procedimentos licitatórios tradicionais pode comprometer a capacidade do Estado de responder prontamente a crises, colocando vidas em risco. Nesse contexto, a Lei n° 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 (“Lei do Coronavírus”), estabeleceu uma série de medidas para enfrentamento emergencial da Covid-19, dentre as quais a dispensa de “licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus” (art. 4º).

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Não se olvida que a sequência lógica de atos a ser seguida no procedimento de licitação é importante para resguardar contratações regulares e um adequado controle. Agora, diante da necessidade de respostas ágeis e eficazes, importante o reconhecimento de que em situações de anormalidade, algumas regras devem ser flexibilizadas, de modo a permitir que as autoridades contratem fornecedores e serviços essenciais de maneira mais célere.

Nesse contexto, as lições aprendidas com a pandemia da COVID-19 ressaltam a importância da flexibilização normativa em períodos de anormalidade. A agilidade proporcionada pelas contratações emergenciais no período permitiu que muitos governos mitigassem os impactos da crise sanitária com maior eficiência, salvando vidas e preservando a saúde pública. Contudo, a necessidade de transparência e controle também deve ser enfatizada, evitando abusos e desvios de recursos. Assim, a pandemia demonstrou que, embora a flexibilização das normas seja crucial em emergências, ela deve ser acompanhada de mecanismos rigorosos de prestação de contas e transparência para garantir a legalidade e a eficiência das ações governamentais.

Indo ao encontro dessas lições, a Lei nº 14.133/2021 estabelece em seu artigo 5º princípios norteadores das contratações públicas, como o da transparência, da eficiência, da segurança jurídica e da motivação, que, em conjunto, exige fundamentação clara e objetiva dos atos administrativos.

A motivação é essencial para garantir a transparência e a legalidade das contratações, mesmo em emergências. No entanto, em um contexto de calamidade pública, a aplicação rígida desse princípio, sem sopesá-lo com outros princípios igualmente previstos na Lei em comento, tal qual o princípio da razoabilidade, pode implicar prejuízos, devendo-se flexibilizá-lo para permitir uma resposta adequada às necessidades urgentes.

Não sem razão, a própria Lei nº 14.133/2021 faz menção à observância das disposições da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) no desempenho das funções essenciais à execução das contratações públicas. Assim, a LINDB, em seus artigos 20 a 30, aborda os princípios da motivação, da realidade e da segurança jurídica nas decisões administrativas, destacando a necessidade de avaliação do contexto em que a tomada de decisão pelos responsáveis ocorre, considerando-se os obstáculos e as dificuldades reais do gestor na interpretação de normas sobre gestão pública.[1]

Assim, em períodos de anormalidade, como estados de calamidade, a LINDB reforça a necessidade de que as decisões administrativas considerem o contexto excepcional e as consequências práticas das normas aplicadas. Em outros termos, pode-se afirmar que a flexibilização das normas durante emergências é compatível com os princípios da LINDB, desde que a motivação dos atos administrativos seja pautada pela necessidade de preservar a vida e a segurança das pessoas.

Nesse termos, dada a relevância do tema e os subsequentes desastres naturais que têm ocorrido no Brasil, notadamente o ocorrido no Rio Grande do Sul, publicou-se a Medida Provisória nº 1221 de 17 de maio de 2024, que disciplina o regime excepcional de contratações pela Administração Pública em caso de calamidade pública.

Assim, de acordo com o artigo 1º da referida Medida Provisória, trata-se de regramento que dispõe sobre medidas para a aquisição de bens e a contratação de obras e de serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento de impactos decorrentes de estado de calamidade pública. Sua aplicação, portanto, só poderá ocorrer quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, de obras, de serviços, de equipamentos e de outros bens, públicos ou particulares (§2º, artigo 1º).

Importante destacar que a Medida Provisória em comento, assim como fez a Lei n° 13.979/2020 na Pandemia COVID-19, autoriza a Administração Pública a dispensar a licitação para a aquisição de bens, a contratação de obras e de serviços, inclusive de engenharia (art. 2º, inciso I). Agora, a MP vai ainda além, permite a redução dos prazos previstos no artigo 55 e no §3º, do artigo 75, ambos da Lei 14.133/2021 (art. 2º, inciso II); permite a prorrogação de contratos além dos prazos de duração previamente estabelecidos na Lei 14.133/2021 (art. 2º, inciso III); permite firmar contrato verbal (desde que não superior a cem mil reais) (art. 2º, inciso IV); e permite regime especial para realização de registro de preços (art. 2º, inciso V).

Nesses termos, chama-se a atenção para esta outra importante ferramenta para agilizar as contratações emergenciais, além das contratações diretas, que é a permissão a adesão às atas de registro de preços. Esse mecanismo permite que a administração pública aproveite objeto de contratação vinculada ao enfrentamento das consequências decorrentes do estado de calamidade pública de outros órgãos ou entidades, facultando-lhe a adesão de atas existentes, acelerando o processo de aquisição de bens e serviços.

Inclusive, a MP amplia os quantitativos de adesão, se comparados com o estabelecido na Lei 14.133/2021,[2] permitindo adesões até a totalidade de cinco vezes o quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços (artigo 11). Até mesmo, estabelece que nos registros de preços gerenciados pela Central de Compras da Secretaria de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, para os objetos previstos na MP, não se aplicam tais limites ou mesmo os limites da Lei 14.133/2021 (art. 12).

Insiste-se que a adesão às atas de registro de preços é especialmente útil em situações de calamidade, pois permite que a administração pública obtenha rapidamente os insumos necessários sem a necessidade de realizar novos procedimentos, sem precisar elaborar licitações ou dispensas eletrônicas, o que demanda tempo e recursos.

Em conclusão, em períodos de anormalidade, como estados de calamidade pública, a flexibilização das normas administrativas é essencial para que a burocracia não se sobreponha à necessidade de salvar vidas. A dispensa de licitação, fundamentada na emergência ou calamidade, e a adesão às atas de registro de preços são mecanismos previstos na legislação brasileira e que permitem uma resposta rápida e eficiente ao Poder Público.

A motivação dos atos administrativos, conforme exigido pela LINDB e pela Lei nº 14.133/2021, deve considerar o contexto excepcional e a urgência das medidas, garantindo a transparência e a legalidade das contratações emergenciais. Assim, a flexibilização normativa em situações de calamidade é não apenas permitida, mas necessária para proteger a população e minimizar os impactos adversos dessas crises.

[1] Art. 22.  Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

[2] Art. 86 (…)

§ 4º As aquisições ou as contratações adicionais a que se refere o § 2º deste artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a 50% (cinquenta por cento) dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes.

§ 5º O quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços a que se refere o § 2º deste artigo não poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem.

 

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