Estatais: dispensa emergencial e formalização posterior do processo e do contrato  |  Blog da Zênite

Estatais: dispensa emergencial e formalização posterior do processo e do contrato

Contratação diretaEstatais

Questão apresentada à Equipe de Consultoria Zênite:

“A Entidade descreve que, em virtude de um evento atípico, verificou-se o rompimento de uma tubulação destinada à distribuição de água. Essa ruptura, por envolver uma tubulação localizada na área urbana da capital do Estado, trouxe uma série de transtornos para os sujeitos que mantém imóveis no local, que envolveram tanto a paralisação dos serviços de distribuição de água, suspensão da atividade comercial, entre outros. Diante da necessidade de prontamente atender a questão, e conter os efeitos deletérios provocados pela ruptura da tubulação, a Entidade requisitou que a empresa contratada para realizar a manutenção corretiva da rede promovesse os reparos necessários da forma mais rápida possível. Paralelamente, a Entidade requisitou a outra empresa, com quem não mantinha contrato algum, para promover os reparos necessários na estrutura asfáltica afetada tanto pelo evento danoso quanto pelas atividades necessárias para recompor a rede. Nenhum contrato foi celebrado com o objetivo de reger essa prestação de serviços. Indaga sobre a possibilidade de, no presente, realizar o processo administrativo e firmar uma contratação emergencial (art. 29, inc. XV, da Lei nº 13.303/16) destinada a reger os serviços já prestados.”

DIRETO AO PONTO

À luz do exposto, em casos muito especiais, em que a realidade da situação emergencial torna inevitável agir imediatamente, sob pena de risco de danos de elevada monta ou de difícil reparação serem verificados, possibilita-se a execução de tarefas mesmo sem a prévia conclusão do processo administrativo de dispensa emergencial e a celebração do contrato respectivo.

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O que vai determinar a regularidade e, até mesmo, a possibilidade de sanear a contratação verbal já executada no caso concreto, são dois fatores:

– O primeiro deles, é a existência de fatos concretos que impunham o agir imediato da Entidade, sob pena da concretização de danos de elevada monta para bens, pessoas ou interesses públicos ou privados. Havendo tais justificativas, será possível convalidar a contratação verbal, mediante a instrução, no presente, do processo de contratação direta por dispensa emergencial, assim como a celebração do contrato com data retroativa.

– O segundo, que pressupõe a existência do primeiro, envolve a possibilidade de reunir elementos que comprovem, no presente, que ao tempo das ocorrências todos os requisitos necessários para o cabimento da dispensa emergencial se faziam presentes, em especial enfocando a existência de justificativas para a contratação da solução definitiva para o problema, e não de uma intermediária, nos termos assinalados em sede preliminar.

FUNDAMENTO

Antes mesmo de examinar a possibilidade de celebrar, no presente, um contrato emergencial dirigido a acobertar os serviços já realizados, é válido afirmar que as características da complexa situação descrita na presente oportunidade demanda que se dê um passo atrás, dirigido a avaliar a repercussão que alguns dos requisitos legais estabelecidos para a contratação direta provocam na solução do impasse.

A contratação emergencial constitui caso de dispensa de licitação, e seu fundamento consta do art. 29, inc. XV, da Lei das Estatais, no seguinte sentido:

“Art. 29. É dispensável a realização de licitação por empresas públicas e sociedades de economia mista:

(…)

XV – em situações de emergência, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contado da ocorrência da emergência, vedada a prorrogação dos respectivos contratos, observado o disposto no § 2º;” (Destacamos.)

A partir do dispositivo legal, pode-se identificar os seguintes requisitos para sua aplicação:

1) que exista urgência concreta e efetiva do atendimento à situação decorrente do estado emergencial ou calamitoso, visando afastar risco de prejuízo ou comprometimento da segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares;

2) que o risco, além de concreto e efetivamente provável, se mostre iminente e especialmente gravoso;

3) que a imediata efetivação, por meio de contratação com terceiro, de determinadas obras, serviços ou compras, segundo as especificações e quantitativos tecnicamente apurados, seja o meio adequado, efetivo e eficiente de afastar o risco iminente detectado;

4) que somente sejam contratados com base em dispensa de licitação emergencial os bens necessários para afastar a condição de emergência ou calamidade e as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade.

