Questão apresentada à Equipe de Consultoria Zênite:
“As dúvidas da Administração versam sobre os elementos que devem ser considerados para a caracterização das obras comuns, tendo em vista o impacto deste aspecto na definição do prazo mínimo de publicidade das licitações regidas pela Lei nº 14.133/2021.”
DIRETO AO PONTO
Diante do exposto, conclui-se que ainda não há uma diretriz consolidada em torno dos elementos que podem vir a caracterizar uma obra comum para os fins da Lei nº 14.133/2021.
Contudo, valendo-se da experiência e da tratativa conferida à análise da questão sob a perspectiva dos serviços comuns de engenharia, é possível entender que as obras comuns serão aquelas que apresentam baixa complexidade, que podem ser objetivamente definidas a partir de parâmetros usualmente empregados no mercado, que são contratadas habitualmente pela Administração, e que podem ser executadas por uma parcela significativa do mercado local.
Uma vez que a Lei não dispõe sobre o assunto e a definição de obras comuns depende de uma análise casuística, tudo sugere que esse aspecto deve ser definido quando da elaboração dos estudos técnicos preliminares, tendo em vista que, nesse documento serão definidas as condições da solução a serem contratadas, a partir do que será possível determinar a natureza da obra (comum ou especial).
Ainda, como um dos fatores que podem afetar a configuração da obra como sendo comum envolve a habitualidade da sua contratação pela Administração, entende-se possível – mas não obrigatório – regulamentar a questão em âmbito municipal.
Por fim, sendo caracterizada a obra como “comum”, adotado o critério de julgamento de menor preço ou maior desconto, o prazo mínimo de divulgação do edital será de 10 dias úteis (art. 55, inc. II, “a”, da Lei nº 14.133/21).
FUNDAMENTO
Como apontado pela Consulente, a Lei nº 14.133/2021 não estabelece uma definição clara e assertiva a respeito das obras comuns de engenharia.
Em verdade, a nova Lei se restringe a definir expressamente os parâmetros que devem orientar a análise em torno da caracterização dos serviços comuns de engenharia, conforme se depreende do seu art. 6º, XXI, “a” e “b”:
“a) serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens;
b) serviço especial de engenharia: aquele que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade, não pode se enquadrar na definição constante da alínea “a” deste inciso;”
Essa omissão foi objeto de ressalva pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, citado como referência, no material “Reflexões sobre a Nova Lei de Licitações”:
“A definição de ‘obras comuns’ ficou de fora da nova Lei, trazendo certa insegurança quanto à análise da necessidade ou não da elaboração dos projetos executivos.
O professor Rafael Jardim propõe uma classificação que considere obra comum de engenharia “como aquela corriqueira, cujos métodos construtivos, equipamentos e materiais utilizados para a sua feitura sejam frequentemente empregados em determinada região e apta de ser bem executada pela maior parte do universo de potenciais licitantes disponíveis e que, por sua homogeneidade ou baixa complexidade, não possa ser classificada como obra especial”.
Obra especial, por sua vez, seria “aquela que cuja parcela de experiência exigida nos atestados de capacidade técnica refira-se a obras, sistemas ou subsistemas construtivos heterogêneos, complexos, cujos métodos construtivos, equipamentos e/ou materiais tenham sido realizados com maior raridade e/ou que imponham desafios executivos incomuns para sua conclusão, suficientes a perfazer um menor número de empresas aptas a demonstrar experiência na sua feitura ou a demandar-lhes a medição específica de habilidade/intelectualidade para a seleção da futura contratada.”
A questão é que o projeto executivo apresenta um nível de detalhamento que permite conhecimento mais aprofundado do que se espera na execução contratual, possibilitando melhor acompanhamento e fiscalização das obras. A Administração deverá sopesar se o tempo e recursos dispendidos com a elaboração do projeto executivo compensam esse maior detalhamento obtido pelo documento.”1 (Destacamos.)
A omissão da Lei também foi avaliada pelo Tribunal de Contas da União, também citado a título referencial, em seu Manual de Licitações e Contratos – 5ª Edição:
“A Lei 14.133/2021 não traz os conceitos de “obra comum” ou de “obra especial”. Embora não os tenha definido expressamente, em várias passagens, o texto se refere a ambos os tipos de objeto, tal como no art. 55, inciso II:
[…]
É possível interpretar o dispositivo acima no sentido de que os termos “comuns” e “especiais” se referem tanto aos serviços como às obras, trazendo uma diferenciação entre as duas alíneas “a” e “b”.
Caso contrário, haveria uma dubiedade no estabelecimento do prazo mínimo de divulgação do edital para a licitação de obras, que poderiam ser licitadas com prazo mínimo de dez ou 25 dias úteis.
Além do prazo mínimo de abertura das propostas, a diferenciação entre obra “comum” e “especial” impactaria outros três fatores.
O primeiro deles é que a licitação de obras “especiais” poderia ser conduzida por comissão de contratação, ao passo que as obras comuns teriam o certame processado por um agente de contratação.
As obras comuns poderiam ser executadas sem projeto executivo, desde que o ETP demonstre a inexistência de prejuízo para a aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados.
Por fim, as obras especiais poderiam ser processadas com o critério de julgamento de técnica e preço, quando o ETP “demonstrar que a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no edital forem relevantes aos fins pretendidos pela Administração”.
Em que pese a Lei 14.133/2021 não conter a conceituação do que seriam obras “comuns” e “especiais”, nem haver, até o momento, jurisprudência do TCU que aborde essa questão, há iniciativas que buscam avançar na construção desses conceitos, a exemplo da Nota Técnica IBR 001/2021.” (Destacamos.)
