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por Equipe Técnica da ZêniteCapacitação Online | 23, 24, 27 a 31 de janeiro
Diz o art. 66 da Lei nº 8.666/93 que “O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial.”
Acontece que, em determinadas situações, fazer cumprir os exatos termos ajustados no contrato, com base na força vinculante que eles possuem, pode conduzir a inconvenientes, senão, a verdadeiros absurdos. O que fazer nessas situações?
O conteúdo do art. 66 da Lei nº 8.666/93, que consagra o princípio da teoria geral dos contratos, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes. No caso dos contratos administrativos, ainda, as condições contratuais a serem observadas decorrem, necessariamente, do edital e da proposta que dão origem ao ajuste. Tanto é assim que a Lei prevê ser cláusula obrigatória nesses contratos aquela que estabeleça “a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor” (art. 55, inciso XI da Lei nº 8.666/93).
Imagine-se a seguinte situação fática: a Administração firmou contrato de fornecimento de equipamentos de informática, prevendo que, após a sua assinatura e antes da entrega dos bens, realizaria uma avaliação técnica em laboratório, em uma amostra do objeto a ser entregue, com o objetivo de avaliar a plena aderência do produto contratado às especificações técnicas definidas no edital e no instrumento contratual. O resultado aferido nos exames permitiria aferir eventuais desconformidades e apontá-las à contratada para correção antes da entrega do lote. Dessa forma, essas desconformidades não determinariam a rescisão do contrato.
Nesse mesmo contrato, também constou outra cláusula, estabelecendo que, por ocasião do recebimento do objeto, a Administração o submeteria (na sua integralidade ou amostras aleatórias) à nova análise técnica de laboratório, a fim de se certificar que os equipamentos recebidos estejam plenamente de acordo às especificações técnicas. Nesse caso, a constatação de eventuais desconformidades implicaria a recusa do lote, correção das falhas e/ou rescisão contratual, sem prejuízo da aplicação de outras sanções cabíveis.
Definido esse cenário, pode-se cogitar a seguinte hipótese: o resultado da análise da amostra preliminar, feita depois da assinatura e antes da entrega dos produtos, indica que a correção das desconformidades identificadas somente poderá ser alcançada mediante a substituição do produto ofertado, quer seja por outro modelo da mesma marca ou até mesmo por um modelo de outra marca.
Aqui reside o cerne do problema. Ora, se o contrato faz lei entre as partes e obriga o contratado a cumpri-lo observados seus exatos termos, ou a indenizar a contratante pelas perdas e danos advindos de seu descumprimento, modificar a marca/modelo do objeto pressupõe modificação das condições contratuais.
Em um contrato de direito privado, no qual as partes podem pactuar tudo aquilo que a lei não proíbe, essa modificação não implica maior dificuldade. Mas em um contrato administrativo, a possibilidade de alteração das cláusulas contratuais encontra limites objetivos na Lei nº 8.666/93.
Na situação delineada, a rigor, a necessidade de modificação da marca/modelo, deriva da falta de aderência do produto cotado e aceito pela Administração ao classificar a proposta da licitante posteriormente contratada, às especificações técnicas previstas no edital.
Por conta disso, a alteração dos termos contratuais não decorreria da superveniência de fato capaz de alterar o interesse público a ser satisfeito, mas, ao contrário disso, deriva de falha no processamento do procedimento licitatório, a qual permitiu a classificação de proposta cujo objeto não preenchia todas as condições necessárias para atendimento da demanda administrativa.
Para evitar situação dessa espécie, a análise de amostra deve ocorrer antes da celebração do contrato, como condição para confirmação da classificação da proposta da licitante melhor classificada na licitação.
Mesmo nas licitações pela modalidade pregão, a Administração deve prever a análise de amostra a ser apresentada apenas pela licitante provisoriamente classificada em primeiro lugar, depois de sua habilitação e antes de declará-la vencedora. Aceita a amostra, declara-se a licitante vencedora e oportuniza-se a fase recursal. Reprovada a amostra, passa-se a analisar a aceitabilidade da proposta cotada pela segunda classificada, sua habilitação, amostra e assim por diante.
Esse seria o procedimento correto, que na situação hipoteticamente delineada impediria o surgimento do problema em exame. Todavia, esse procedimento não foi adotado. Daí porque, indaga-se: para a situação em exame, qual a solução a ser adotada?
Aplicada a força vinculante dos contratos o ajuste deveria ser cumprido conforme suas cláusulas e condições, mas essas não satisfazem o interesse público. Por sua vez, a alteração contratual parece não preencher os requisitos do art. 65 da Lei nº 8.666/93, fazendo possível questionar sua legalidade. Resta avaliar o desfazimento do contrato, o qual, se operado com a sua rescisão, nesse caso esta não decorreria de inadimplemento da contratada e sim por conveniência e oportunidade da Administração Pública, o que pressupõe a indenização prevista no art. 78, inciso XII. Se levada a efeito com base em suposta ilegalidade cometida no julgamento da licitação, do mesmo modo seria devida a indenização, só que na forma do parágrafo único do art. 59.
Afinal, qual a melhor alternativa para a Administração nessa hipótese? Ao que nos parece, nenhuma das alternativas cogitadas revela-se a melhor. Explica-se.
Ainda que o contrato determine a vinculação das partes aos seus exatos termos, de sorte que, como bem ensina Silvio de Salvo Venosa, “Um contrato válido e eficaz deve ser cumprido pelas partes: pacta sunt servanda” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 376), em dadas situações o interesse público reclama o afastamento desse princípio, sob pena de a sua aplicação implicar prejuízo a própria finalidade a que ele se destina.
Ora, a vinculação tem como finalidade conferir estabilidade jurídica às relações obrigações, de forma a assegurar o cumprimento dos contratos de acordo com as condições pactuadas. Mas essa vinculação somente pode cumprir esse objetivo naquelas situações em que obviamente o contrato é capaz de atender o interesse das partes.
Naquelas situações em que a formação dos contratos não assumir a melhor conformação, conduzindo até mesmo a celebração de ajustes incapazes de gerar essa satisfação, não parece razoável impor seu cumprimento às partes, especialmente quando o interesse a ser lesado for o da Administração Pública e este tratar-se de um interesse público primário.
Assim, sem desconsiderar a falha na elaboração das regras aplicadas no curso do procedimento licitatório, cogita-se a possibilidade de a Administração aceitar lote de equipamentos de outra marca/modelo do informado na proposta e apresentado como amostra para a análise técnica.
Essa possibilidade deve ser aplicada em situações excepcionalíssimas, cuja configuração somente ocorrerá quando o cumprimento do contrato nos seus exatos termos não for capaz de atender a demanda administrativa. Mais do que isso, a Administração deve contar com a anuência da contratada, bem como garantir a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do ajuste. E, mais importante do que esses requisitos, a alteração a ser promovida deverá, obrigatoriamente, preencher cumulativamente os seguintes pressupostos:
I – não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;
II – não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;
III – não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;
IV – ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;
V – demonstrar-se – na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea “a”, supra – que as conseqüências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência;
A proposta ora cogitada adota quase os mesmos requisitos consagrados pelo Tribunal de Contas da União na Decisão nº 215/1999 – Plenário, com base nos quais se admitiu que, nas contratações de obras e serviços, as alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas ultrapassem os limites de 25% ou 50%, conforme o caso, previstos no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93.
A razão para tanto se deve ao fato de, a nosso ver, a situação exigir a composição de uma solução pautada nos princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além de assegurar os direitos patrimoniais do contratado, diretrizes que também pautaram a formação do entendimento adotado pelo Plenário do TCU no precedente indicado.
Por fim, insiste-se. Ainda que seja possível sustentar a aplicação de uma solução razoável e menos prejudicial ao interesse público no caso ventilado, a efetiva (ou melhor) solução, desde logo, seria a elaboração de um edital contemplando regras claras e adequadas sobre o momento para análise da amostra do produto cotado, a qual, conforme dito, deve ocorrer na fase da licitação (pois trata-se de condição para classificação da proposta) e não depois de celebrado o contrato.
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