Sistema S – Aplicação da Lei Nº 8.666/93

Sistema "S"

As entidades que compõem o denominado Sistema S não integram a Administração Pública. Ao contrário, são instituições privadas, com característica paraestatal, criadas para atuar ao lado do Estado na persecução de interesses sociais relevantes.

É por esse motivo que as licitações e contratações promovidas por tais entidades não se subordinam ao regime jurídico que, usualmente, disciplina as contratações firmadas por órgãos e entidades da Administração Pública. Isso importa reconhecer que as licitações e as contratações realizadas/firmadas por essas entidades não se submetem aos ditames da Lei nº 10.520/02, da Lei nº 8.666/93 e das demais normas expedidas com o propósito de disciplinar a questão no âmbito do Poder Público.

Na verdade, cumpre a cada entidade do Sistema S editar Regulamentos próprios, os quais devem observar apenas a principiologia que rege as contratações públicas.

Tais assertivas também são defendidas pelo Tribunal de Contas da União, que, na Decisão nº 907/97 – Plenário, utilizada como paradigma para os acórdãos sucessores, consignou o seguinte entendimento:

 

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Denúncia procedente, em parte. Inspeção realizada no local, objetivando apuração dos fatos constantes da peça acusatória relacionados com problemas em processos licitatórios e contratação de pessoal. Natureza jurídica dos serviços sociais autônomos. Inaplicabilidade dos procedimentos estritos da Lei 8.666 ao Sistema “S”. Necessidade de seus regulamentos próprios. Uso de recursos parafiscais impõe necessidade de obediência aos princípios gerais da legislação federal pertinente. Importância da Auditoria Operacional. Determinações.

 

Portanto, uma vez editado o Regulamento de contratação próprio da entidade, não há que se falar em aplicação da Lei nº 8.666/93 ou de outros diplomas normativos que regem as contratações no âmbito da Administração Pública.

Sobre o regime jurídico a que se submetem as entidades do Sistema S, válidas são as considerações de Suzana Maria Rossetti em texto veiculado no Blog da Zênite:

 

Conforme entendimento consolidado no âmbito da Corte de Contas da União, por manejarem recursos públicos na busca pela satisfação de objetivos intimamente relacionados ao interesse dos cidadãos, os serviços sociais autônomos estão sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas da União.

 

E, a despeito de não submetidos ao rigor da Lei de Licitações, devem respeitar a principiologia que rege a atuação da Administração Pública em seus processos de contratação, de forma que cabe às próprias entidades do Sistema S aprovar seus regulamentos (Decisões nºs 907/1997 e 461/1998, ambas do Plenário), os quais devem ser elaborados em atenção aos princípios que orientam o exercício da função administrativa, em especial: legalidade, impessoalidade, isonomia, moralidade, publicidade e eficiência.

 

O ponto nodal é o de que não basta simplesmente fazer incidir a previsão regulamentar, é preciso avaliar se a norma é compatível, ou não, à principiologia aplicável às contratações públicas, a qual se almeja resguardar.

 

Nesse sentido, no Acórdão nº 6.165/2011 – 1ª Câmara, por exemplo, o TCU emitiu alerta ao SENAR:

 

“no sentido de que a possibilidade de dispensa de comprovação de regularidade fiscal nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, prevista no art. 11 de seu Regulamento de Licitações, está em desacordo com os princípios gerais da Administração Pública e a jurisprudência desta Corte de Contas (Decisão 10/2002 – Primeira Câmara e Decisão 705/1994 – Plenário)”.

 

Em outra oportunidade, o TCU determinou ao SESC/ES:

 

“avalie a razoabilidade e proporcionalidade, a despeito de contar com previsão em regulamento próprio, de reeditar exigência de que o licitante comprove o recolhimento, unicamente em dinheiro, de vultosa quantia a título de garantia de proposta, porque dotada de alto potencial restritivo, e especialmente em vista da limitada natureza/finalidade da referida garantia, de tão somente dotar a Administração de mecanismo de retenção na hipótese de eventual aplicação de sanção por desistência superveniente da proposta pelo vencedor”. (TCU, Acórdão nº 273/2012, 2ª Câmara.)

 

Recentemente o TCU validou essa racionalidade, porém reforçando a ideia de que só cabe induzir à modificação do regulamento quando efetivamente se verificar afronta à principiologia dos processos de contratação.

 

Assim é que no Acórdão nº 3037/2014 – Plenário, fixou que ‘O Tribunal de Contas da União somente deve induzir a modificação das normas próprias sobre licitações e contratos das entidades do Sistema S, por meio de determinações ou recomendações, nos casos em que, efetivamente, verificar afronta – ou risco de afronta – aos princípios regentes do processo licitatório, da despesa e da administração que lhes forem aplicáveis em decorrência da natureza dessas entidades ou das contribuições que arrecadam, ou, ainda, quando verificar a existência de lacuna ou a inexistência de regra específica’.

 

No caso tratado na manifestação supra, ponderava-se a previsão do Regulamento de Licitações do Sesc (Resolução Sesc 1.252/2012), o qual prevê a contagem do prazo de publicidade do pregão em 8 dias corridos. Segundo recomendação da unidade técnica, melhor privilegiaria a finalidade do prazo de publicidade do edital (em especial propiciar o tempo necessário aos interessados para a preparação da documentação) proceder à contagem em dias úteis, conforme previsão da Lei nº 10.520/02.

 

Todavia, sobre o aspecto, orientou o Min. Rel. Augusto Sherman Cavalcanti que ‘Em que pese a unidade técnica propor recomendação, e não determinação, cuja redação alvitrada propicia ainda o exame de conveniência e oportunidade à entidade para fazer a modificação sugerida, entendo que não há, no prazo de oito dias objeto da representação, e que se encontra fixado no regulamento de licitações da entidade, qualquer afronta aos princípios regentes da licitação a ensejar recomendação no sentido alvitrado pela secretaria. Os Serviços Sociais Autônomos (Sistema S), não se sujeitando aos ditames da Lei 8.666/1993, nem se lhes aplicando diretamente a Lei 10.520/2002, devem disciplinar as modalidades licitatórias em seus regulamentos próprios, respeitados os princípios legais e constitucionais aplicáveis à espécie.’ (Destacamos.)”. (ROSSETTI, 2014.)

 

Diante da compreensão de que o regime jurídico aplicável às licitações e contratações das entidades do Sistema S é aquele delineado em seus próprios Regulamentos, que devem atender à principiologia das contratações públicas, não se verifica margem para estabelecer automaticamente a aplicação subsidiária da Lei nº 8.666/93 ou de outros diplomas que disciplinam a questão no âmbito da Administração Pública.

Como visto no recente precedente do TCU citado no texto (Acórdão nº 3.037/2014 – Plenário), essa Corte pode determinar às entidades do Sistema S que adotem medidas voltadas à alteração, adequação ou complementação de seus Regulamentos. Tal assertiva se insere justamente no contexto de que não há margem para utilização da Lei nº 8.666/93 como forma de suprir as omissões dos Regulamentos.

Inclusive, em outra oportunidade, o TCU havia se manifestado no sentido de que suas determinações para modificação das normas próprias do Sistema S devem se restringir aos casos em que há efetiva afronta ou risco de afronta aos princípios regentes da gestão pública. Trata-se de resguardar o poder discricionário das entidades do Sistema (Acórdão nº 2.522/2009 – 2ª Câmara).

 

Em vista desse panorama, não parece possível que as entidades do Sistema S afastem as regras instituídas em seus Regulamentos ou as complementem com a automática aplicação subsidiária da Lei de Licitações. Isso porque a adoção de circunstâncias dessa natureza pode refletir afronta aos princípios que regem suas contratações (legalidade, impessoalidade, isonomia, moralidade, publicidade e eficiência).

Embora o TCU, em alguns precedentes, tenha se valido de regras da Lei nº 8.666/93 para avaliar as condutas das entidades do Sistema S,[1] entende-se que o mais cauteloso versa sobre a adoção de solução compatível com o regime efetivamente incidente sobre tais entidades.

Ora, se o Regulamento é omisso ou estabelece norma diversa da Lei nº 8.666/93, a decisão pela forma de condução da situação fática (pela aplicação subsidiária da Lei, pela aplicação do próprio Regulamento, etc.) acaba por revestir-se de caráter de subjetividade/liberalidade que pode representar ofensa aos princípios que norteiam as contratações públicas. Ao não haver clareza e objetividade em torno das normas efetivamente incidentes sobre o procedimento envolvido (licitação, contrato, contratação direta, etc.), abre-se margem para a prática de atos que afrontam os princípios reguladores das contratações públicas.

Ademais, condutas dessa natureza podem expor os agentes competentes a apontamentos pelos órgãos de controle: se os rigores formais previstos na Lei nº 8.666/93 não são adotados nas licitações e contratações por parte das entidades do Sistema S, seria questionável a adoção das disposições mais favoráveis em detrimento daquelas previstas no Regulamento.

Assim, se o Regulamento é omisso acerca de alguma circunstância, cabe à entidade do Sistema S proceder à sua alteração com vistas a complementá-lo ou, se for o caso, decidir motivadamente sobre a solução mais adequada à luz das particularidades do caso concreto e dos princípios que informam suas contratações.

Então, no exemplo citado, se o Regulamento não autoriza a prorrogação excepcional dos contratos, tal como o faz a Lei de Licitações (art. 57, § 4º), entende-se que o mais adequado é não prorrogar o contrato excepcionalmente após o atingimento do limite de 60 meses.

Nessa hipótese, caso seja indispensável a obtenção dos serviços e, por fatores devidamente motivados, não haja tempo hábil para a conclusão de nova licitação, entende-se cabível a contratação direta pautada no art. 9º, inc. V, do Regulamento, segundo o qual é dispensável a licitação “nos casos de emergência, quando caracterizada a necessidade de atendimento à situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens”, pelo período estritamente necessário à ultimação da nova licitação.

 

REFERÊNCIAS

ROSSETTI, Suzana Maria. Regime Jurídico das contratações do Sistema S x TCU. Blog Zênite. Disponível em: <http://www.zenite.blog.br>. Acesso em: 04 set. 2014.

SAMPAIO, Ricardo Alexandre; ROSSETTI, Suzana Maria. Prorrogação do cronograma de execução – Contratos por escopo do Sistema S. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 236, p. 1015, out. 2013.

Nota: Esse material foi originalmente publicado na Revista Zênite Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 252, p. 186-189, fev. 2015, seção Orientação Prática. A Revista Zênite e a Web Zênite Licitações e Contratos tratam mensalmente nas seções Orientação Prática e Perguntas e Respostas das dúvidas mais frequentes e polêmicas referentes à contratação pública. Acesse www.zenite.com.br e conheça essas e outras Soluções Zênite.

 


[1] Sobre esse aspecto, veja-se trecho do texto doutrinário da lavra de Ricardo Sampaio e Suzana Maria Rossetti: “Inclusive, em alguns precedentes, o Tribunal de Contas da União, para solucionar o assunto, utilizou a aplicação subsidiária da Lei nº 8.666/93. No Acórdão nº 576/2010 – 2ª Câmara, o TCU orientou ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI/RO) que: “1.5.1.1. aperfeiçoe, nos termos dos §§ 1º ao 4º do art. 57 da Lei nº 8.666/1993, a sistemática de planejamento de suas atividades, de modo a evitar as prorrogações de contratos por ineficiência no cumprimento dos prazos avençados pela Entidade Paraestatal.” Ainda, no Acórdão nº 4.389/2009 – 1ª Câmara, o TCU determinou: “24. Considerando que o retardamento da execução do contrato se deu por culpa do Sebrae/SP, por razões de natureza técnica-operacional, conforme sinalizam os documentos de fls. 20/30, a prorrogação desejada pelo recorrente encontra amparo tanto no art. 57, § 1º, inciso VI, da Lei nº 8.666/1993 como na Súmula 191/TCU. Oportuno destacar que o referido dispositivo da Lei nº 8.666/1993 pode ser aplicado ao caso em exame, em função da ausência de regra específica no regulamento próprio da entidade, em consonância com a decisão exarada no Acórdão 3.454/2007 – 1ª Câmara. (…) A despeito da indicação, em caráter supletivo, do § 1º do art. 57 da Lei nº 8.666/93 pelo Tribunal de Contas da União, entende-se possível adotar diretriz, de mesmo efeito, porém respaldada no regime jurídico efetivamente aplicado aos serviços sociais autônomos. Lembra-se que as entidades do Sistema S, enquanto pessoas jurídicas de direito privado, devem obediência aos seus estatutos, de modo que apenas são guiadas pelos princípios previstos no art. 37, inc. XXI, da Constituição da República e correlatos. E, para solucionar o impasse em análise, o Código Civil apresenta o tratamento adequado”. (SAMPAIO; ROSSETTI, 2013, p. 1015.)

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