Suponhamos o seguinte cenário: Determinado contrato de prestação de serviço contínuo sem dedicação exclusiva de mão de obra foi prorrogado por três vezes consecutivas por igual período, sem concessão de qualquer reajuste. Agora, a contratada requer os reajustes retroativos. No contrato, há cláusula condicionando a concessão do reajuste a pedido pelo interessado. É possível a concessão de reajuste retroativo?
O reajuste é o instrumento apto a reequilibrar economicamente o contrato em razão da variação dos custos de produção no curso normal da economia, provocada especialmente pelo processo inflacionário.
Uma vez fixados os elementos inerentes ao reajuste no edital e no contrato, atrelam-se as partes ao seu atendimento. Isso porque, entre os princípios que regem as contratações públicas, destacam-se o da vinculação ao instrumento convocatório (art. 3º e art. 41 da Lei de Licitações) e o da pacta sunt servanda (art. 66 da Lei de Licitações).
Exceção aos contratos cujo objeto seja a prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra, o reajuste normalmente se opera com a aplicação de um índice financeiro, o qual incide sobre o valor contratado após doze meses contados da data da apresentação da proposta.1
Desse modo, no caso em exame, uma vez que o contrato condiciona a concessão do reajuste a pedido da empresa, preenchido o requisito temporal imposto pela ordem jurídica vigente e apresentado o pedido, é devido o reajuste nos termos estabelecidos contratualmente.
A problemática surge na hipótese de, transcorrido o período de um ano para o reajuste, o contratado não requerer a sua concessão e concordar em prorrogar a vigência contratual por mais um período, mantidas as demais condições inicialmente pactuadas. Nesse caso, é possível entender que, ao formalizar o termo aditivo de prorrogação contratual, ocorreu a preclusão (lógica) do direito ao reajuste.
O mecanismo da preclusão lógica impede que as partes contratantes pratiquem no bojo da relação jurídica ato posterior incompatível com outro praticado anteriormente. Desse modo, o particular que aceita prorrogar contrato firmado com a Administração nos mesmos termos em que ele se encontra (sem excepcionar eventual direito a reajuste existente) não pode posteriormente pleitear o realinhamento de seus preços.
A preclusão lógica foi inicialmente aplicada pelo Tribunal de Contas da União (aqui citado a título de referência) no Acórdão nº 1.827/2008 – Plenário, em contrato cujo critério de reajuste era a repactuação. Apesar disso, seu mecanismo aparentemente pode incidir em contratos que elejam outros critérios de reajuste, desde que esse último fique vinculado a pedido do particular contratado. A IN nº 2/08 da SLTI acompanhou essa alteração, passando a prever, a partir de 2009, que “as repactuações a que o contratado fizer jus e não forem solicitadas durante a vigência do contrato, serão objeto de preclusão com a assinatura da prorrogação contratual ou com o encerramento do contrato” (art. 40, § 7º).
Por se tratar de um instituto previsto na ordem jurídica, sua aplicação no caso concreto não requer previsão expressa no edital ou no contrato. De todo modo, para evitar surpresas em relação à incidência desse efeito, o TCU recomendou, no Acórdão nº 1.827/2008 – Plenário, a inserção de cláusula nos editais e contratos disciplinando a questão.
Por tudo isso, considerando a prorrogação da vigência contratual, sem que o contratado tenha exercido o direito ao reajuste surgido em momento anterior, conclui-se pela preclusão lógica desse direito, o que impede a Administração de conceder o reajuste retroativo relativo aos três anos anteriores em que o contrato não foi reajustado.
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REFERÊNCIAS
1 Orientação Normativa nº 24, da Advocacia-Geral da União: “O contrato de serviço continuado sem dedicação exclusiva de mão de obra deve indicar que o reajuste dar-se-á após decorrido o interregno de um ano contado da data limite para a apresentação da proposta”. (DOU de 07.04.2009, com redação dada pela Portaria AGU nº 572, publicada no DOU de 14.12.2011.)
Nota: Esse material foi originalmente publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 238, p. 1269, dez. 2013, seção Perguntas e Respostas.A Revista Zênite e a Web Zênite Licitações e Contratos tratam mensalmente nas seções Orientação Prática e Perguntas e Respostas das dúvidas mais frequentes e polêmicas referentes à contratação pública. Acesse www.zenite.com.br e conheça essas e outras Soluções Zênite.
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Aécio Bezerra
16 de novembro de 2016
Caro Articulista, temo que devo discordar de sua conclusão, o direito ao reequilíbrio-econômico financeiro do contrato é um direito constitucional do particular, para falar em termos mais práticos, o lucro do Contrato é o único ponto que a legislação defende o particular.
Explica-se, a Administração possui as cláusulas exorbitantes, que lhe possibilitam uma posição "vantajosa" em relação ao particular contratado, entretanto, no momento da exteriorização dessas cláusulas a norma (constitucional e infraconstitucional) é expressa em sempre resguardar o equilíbrio econômico financeiro contratual do particular.
Ademais, havendo a determinação normativa, instituir que o reajuste é "condicionado" ao pedido do particular é criar um empecilho formal, a um direito previsto constitucionalmente. OU seja, extrapola-se o princípio da legalidade e da lisura (que se espera da Administração), e cria-se um requisito positivo "não previsto" em qualquer norma.
De outra banda, tendo em vista que os contratos administrativos em sua maioria costumam possuir um interregno temporal de 12 meses (ou menos), e que a sua prorrogação deve ocorrer ANTES do decorrimento desse prazo, por óbvio que existe a possibilidade da assinatura da prorrogação ocorrer antes que tenha decorrido 12 meses da assinatura da proposta.
Ou pode-se concluir que o Estado que deve sempre observar a boa-fé, a lisura e o princípio da legalidade, se omitiu de comunicar ao particular o seu direito, e ainda sim pode se eximir de cumprir o direito constitucional previsto, alegando que "cabia ao particular ter requisitado", sem que, reitera-se, exista qualquer previsão normativa instituindo tal "solicitação"?
Ora, por óbvio, que o entendimento esposado possibilita que o Estado se beneficie por sua própria atuação torpe, de duvidosa legalidade, bem como configuraria um nítido caso de enriquecimento ilícito, e quebra da cláusula contratual, vez que estaria permitindo a redução do lucro estabelecida no momento da assinatura contratual.
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