A Lei nº 13.303/2016 instituiu o regime jurídico a ser observado por ocasião das licitações e contratações a serem celebradas pelas empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, diferenciando-o das normas gerais de licitação pública aplicáveis aos demais órgãos e entidades da Administração Pública a partir da Lei Federal nº 8.666/1993.
Trata-se assim, de um novo conjunto de normas, princípios e regras, adaptado à realidade específica das empresas estatais, que deve ser aplicado à contratação de prestação de serviços, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à implementação de ônus real sobre tais bens, quando celebradas pelas empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, tanto aquelas que exploram atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que essa atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União, quanto aquelas que prestam serviços públicos.
Sob esse enfoque, tratando-se de um novo regime jurídico, baseado em princípios próprios e distintos daqueles que orientaram a elaboração da Lei Federal nº 8.666/1993, entende-se que a Lei Federal nº 13.303/2016, a partir do momento em que passou a ser de observância obrigatória pelas empresas estatais, substituiu as demais normas sobre licitações e contratos para as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias.
A rigor, portanto, com o dever de observar a Lei nº 13.303/2016, afastou-se a incidência da Lei nº 8.666/1993, ficando as licitações e contratos das empresas estatais submetidos exclusivamente à disciplina prevista na Lei nº 13.303/2016.
Nesse contexto, tendo em vista que a Lei nº 13.303/2016 não impõe regramento similar àquele previsto no art. 5º da Lei nº 8.666/1993, nem remete a este último diploma legal no que tange aos critérios de pagamento, seria possível entender que as estatais podem motivar o pagamento dos seus fornecedores e prestadores de serviços sem considerar a estrita ordem cronológica das datas de exigibilidade.
Ocorre que a questão exige cautela e essa compreensão não parece ser a mais adequada. Explica-se.
Em que pese os arts. 89 a 99 da Lei nº 8.666/1993 terem sido revogados em 1º de abril de 2021, com a publicação da Lei nº 14.133/2021, esta lei estabelece no seu art. 185 que “Aplicam-se às licitações e aos contratos regidos pela Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, as disposições do Capítulo II-B do Título XI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal)”.
Por sua vez, o art. 337-H do Código Penal, com redação conferida pela Lei nº 14.133/2021, prescreve o seguinte:
Art. 337-H. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do contratado, durante a execução dos contratos celebrados com a Administração Pública, sem autorização em lei, no edital da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa. (Destacamos.)
Como se vê, as estatais se sujeitam a expressa indicação de que o pagamento fora da ordem cronológica constitui crime.
Desse modo, ainda que a Lei nº 13.303/2016 não trate da questão, de modo a exigir a observância da estrita ordem cronológica para os pagamentos devidos, na medida em que o pagamento fora dessa ordem por uma empresa estatal constitui crime, entendemos ser inafastável a observância da estrita ordem cronológica para os pagamentos devidos pelas empresas estatais.
Ainda que se possa cogitar que pelo fato de a Lei nº 13.303/2016 não impor que os pagamentos sejam feitos segundo a ordem cronológica, o crime previsto no art. 337-H do Código Penal somente se configura no âmbito das contratações da Lei nº 8.666/93, que expressamente impõe o pagamento segundo a estrita ordem cronológica, é preciso considerar a amplitude do art. 41 da Lei nº 13.303/2016.
Tal dispositivo remete à aplicabilidade integral das normas de direito penal previstas nos arts. 89 a 99 da Lei nº 8.666/93, os quais foram substituídos pelas disposições do Capítulo II-B do Título XI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) inseridas pela Lei nº 14.133/2021, sem fazer ressalvas mediante o emprego de expressões que possam denotar a necessidade de interpretar essas disposições à luz da Lei nº 13.303/2016 (tal como ocorreria se indicasse o cabimento desses dispositivos “no que couber” ou “no que não conflitar com esta Lei”).
Diante disso, compreendemos que houve uma opção do legislador em incorporar o pagamento fora da ordem cronológica enquanto conduta ilegal no âmbito das contratações das estatais.
Essa também é a compreensão formada por Bernardo Strobel Guimarães, ao mencionar que a menção de aplicação dos arts. 89 a 99 da Lei nº 8.666/1993 no art. 41 da Lei nº 13.303/2016 é “ociosa, pois a descrição dos tipos penais lá levada a efeito tem a aptidão de abarcar os procedimentos de contratação efetivados pelas estatais. De todo modo, o artigo visa a esclarecer este ponto, não deixando margens à dúvida.” (Comentários à Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016) / Bernardo Strobel Guimarães [et. al.] – Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 246.)
De forma mais assertiva, Joel de Menezes Niebuhr e Pedro de Menezes Niebuhr ressaltam que, em relação aos pagamentos devidos pelas empresas estatais, “eles devem ser realizados em acordo com a ordem cronológica de apresentação das faturas, em que pese a Lei nº 13.303/2016 não prescrever diretamente tal obrigação”.
Para os autores, “os agentes das estatais que realizarem pagamentos com preterição da ordem cronológica incorrem no tipo penal do art. 92 da Lei nº 8.666/1993. Por conseguinte, para não incorrerem no tipo penal, obviamente, são obrigados a fazer os pagamentos em consonância com a ordem cronológica”. (Licitações e Contratos das Estatais / Joel de Menezes Niebuhr, Pedro de Menezes Niebuhr. – Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 283.)
Desse modo, a despeito de a Lei nº 13.303/2016 ser omissa quanto ao pagamento em atenção à estrita ordem cronológica, a submissão às normas de direito penal, em especial ao disposto no art. 337-H do Código Penal impõe esse dever, de modo que as empresas estatais devem observar a referida ordem cronológica para realização de seus pagamentos.