Da Nota Técnica IBR nº 01/2021, citada acima, constam vários parâmetros que podem ser utilizados pela Administração em cada caso concreto, indicando, assim, que se trata de uma análise casuística:
“Aplicando uma analogia com as definições de serviço comum de engenharia e de serviço especial de engenharia, é possível concluir o entendimento de que obra comum de engenharia é aquela na qual (i) a mão de obra, os equipamentos e os materiais utilizados são padronizáveis e (ii) amplamente disponíveis no mercado, (iii) os métodos construtivos têm responsabilidade técnica assumida por arquiteto, engenheiro ou técnico com registro no conselho profissional (que atenda aos requisitos previsto no edital), bem como (iv) os objetos contratados são de conhecimento geral e possuem muitas características técnicas de fácil descrição e compreensão, inclusive por parte do executor da obra, o operário da construção civil.
As obras comuns de engenharia são, portanto, aquelas obras (i) corriqueiras, (ii) de baixa complexidade técnica, (iii) e de menor risco de engenharia, (iv) quase sempre de pequeno e médio portes, para as quais (v) não exista qualquer dificuldade para se estabelecer as especificações técnicas, os memoriais descritivos dos serviços e os respectivos padrões de qualidade desejados pela Administração. São aquelas cujos materiais, equipamentos e métodos construtivos sejam (vi) usuais e para as quais (vii) exista grande número de fornecedores e de executores (empresas e profissionais) no mercado local ou regional (que é aquele mercado que costuma suprir a demanda no caso de obras de pequeno e médio portes).
Nas obras comuns, os padrões de desempenho e qualidade devem ser objetivamente definidos em edital, por meio de especificações usuais no mercado, assim como os serviços são executados segundo protocolos, métodos e técnicas conhecidos e determinados em normas expedidas pelas entidades regulamentadoras. Nelas, a qualidade do trabalho é atestada por meio do confronto com normas técnicas e profissionais pré-estabelecidas e, embora possa haver variações metodológicas, estas não são determinantes para a obtenção do resultado desejado pela Administração.
Também nas obras comuns, se o estudo técnico preliminar indicar, o objeto poderá ser definido apenas em projeto básico, sendo dispensada a elaboração de projeto executivo (arts. 18, §3º c/c o art. 46, §1º), mas apenas nos casos excepcionais em que fique demonstrada a inexistência de quaisquer prejuízos para aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados, o que é muito raro.
O que significa dizer que a ausência de desenhos detalhados também não prejudicará, de modo algum, a execução da obra, pelos operários e engenheiros/arquitetos responsáveis, exatamente conforme estabelecido pelo projeto básico. O fato de a obra ou serviço de engenharia exigir projetos com cálculos e dimensionamentos não afasta a sua possível classificação como comum, pois todas exigem algum tipo de cálculo, mas desde que as soluções de engenharia, que condicionam a escolha dos métodos de projeto e de execução, sejam amplamente difundidos dentre os potenciais construtores ou prestadores de serviços de engenharia.
Assim, as obras comuns de engenharia seriam aquelas (i) com baixo grau de complexidade técnica, (ii) executadas corriqueiramente pela administração, (iii) que contam com especificações e métodos usuais no mercado, e para as quais (iv) existem diversas empresas aptas a se habilitarem no certame, razão pela qual foram consideradas, na Lei nº 14.133/2021, em conjunto com os serviços comuns de engenharia.
Apresenta-se, a seguir, um rol exemplificativo de obras comuns:
– construção de guias, sarjetas, calçadas e passeios – desde que destinadas apenas ao trânsito de pessoas;
– pavimentação com lajotas ou pisos intertravados, em via implantada;
– obras de recomposição de pavimentação asfáltica em geral;
– edificação de muros de divisa;
– construção de quadras poliesportivas;
– construção de postos e delegacias de polícia;
– construção de pontos de ônibus;
– execução de poços artesianos;
– construção de cisternas e reservatórios de água de pequeno ou médio porte ou prémoldados;
– construção, reforma e ampliação de prédios administrativos em geral, de escolas e de médio e pequeno porte;
– obras de assentamento de tubulação de esgotamento sanitário e de abastecimento de água de baixa complexidade;
– construção de valas sanitárias;
– construção de obras de artes especiais (pontes e viadutos) de baixa complexidade e em ambientes não agressivos ou de impactos ambientais não significativos;
– construção de barragens de pequeno porte para fins de armazenamento de água para abastecimento humano ou para fins de geração hidrelétrica, desde que de baixa potência instalada3;
– construção de pequenos píers para atracamento/acesso a pequenas e médias embarcações;
– substituição de equipamentos interiores a edificações, como elevadores e escadas rolantes, por outro de características técnicas equivalentes ao original; e 3 A exemplo de minicentrais hidrelétricas, abaixo de 1MW.
– substituição da cobertura (telhado) por outro de características estruturais idênticas ao original. Especificidades técnicas que acrescentem complexidade excepcional nas obras listadas podem caracterizá-las como obras especiais.”2
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Como citar o conteúdo do Blog Zênite: ZÊNITE, Equipe Técnica. Nova Lei de Licitações: elementos a serem considerados na caracterização de obras comuns. Blog Zênite. 17 jun. 2025. Disponível em: https://zenite.blog.br/nova-lei-de-licitacoes-elementos-a-serem-considerados-na-caracterizacao-de-obras-comuns/. Acesso em: dd mmm. aaaa.
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