Desclassificação da proposta por inexequibilidade do preço e o dever de motivar a decisão

Licitação

Como se sabe, a Lei de Licitações, em seu art. 48, inciso II, prevê a desclassificação de propostas contendo preços inexequíveis, assim considerados aqueles que “não se revelam capazes de possibilitar a alguém uma retribuição financeira mínima (ou compatível) em relação aos encargos que terá de assumir contratualmente”.[1] Tal previsão legislativa destina-se, a um só tempo, a: a) minimizar riscos de uma futura inexecução contratual já que o particular, ao apresentar proposta com preços muito baixos, pode estar assumindo obrigação que não poderá cumprir e b) tutelar valor juridicamente relevante, qual seja, o de que as atividades econômicas sejam lucrativas, promovendo a circulação de riquezas no país.

Tendo em vista a repercussão do reconhecimento da inexequibilidade de determinada proposta, o legislador previu a possibilidade de que o licitante, previamente a eventual desclassificação em razão de aparente preço inexequível, possa demonstrar a exequibilidade de sua proposta.

Tal possibilidade encontra-se prevista na parte final do art. 44, § 3º e tem aplicabilidade pacificamente reconhecida pelo Tribunal de Contas da União, conforme entendimento já consolidado na Súmula de nº 262 de seguinte teor: “O critério definido no art. 48, inciso II, § 1º, alíneas “a” e “b”, da Lei nº 8.666/93 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta.”

A fim de que a prerrogativa deferida ao licitante possa ser exercida de modo eficaz, necessário se faz que os parâmetros a partir dos quais será aferida a inexequibilidade sejam de seu conhecimento, do que decorre que tais parâmetros devem estar devidamente descritos em edital, obrigatoriedade que, ademais, decorre do art. 40, VII da Lei de Licitações. Ainda, de modo a viabilizar o pleno exercício do direito de impugnação pelo licitante, impõe-se à Administração o dever de explicitar os motivos que a levaram a concluir pela inexequibilidade de determinada proposta, uma vez que, apenas ciente do juízo efetivado por aqueles responsáveis pelo julgamento/desclassificação, poderá o licitante demonstrar que a decisão não apreciou adequadamente o conteúdo de sua proposta. Recentemente, esse dever de motivação foi enfatizado pela Corte de Contas, no Acórdão nº 1.092/2013-Plenário. Neste Acórdão, julgado em 08.05.2013, analisou-se situação peculiar em que o orçamento estimativo realizado pela entidade contratante – o qual serve de parâmetro para aferição da inexequibilidade segundo os critérios do art. 48, §§2º e 3º – ostentava caráter sigiloso. Segundo decidido pelo TCU, nem mesmo esta característica tem o condão de ilidir o dever da Administração de motivar sua decisão pela inexequibilidade da proposta. Tal entendimento foi consignado no voto, conforme se observa do excerto abaixo transcrito:

“Sobre o tema, lembro a existência de jurisprudência do TCU no sentido de que a licitante desclassificada por inexequibilidade deve ter acesso aos fundamentos da sua desclassificação, de modo a poder tentar mostrar a possível exequibilidade de sua proposta. (…). 10. É bom frisar que não é preciso que a omissis quebre o sigilo de sua estimativa para atender ao disposto na legislação de licitações e na jurisprudência do TCU. Basta que evidencie às empresas desqualificadas, de forma objetiva, as razões que fundamentaram a desclassificação, sem quaisquer menções aos valores estimados pela omissis, atendendo, dessa forma, à recomendação constante no subitem 9.2. do Acórdão nº 2.528/2012 – TCU – Plenário.”

Conforme esclarecido pela Unidade Técnica, em casos em que o sigilo do orçamento estimativo for instrumento para obtenção de propostas mais vantajosas, não se faz necessário expor a os custos estimados pela Administração, mas apenas indicar ao particular quais aspectos de sua estimativa estão dando causa à sua desclassificação.

Conquanto mais comumente associada a um direito do particular, a possibilidade de demonstração de exequibilidade da proposta pelo licitante pode ser identificada também como um instrumento de eficiência na contratação uma vez que, pela ação do particular, reduzem-se os riscos de exclusão indevida de proposta vantajosa em razão de seu aparente caráter inexequível. Assim, não apenas a fim de atender a interesse do particular licitante, mas, sobretudo, para assegurar a economicidade na contratação, deve a Administração, a fim de evitar a exclusão de proposta mais vantajosa: a) elaborar orçamento estimativo que reflita a realidade de preços praticados no mercado para o objeto a ser contratado, b) descrever em edital quais os critérios serão levados em conta para o fim de qualificar como inexequível determinada proposta; c) explicitar os motivos que conduziram à conclusão de inexequibilidade da proposta previamente à desclassificação definitiva do particular e d) possibilitar ao licitante demonstrar a exequibilidade de sua proposta, ou seja, comprovar que dispõe de meios para, assegurando retribuição financeira mínima ou compatível em relação aos encargos que terá de assumir contratualmente, fornecer bem, executar obra ou serviço com qualidade suficiente a atender plenamente a necessidade da Administração.


[1] MENDES, Renato Geraldo. O processo de contratação pública – Fases, etapas e atos. Curitiba: Zênite, 2012, p. 313.

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