Dentre os princípios que regem a atuação da Administração Pública, merecem destaque o da economicidade e da eficiência. A aplicação deles às contratações públicas resulta no dever de a Administração buscar um atendimento ágil às suas demandas mediante a melhor aplicação dos recursos públicos. Para tanto, é preciso olhar para o mercado e considerar as soluções que vão sendo construídas para atender a realidade e a dinâmica empresariais de forma eficiente e econômica.
Dentro dessa concepção, surge a ferramenta denominada de almoxarifado virtual, que compreende: (i) a disponibilização de materiais de acordo com as necessidades da contratante, (ii) a utilização de sistema informatizado que permite controle de entrada e saída de materiais, e (iii) toda a operação de logística para distribuição dos materiais.
Dentre as vantagens dessa modelagem, destacam-se os seguintes benefícios para a Administração contratante: (i) redução de gastos com local de armazenamento; (ii) racionalização do consumo, com redução de riscos de acúmulo, desperdício ou armazenamento desnecessário de materiais; (iii) redução de gastos e prazos com transporte/entregas; (iv) redução de trabalhos burocráticos internos da Administração.
Ocorre que o almoxarifado virtual não conta com disciplina normativa expressa a respeito da sua implementação.
A despeito disso, verifica-se a sua implementação por alguns órgãos1, tendo como ponto de partida a normatização existente sobre o dever de adotar mecanismos de centralização de contratações e de modernização dos processos de contratação pública.
Além disso, fortalecem o fundamento para a instituição desta ferramenta os objetivos do processo licitatório, dentre os quais o da inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.
É dentro dessa concepção dos processos de contratação pública que surge a possibilidade de instituição de mecanismos voltados à implementação do almoxarifado virtual.
Alguns órgãos e entidades já começaram a regulamentar a matéria em seus âmbitos de atuação, conferindo efetividade aos princípios da eficiência e da economicidade, e impulsionando os processos de contratação em direção dos objetivos definidos pela Lei nº 14.133/2021.
Como exemplo2, temos a Instrução Normativa nº 51/2021, que estabelece procedimentos para utilização do serviço de suprimento de material de consumo, por meio do Almoxarifado Virtual Nacional, no âmbito da Administração federal direta:
Art. 1º Esta Instrução Normativa estabelece procedimentos para utilização do serviço de suprimento de material de consumo, por meio do Almoxarifado Virtual Nacional – AVN, no âmbito da administração pública federal direta.
Parágrafo único. O AVN operacionalizará o suprimento de material de consumo em sistema web desenvolvido pelo fornecedor contratado pela Central de Compras – Central-ME, da Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.
Acerca da contratação de almoxarifado virtual, podemos citar dois precedentes do TCU, dos quais se inferem cuidados que devem ser adotados nesses processos:
TCU – Acórdão nº 1.524/2019 – Plenário
Almoxarifado virtual: projeto de ciclo completo.
121. A central de compras ficou responsável por todas as etapas, desde a concepção do modelo de execução até a fiscalização do contrato.
122. Vantagens: padronização e uniformização de objetos; uniformização de procedimentos e entendimentos; possibilidades de economias de escala; redução de custos administrativos associados a procedimentos licitatórios; domínio sobre a informação a respeito da demanda e do consumo de bens e serviços, antes dispersa e desestruturada; oportunidades de revisão de modelos e de proposição de inovações; possibilidade de visão estendida do ciclo da gestão estratégica de suprimentos, desde a concepção do projeto à execução dos contratos; fortalecimento da atuação do órgão central do Sistema de Serviços Gerais por meio da articulação entre as áreas de operação centralizada, de normatização e de desenvolvimento de sistemas e ferramentas de informática.
123. Desvantagens: possibilidade de diminuição de fornecedores contratados pela Administração Federal, podendo causar concentração em determinados mercados; tendência a procedimentos licitatórios mais vultuosos, com possíveis impactos no acirramento das disputas nos certames, judicialização, e resistência organizada de setores do mercado; necessidade de múltiplas expertises na equipe, principalmente na fase de construção dos modelos; complexidade das intervenções em projetos que envolvam alterações disruptivas nos modelos de contratação e de atendimento. (Destacamos.)
TCU – Acórdão nº 18965/2021 – 1ª Câmara
Conforme assentado no relatório precedente, trata-se de representação, com pedido de medida cautelar, formulada por Autopel Automação Comercial e Informática Ltda., em razão de supostas irregularidades no certame 2020/0244, promovido pelo Banco do Brasil S.A. (BB), tendo por objeto a contratação de serviços continuados de outsourcing para operação de almoxarifado virtual, sob demanda, envolvendo fornecimento de produtos, armazenagem e distribuição e disponibilização online dos itens do catálogo eletrônico do BB, com valor estimado de R$ 114.032.797,56.
A representante alega a ocorrências de duas irregularidades no certame em referência: a exigência excessiva de habilitação técnica (itens 8.3.10 a 8.3.10.2 do edital) e a habilitação da empresa vencedora do certame (BRS Suprimentos Corporativos S.A.) sem que tenha atendido a requisitos econômico-financeiros e técnicos previstos nos itens 8.3.7 e 8.3.10 do edital.
