O art. 59 da Lei nº 8.666/1993 estabelece que a “declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos”.
Essa disciplina decorre da máxima segundo a qual “atos nulos não surtem efeitos”. Daí por que, sendo nula a formação do contrato, todos os atos posteriores são contaminados pela ilegalidade, fazendo-se necessária a declaração de nulidade operar retroativamente, desfazendo os efeitos jurídicos de todos os atos contaminados pelo vício.
Imaginemos, por exemplo, que a ilegalidade tenha ocorrido na licitação que deu origem ao contrato, que já se encontra em execução. Nesse caso, a própria Lei nº 8.666/1993 assegura que a “nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato” (art. 49, § 1º).
Contudo, nessa situação hipotética, estando o contrato em execução, a desconstituição de seus efeitos colocaria em dúvida se a estatal contratante seria/continuaria obrigada a efetuar os pagamentos relativos às parcelas já executadas do objeto.
Para afastar qualquer dúvida nesse sentido, a Lei nº 8.666/1993 deixa claro que a “nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei”. E o parágrafo único do art. 59 da Lei nº 8.666/1993 assim estabelece:
Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.
Essa previsão legal espelha preceito geral do Direito que veda o enriquecimento ilícito, conforme reconhecido pela jurisprudência do STJ, a exemplo do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.311.455/RS.
Assim, a invalidação do contrato administrativo não autoriza a Administração a enriquecer indevidamente à custa do patrimônio de quem quer que seja. Isso significa que os efeitos da nulidade contratual não afastam o dever de a estatal indenizar o contratado pelas parcelas do contrato que foram regularmente executadas.
Há discussão em torno da hipótese de má-fé do contratado, em que suas ações tenham contribuído decisivamente para configuração da nulidade. Isso porque, apesar de nulo o contrato, não se pode deixar de reconhecer a produção de alguns de seus efeitos.
Aplicando essa lógica, apenas diante da boa-fé do contratado, que teria executado corretamente a prestação dos serviços apesar das condições irregulares, seria devida a realização do pagamento a título de indenização. Do contrário, seria possível defender o descabimento de qualquer indenização.
Contudo, para a Consultoria Zênite, essa não parece ser a solução mais adequada. Apesar de a avença decorrer de um ato de má-fé do contratado, não se pode perder de vista que a estatal se beneficiou dos serviços executados enquanto vigente o ajuste, de modo que afastar qualquer indenização recairia, invariavelmente, em enriquecimento indevido.
Você trabalha numa empresa Estatal? Tem dúvidas sobre gestão e fiscalização contratual? Então confira:
Assim, no caso de configuração de fraude, por exemplo, ou seja, em que o contratado concorreu efetivamente para a configuração da ilicitude do procedimento licitatório e do contrato dele decorrente, não se deve negar qualquer indenização ao particular, mas sopesar o quantum que fará jus, a fim de que a Administração não recaia em outra irregularidade, qual seja, o enriquecimento sem causa mediante apropriação das parcelas do objeto executadas em seu favor.2
Essa tese espelha o racional empregado em decisão do Superior Tribunal de Justiça:
O Tribunal de origem externou o entendimento de que o ressarcimento se daria em razão da condenação criminal e porque os contratados agiram de má-fé para proceder à prestação dos serviços (parágrafo único do art. 59 da Lei 8.666/1993); premissas que, além de não terem sido impugnadas, não podem ser revistas em sede de recurso especial, conforme entendimento da Súmula 7 do STJ. […]
No que se refere à alegação de que não seria devido o ressarcimento, porque prestado o serviço, a pretensão merece prosperar, em parte.
Com efeito, conquanto a verificação de nulidade do contrato administrativo, por ilegalidade praticada pelos contratantes, não gere a obrigação de indenizar eventuais danos que decorram do ato de anulação ou revogação (arts. 49, § 1º, e 59, parágrafo único, da Lei 8.666/1993), o fato é que há necessidade de a Administração Pública proceder ao pagamento dos serviços que foram prestados, não pelo preço que se cobrou, pois, afinal, a não observância das regras inerentes ao procedimento licitatório viciou a formação do preço ajustado, mas pelo valor que se apurar em procedimento de liquidação, cujo arbitramento deverá levar em consideração os custos da prestação dos serviços, com a exclusão da parte referente ao lucro, porquanto ilegalmente obtido. (STJ, Ag no REsp 93.432/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 02.09.2013, DJ de 24.09.2013.)
Delineado esse panorama, para esta Consultoria, o fato de a Lei nº 13.303/2016 não ter dispensado tratamento detalhado para o tema, prevendo apenas que a “anulação da licitação por motivo de ilegalidade não gera obrigação de indenizar, observado o disposto no § 2º deste artigo” (art. 62, § 1º) e que a “nulidade da licitação induz à do contrato” (art. 62, § 2º), não impede aplicar o racional segundo o qual a declaração de nulidade do contrato não exonera o dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, apenas excluindo eventual montante relativo a lucro, no caso de o contratado ser responsável pela ilegalidade determinante para a anulação.
A razão para firmar essa conclusão decorre do preceito geral do Direito, reconhecido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual a nulidade do contrato administrativo não obsta o dever de a Administração Pública indenizar o contratado pelo objeto executado, sob pena de enriquecimento ilícito.
Esse entendimento do Superior Tribunal de Justiça pode ser conferido em outros julgados, vejamos:
[…] ainda que o contrato realizado com a Administração Pública seja nulo, por ausência de prévia licitação, o ente público não poderá deixar de efetuar o pagamento pelos serviços prestados ou pelos prejuízos decorrentes da administração, desde que comprovados, ressalvada a hipótese de má-fé ou de ter o contratado concorrido para a nulidade. (STJ, AgRg no REsp nº 1.394.161/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 08.10.2013.)
Concluímos, então, que o fato de a Lei nº 13.303/2016 não tratar do tema não afasta o dever de a empresa estatal, mesmo diante da nulidade do contrato, indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data da declaração da nulidade e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável má-fé.
Versão do material acima está disponível no ZÊNITE FÁCIL ESTATAIS, ferramenta que reúne todo o conteúdo produzido pela Zênite sobre contratação pública. Solicite acesso cortesia para conhecer a solução: comercial@zenite.com.br ou pelo telefone: (41) 2109-8660.
Continua depois da publicidade
Seja o primeiro a comentar
Utilize sua conta no Facebook ou Google para comentarFacebookGoogle
Assine nossa newsletter e junte-se aos nossos mais de 100 mil leitores
Não há previsão na Lei nº 14.133/2021 a respeito da aplicação de procedimento similar àquele previsto no art. 48, § 3º da Lei nº 8.666/1993: (Quando todos os licitantes forem...
Quando da pandemia de Coronavírus (2019-nCoV, COVID-19 ou ainda SARS-coV-2), a partir da declaração da ESPIN (Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional) pelo Ministério da Saúde, em 03 de...
O TCE/MG, em consulta, apontou os marcos temporais para a incidência de reequilíbrio econômico-financeiro nas hipóteses de reajuste, repactuação e revisão. Segundo o tribunal, “em se tratando de reajuste, o marco...
O reajuste é o meio adequado para atualizar o valor do contrato, considerando a elevação ordinária dos custos de produção de seu objeto diante do curso normal da economia, podendo ser estabelecido sob 2...
As situações emergenciais, sejam elas decorrentes de eventos imprevisíveis ou previsíveis, mas de consequências desproporcionais, evidenciam a necessidade de aplicação de um regime jurídico extraordinário e flexível capaz de apresentar...