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Estudo de Casos de Contratos Administrativos
por Equipe Técnica da ZêniteCapacitação Online | 25 a 28 de novembro
As coisas são o que são e, por mais bem intencionadas que sejam nossas ideias, elas permanecerão sendo o que são. Esse ensinamento da filósofa russa radicada nos Estados Unidos Ayn Rand, que destaca a necessidade de não sermos seduzidos pelo universo invariavelmente alienante das narrativas e dos ideiais, e concentrarmos o foco nas coisas como elas são (isto é, na realidade), é a premissa que emprego para enfrentar uma questão demasiadamente constumeira no universo jurídico e que, corriqueiramente, causa dificuldades sensíveis na tarefa de interpretar e aplicar o direito.
Refiro-me à baixa adesão dos conceitos jurídicos aos fenônemos da realidade. Ou ainda, à clara incapacidade da lei de fornecer conceitos efetivamente reais e capazes de descrever a realidade concreta das coisas.
Não pretendo apontar dedos, tampouco eleger culpados. Embora, em muitos casos, a insuficiência dos conceitos legais deriva de legisladores que, embebidos em suas ideologias, creem-se capazes de alterar a realidade a canetaços legais, em outros isso ocorre pela própria limitação da lei em intuir, antever e delimitar todas as situações fáticas que podem ser experimentadas na realidade. Em outros casos, a inadequação advém do mais puro (e inocente?) desconhecimento dos temas articulados pelo texto legal, ou, ainda, da ausência de consenso político acerca das medidas tomadas, que justificam o emprego de expressões dúbias nas normas jurídicas de modo a atribuir à jurisprudência o papel de fiel da balança na determinação do conteúdo e alcance das regras.
Seja como for, uma coisa é certa: as palavras não possuem – nem mesmo as legais – poderes de alquimista, e, por isso, não podem transformar categorias em coisas distintas.
A Lei de Licitações é pródiga em conceitos legais que, quando não dúbios, são de tamanha generalidade que permitem até mesmo questionar sua real utilidade. Isso quando não tentam transformar institutos jurídicos em outros distintos, ignorando conceito consagrados pela própria ordem jurídica e em plena aplicação.
Exemplo disso é o que passa com o seguro. Ninguém duvida que o seguro constitua um contrato típico de direito privado, regido pelo Código Civil brasileiro e pelas demais leis e normas regulatórias, editadas pela SUSEP, entre outros.
Pois a Lei de Licitações, sabe-se lá por quais motivos, descreveu que os seguros constituem espécie do gênero “serviços”, na forma definida pelo seu art. 6º. II. Ouso repetir a advertência de Ayn Rand: as coisas são o que são. Por isso, a disposição contida na Lei de Licitações é incapaz de converter, com um toque de midas, o seguro em serviço. O seguro, independente de qualquer outro fator, continuará sendo o seguro, à revelia do que dispôs a Lei nº 8.666/1993.
É o que se passa, ao menos em parte, com o problema que pretendo chamar a atenção na presente oportunidade, qual seja o de refletir o que se deve entender por obra, reforma e serviços de manutenção predial a partir dos parcos e incompletos conceitos contidos na Lei de Licitações.
Para subsidiar o raciocínio, vale citar a Lei nº 8.666/1993:
“Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se:
I – Obra – toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta;
II –Serviço – toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais;”
A legislação caracteriza obra como uma construção, uma reforma. É dizer, toma-os por equivalentes. E qualifica como serviço, por sua vez, toda atividade destinada a determinada utilidade, entre elas, manutenção, reparação, conservação, entre outros.
Uma coisa, porém, é certa. Reforma não pode ser entendida como sinônimo de obra. Sugerindo uma redução ao absurdo, e assim fosse, todo contrato de obra poderia ter acréscimos quantitativos até o limite de 50% do valor inicial atualizado do contrato, o que, sabe-se, não é verdadeiro. Há que existir, então, alguma diferença entre eles.
É nesse ponto que a realidade objetiva das coisas e o pragmatismo devem solucionar o impasse.
Ainda que questões técnicas da área da engenharia e da arquitetura tenham que ser sopesadas, creio que a noção de obra está ligada à intervenção inédita, que gera um resultado concreto como fruto da atividade de edificação. É dizer, não abrange uma simples benfeitoria em algo preexistente, mas sim a realização de algo novo, que resulta da intervenção construtiva. Por isso o exemplo mais banal de obra é a construção de um edifício em um lote de terreno baldio.
Já a reforma, por sua vez, é mais desafiadora. Sustento que o traço elementar da reforma é o de recompor uma coisa preexistente, atribuindo-lhe novamente sua plena utilidade ou, até mesmo, incrementando-as, mediante o acréscimo de novas funcionalidades. Sempre que o objetivo for o de resgatar a utilidade plena, aumentado-a ou não, haverá uma reforma, indiferentemente das atividades proporiamente ditas que hão de ser realizadas.
Então, se um edifício encontra-se obsoleto a ponto de não poder ser usufruído plenamente, as intervenções que serão feitas nele conceituam-se como reforma, ainda que isso envolva alguma atividade construtiva civil, como a quebra de paredes, substituição de janelas e, até mesmo, o aumento das suas dimensões físicas através de uma construção sem alterar suas concepções iniciais. Como a intervenção, nesse último caso, busca inserir uma benfeitoria no bem, não envolvendo uma edificação inédita e capaz de descaracterizar as plantas e descrições iniciais do bem, mas sim a ampliação de uma anterior, ela deve ser entendida como uma reforma, e não uma obra.
Já os serviços de manutenção e conservação predial margeiam essa discussão principal, e envolvem todas as intervenções que se mostrem necessárias à preservação e funcionalidade do bem. São diferentes da reforma porque nelas busca-se restabelecer a utilidade do imóvel, prejudiciada por diversos fatores, enquanto os serviços de manutenção e conservação têm como foco principal preservar a sua funcionalidade, ainda que isso envolva alguma intervenção tópica. Logo, a reforma prevê uma recomposição generalizada do bem, enquanto os serviços de manutenção e conservação envolvem pequenas ações e intervenções destinadas a mantê-lo funcional ou restabelecer tal característica.
É o que acontece, por exemplo, com a atuação destinada a trocar um cano rompido em um edifício. Ainda que isso represente uma intervenção civil, ela não é generalizada e não visa, como um todo, recompor a funcionalidade do bem. Trata-se de uma atuação específica-tópica, para que o imóvel volte a ser utilizado em sua plenitude. Daí porque a atividade constitui um serviço de manutenção e conservação e não uma reforma.
Essas são as provocações que gostaria de compartir na atualidade.
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