[…]
Quanto ao mérito da representação, verifico que, de fato, procedem parcialmente as alegações trazidas pela representante.
[…]
Dessa forma, foram criados requisitos cumulativos rigorosos com condicionantes temporais, territoriais e quantitativos, quais sejam: (1) atendimento em 1.500 municípios, (2) realizados por três meses, (3) espalhados por todas as Regiões, contemplando pelo menos um município em dada Unidade da Federação – UF, (4) a soma dos correspondentes atestados só pode ocorrer se os serviços atestados foram prestados de modo concomitante, dentro dos mesmos meses, para qualquer período contínuo de três meses, nos últimos doze meses.
Como resultado, verificou-se baixa concorrência na licitação, uma vez que somente três empresas compareceram ao chamamento, sendo que apenas duas apresentaram propostas.
Na linha defendida pela Selog, entendo que os argumentos trazidos pelos gestores não foram suficientes para demonstrar o cabimento das exigências minuciosas de capacidade técnica constantes dos itens 8.3.10 a 8.3.10.2 do edital. Em que pese a distribuição territorial das agências bancárias pelo País, o requisito de limitação aos últimos 12 meses para a comprovação do atendimento às exigências não foi justificado pelo Banco do Brasil.
Considero que a restrição temporal nesse caso age no sentido de limitar o número de participantes e interessados no certame, e tem pouca utilidade como critério de seleção de licitantes mais capacitados para bem cumprir o objeto da licitação.
Isso porque o incentivo que o limite temporal para comprovação das exigências dá ao mercado é de que o interesse do Banco é contratar uma empresa que tenham prestado os serviços no último ano, nas condições estritas estabelecidas no edital. A observância dessa condição não necessariamente significa que os serviços tenham sido prestados pelas firmas mais habilitadas tecnicamente. Portanto, entendo adequada a expedição de ciência ao Banco do Brasil, nos termos do art. 9º, inciso I da Resolução-TCU 315/2020, de forma a orientar a atuação do Banco controlado pelo poder público.
Quanto ao outro ponto detectado com irregularidade pela unidade técnica, acerca da apresentação das informações referentes à licitação na plataforma digital de acesso público, embora concorde que a demora na disponibilização dos dados é prejudicial ao acompanhamento das contratações, verifico que o art. 88, caput, da Lei 13.303/2016 estipula prazo de até dois meses para a atualização. Em consequência, deixo de acompanhar a proposta de ciência ao jurisdicionado.
Diante do exposto, concluímos que a implementação dos denominados almoxarifados virtuais não tem previsão expressa na Lei nº 14.133/2021 ou na Lei nº 13.303/2016.
Contudo, a ferramenta encontra fundamento nos princípios da eficiência e da economicidade, que assumem protagonismo nos processos de contratação pública e impulsionam à adoção de soluções inovadoras.
Dentro desse cenário, a contratação de almoxarifado virtual parte da normatização existente sobre o dever de adotar mecanismos de centralização de contratações e de modernização dos processos de contratação pública, bem como sobre os objetivos do processo licitatório, dentre os quais o da contratação vantajosa, da inovação e do desenvolvimento nacional sustentável.
___________________________
1 Já verificamos a implementação de tais ferramentas por parte de alguns órgãos:
– Almoxarifado Virtual Nacional: https://www.gov.br/gestao/pt-br/assuntos/central-de-compras/almoxarifado-virtual-nacional.
– Documentos (Edital, TR, ETP, atas, contrato) do AVN: https://www.gov.br/gestao/pt-br/assuntos/central-de-compras/transparencia/arp/2020/ata-ndeg-14-2020-almoxarifado-virtual-nacional-grupo-1.
– Sítio eletrônico do Almoxarifado Virtual do Estado de Minas Gerais: https://www.mg.gov.br/planejamento/pagina/almoxarifado-virtual-0.
– Projeto Piloto no Município de SP: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/gestao/noticias/?p=365976.
– Oficina com elaboração de ETP para almoxarifado virtual: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/governo/gestao/arquivos/ETP_Oficina_Vers_%20Final.pdf.
2 Sobre o dever de implementar ferramentas de centralização de compras, dispõe o art. 19, I, da Lei nº 14.133/2021:
Art. 19. Os órgãos da Administração com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços e de licitações e contratos deverão:
I – instituir instrumentos que permitam, preferencialmente, a centralização dos procedimentos de aquisição e contratação de bens e serviços;
2 Cita-se também:
– Resolução Seplag nº 99, de 27 de dezembro de 2022, que estabelece as regras gerais do modelo Almoxarifado Virtual de Minas Gerais – AVMG no âmbito da Administração Pública direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo.
– Resolução GP nº 28/2024, que institui o Almoxarifado Virtual, como modelo estratégico de gestão para a aquisição e fornecimento de materiais de consumo administrativo, no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Maranhão.
– Decreto Estadual nº 48.342/2023, que institui o almoxarifado virtual no âmbito do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro.