Todo contrato, seja público ou privado, encerra uma relação de equivalência entre os encargos assumidos pela contratada para viabilizar a sua execução (E) a remuneração devida pela contratante como contrapartida (R). Logo, a relação que se forma pode ser expressada da seguinte forma: E = R.
Ainda que a Lei nº 8.666/93 vede pagamentos antecipados, é fato que a contratada não possui recursos financeiros para viabilizar a totalidade do objeto contratado e apenas ao final do ajuste receber o pagamento devido. Não por outra razão, são estabelecidas medições intermediárias, que asseguram a realização de pagamentos que permitem à contratada dar continuidade à execução do objeto.
Ninguém imagina, por exemplo, a execução de uma obra pelo prazo de um ano e a realização de um único pagamento, ao final desse prazo. Do mesmo modo, não é crível imaginar a aplicação dessa mesma condição nas contratações de prestação de serviços contínuos.
A manutenção da atividade contratada demanda a aplicação dos recursos recebidos ao longo da execução contratual. Nesses termos, o que justificaria impor à contratada a execução do contrato por 90 dias sem receber os pagamentos devidos, somente podendo suspender a sua execução depois de exaurido esse prazo?
Não há lógica alguma nessa interpretação dada ao art. 78, inc. XV da Lei nº 8.666/93:
“Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
(…)
XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;”
Para nós, a interpretação mais adequada desse dispositivo implica reconhecer que, ocorrendo atrasos nos pagamentos devidos, o particular deverá aguardar 90 dias para solicitar a rescisão do ajuste. Contudo, nos termos da parte final do dispositivo, poderá optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação. Ou seja, tão logo constatado o atraso, a contratada poderá suspender a execução do ajuste até que a Administração regularize os pagamentos.
Na medida em que a Administração precisa recorrer à contratação de um terceiro para satisfazer determinado interesse público, ainda que esse ajuste se submeta ao regime jurídico das contratações públicas definido pela Lei nº 8.666/93, é preciso reconhecer que se trata de um negócio jurídico de natureza obrigacional, o qual, por essência, impõe obrigações recíprocas para as partes. Ademais, trata-se de uma relação firmada sob um contexto de mercado, ou seja, a Administração depende deste agente econômico para satisfazer sua demanda.
Sob esse contexto, querer fazer valer um “poder de império” que autoriza à Administração exigir a prestação do objeto contratado por 90 dias sem oferecer os pagamentos devidos, com todo respeito, agride o bom senso.
Ainda que os princípios sejam da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e da continuidade do serviço público, nada disso justifica o sacrifício e até mesmo impor ao particular o fim da sua atividade empresarial.
Ora, sem os pagamentos devidos, como manter o exercício da atividade empresarial, que impõe ao contratado o pagamento de salários, contribuições sociais, direitos trabalhistas e tributos? Sem falar nos pagamentos devidos aos fornecedores e demais agentes econômicos envolvidos nessa cadeia produtiva?
Vale também lembrar que a responsabilidade fiscal é um dever imposto à Administração contratante. Em muitos casos agentes políticos não agem de acordo com os limites da prudência que a responsabilidade fiscal requer e comprometem de modo irresponsável a execução orçamentária. Pior, para resolver isso, impõem às empresas contratadas a execução do objeto por 90 dias sem oferecer os pagamentos devidos.
É preciso urgentemente rever a interpretação dada ao inc. XV do art. 78 da Lei nº 8.666/93, sob pena de a Administração impor a bancarrota de empresas que, à duras penas, vem exercendo o postulado constitucional da livre iniciativa.
Se por um lado, “perde” a Administração ao não poder impor a continuidade da execução contratual por 90 dias sem efetuar os pagamentos devidos, por outro lado ganha o interesse público, na medida em que isso determinará a necessidade premente de os gestores governarem de acordo com o princípio da responsabilidade fiscal, sem falar que empresas deixaram de quebrar por conta dessa verdadeira expropriação. E não é demais lembrar, é o exercício da livre iniciativa (privada), garantido na Constituição Federal, que assegura a arrecadação de tributos, a geração de empregos e o desenvolvimento econômico do país.
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2 comentários
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Cristiane
26 de junho de 2015
Prezado Mestre,
No concerne aos contrato públicos, sobretudo nos contratos onde ha equipamento em comodato, findo o contrato, o servidor ao recusar devolver os equipamentos ofertados, qual ação devemos tomar? Podemos impetrar mandado de segurança? Ação de Reintegração de Posse?? Uma denuncia administrativa contra o servidor? No aguardo!
Um abraço!
Prezada Cristiane,
A recusa em devolver os equipamentos dados à Administração em comodato, ao final deste contrato, constitui apropriação indevida do patrimônio privado, podendo a empresa solicitar administrativamente a devolução e, havendo a recusa injustificada ou omissão no devolver, impetrar mandado de segurança.
Sinceramente, tenho dúvida sobre o cabimento da ação de integração de posse nesse caso, especialmente em face de alguns requisitos específicos para a propositura dessa ação.
A representação aos órgãos competentes de controle, em face do servidor que tenha cometido o ato ilegal de apropriação será cabível em qualquer caso.
Cordialmente,
Ricardo Sampaio
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