Nesse mesmo sentido forma-se a orientação do Tribunal de Contas da União, citado a título de referência, conforme se verifica a partir de anotação extraída do Zênite Fácil, a qual, mesmo tendo se formado em vista do regime definido pela Lei nº 8.666/93, é aplicável ao caso dada à similaridade de tratamento dispensada pela Lei nº 13.303/16:

Contratação pública – Dispensa – Situação emergencial – Requisitos – TCU

Sobre a dispensa de licitação em razão de situação emergencial, o TCU deixou assente que “a própria lei elencou requisitos cumulativos a serem observados pelo administrador para enquadrar a situação fática à norma, a saber: a) deve o administrador demonstrar a urgência de atendimento da situação; b) limitar o objeto da contratação aos bens necessários para afastar o risco de prejuízo ou de comprometimento da segurança das pessoas e bens; c) no caso de parcelas de obras e serviços, o objeto deve ser concluído no prazo máximo de 180 dias consecutivos e ininterruptos, contados a partir da data de ocorrência do fato tido como emergencial ou calamitoso; e d) vedada à prorrogação dos contratos. (…) A ausência de quaisquer desses requisitos legais tem o condão de descaracterizar a situação emergencial. Esse é o intuito da lei. Por isso, a Administração deve agir de imediato, ou seja, deve ser realizada a contratação tão logo constatada a situação emergencial, pois, após algum tempo, podem ocorrer circunstâncias que transformem o que era emergência em passível de ser contratado por meio do procedimento licitatório normal”. (Grifamos.) No mesmo sentido: Acórdãos nºs 2.190/2011, Plenário; 4.458/2011, 2ª Câmara. (TCU, Acordão nº 3.075/2012, Plenário, Rel. Min. Raimundo Carreiro, DOU de 22.11.2012.)”1 (Destacamos.)

Para que a contratação emergencial seja validamente firmada, é fundamental que se identifique uma situação objetiva de risco iminente, cuja contenção dos seus efeitos não pode ser feita pelas vias ordinárias, isto é, por meio da realização de uma prévia licitação. Antes disso, o caráter emergencial da contratação advém justamente da necessidade de agir prontamente para conter a situação de fato e, com isso, evitar que danos de elevada monta, ou até mesmo irreparáveis, afetem o patrimônio público ou privado, assim como pessoas em geral.

Mas o interessante é que, tanto no regime de direito público, quanto no regime privado que rege as empresas estatais, a contratação emergencial é vista como uma solução postiça e não definitiva para o problema. Isso significa que o objetivo da contratação emergencial, como regra geral, não é o de providenciar a resolução definitiva da situação de emergência que justificou sua celebração, mas sim o de conter os seus efeitos, enquanto aquela – a resolução final – será viabilizada pelos canais ordinários (ou seja, por meio de licitação). Esse requisito que limita a abrangência do objeto da contratação emergencial, foi inclusive objeto de grifos e negritos no texto legal acima citado.

Os Tribunais de Contas, inclusive, não hesitam de aplicá-los em casos concretos. Sobre isso, já decidiu o Tribunal de Contas da União, mais uma vez citado a título referencial:

“Acórdão nº 273/2009 – Plenário

Acórdão

1.6. Determinar ao DNIT que:

1.6.1. obras contratadas por via de dispensa de licitação, com fundamento no art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93, devem se prestar à finalidade pela qual foram previstas, ter caráter temporário e servir de etapa preliminar e provisória até a adoção da solução duradoura e definitiva, devendo-se evitar o ocorrido na construção de pontes de madeira e desvios na BR-222/PA, que não foram liberadas ao tráfego, com a exceção de uma ponte localizada sobre o Rio Jacundá, demonstrando que tal empreendimento destituía-se desse caráter de excepcionalidade;

1.6.2. planeje adequadamente suas ações, sempre que for necessário recorrer à contratação com base na dispensa de que trata o art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93, evitando distanciamento entre a solução preliminar e a definitiva, conforme o caso das obras de arte especiais da BR-222/PA (reparos e alargamentos nas pontes metálicas), cuja solução definitiva ainda não foi contratada;” (Destacamos.)

“A contratação direta emergencial, fundamentada no art. 24, inciso IV, da Lei 8.666/1993, deve se restringir somente à parcela mínima necessária para afastar a concretização do dano ou a perda dos serviços executados, devendo a solução definitiva, conforme o caso, ser objeto de licitação formal.” (TCU – Acórdão 6.439/2015-TCU-Primeira Câmara, Destacamos.)

Em outro precedente, extraído do Informativo de Licitações e Contratos nº 272, o TCU é ainda mais taxativo em torno da questão:

1. É irregular a contratação emergencial por dispensa de licitação (art. 24, inciso IV, da Lei 8.666/93) quando a interdição do acesso à edificação com problema estrutural for suficiente para a eliminação do risco e, consequentemente, da situação emergencial.

O Plenário do TCU apreciou Recurso de Revisão interposto em face de acórdão que aplicara multa em razão da elaboração de parecer pela dispensa indevida de licitação para reforma de estádio de futebol, custeada parcialmente com recursos federais. Na espécie, os recorrentes haviam sido penalizados por terem produzido pareceres no sentido de autorizar a dispensa de licitação da obra, sem que estivessem presentes os requisitos previstos no art. 24, inciso IV, da Lei 8.666/93, relativos à situação emergencial. A questão posta no apelo, portanto, referia-se à subsistência ou não da responsabilidade dos recorrentes, em relação à dispensa indevida de licitação. Nos dizeres do relator, uma situação emergencial justificadora da dispensa de licitação só se caracteriza se restar demonstrado que a contratação direta é o único meio adequado, necessário e efetivo de eliminar iminente risco de dano ou o comprometimento de segurança. No caso em exame, entretanto, o relator observou que seguindo recomendações técnicas constantes dos próprios autos, bastaria que o estádio fosse interditado ao público, para que o iminente risco de dano e, consequentemente, a situação emergencial fossem afastados, possibilitando tempo suficiente para que o procedimento licitatório fosse planejado e realizado. A existência de graves problemas estruturais, por si só, não autoriza a contratação direta. Por fim, demonstrados indícios suficientes de existência de nexo causal entre os atos praticados e a dispensa indevida de licitação, o relator votou pela negativa de provimento ao recurso, sendo seguido pelos demais ministros. Acórdão 27/2016 Plenário, Recurso de Revisão, Relator Ministro Raimundo Carreiro.” (Destacamos.)

Esse ponto necessita ser considerado com algum nível de profundidade no presente caso, em que a contratação emergencial, ao que tudo sugere, abrangeu desde logo a solução definitiva do problema, recompondo todo o pavimento asfáltico afetado pela ruptura da tubulação.

É preciso reconhecer que, como regra geral, o objetivo da contratação direta não poderia abranger desde logo a completa recomposição do pavimento asfáltico, caso houvesse uma solução intermediária que evitasse a concretização dos danos possivelmente decorrentes da situação emergencial. Embora o tema envolva exame técnico de engenharia, sobretudo quanto à sua exequibilidade, se o fechamento dos buracos com pedra brita ou equivalente, por exemplo já fosse suficiente para viabilizar o emprego da via pública, enquanto os procedimentos ordinários fossem feitos para a contratação do refazimento do piso asfáltico, em princípio esta seria a solução a ser contemplada pela contratação direta, e não promover desde logo o refazimento do asfalto.

Agora, a ideia de solução intermediária, dirigida a conter o risco, que constitui o limite da contratação direta, precisa sempre ser analisada a partir das particularidades do caso concreto. É que, em muitos casos, a solução intermediária é indissociável da solução definitiva, ou, caso se prefira, não existe modo de conter os efeitos da situação emergencial senão por meio da contratação da solução definitiva desde logo.

O que é importante, nesses casos, é que o processo de contratação direta seja assertivo na demonstração dessa realidade, de modo a comprovar a impossibilidade de empregar uma solução transitória para conter a situação emergencial. Sob o viés técnico, econômico e, também, social (notadamente de emergência na prestação de serviços públicos), caberá à contratante comprovar que não havia meios de solucionar o problema determinante da contratação emergencial senão por meio da contratação da solução definitiva.

Indiferente de qualquer outro fator, então, caberá à Entidade, ao examinar a contratação direta aqui mencionada, considerar essa questão e justificar, com o maior nível de acuidade e precisão, os motivos que impuseram a contratação desde logo da solução definitiva do problema.

Definida essa questão, é preciso avançar e analisar de que maneira é possível promover a formalização do contrato emergencial “verbal” descrita na presente oportunidade.

Nesse ponto em particular, a regra geral segue no sentido de que os contratos firmados pelas empresas estatais sejam formais, ou seja, escritos, salvo o de pequenas despesas de pronto pagamento. É nesse sentido que prevê o art. 73, da Lei das Estatais:

“Art. 73. A redução a termo do contrato poderá ser dispensada no caso de pequenas despesas de pronta entrega e pagamento das quais não resultem obrigações futuras por parte da empresa pública ou da sociedade de economia mista.”

Como a formalização do contrato compreende um requisito de validade e existência da relação jurídica, a regra é que seja providenciada antes do início efetivo da prestação dos serviços, sob pena de configuração de contratação verbal.

Não por outro motivo, o TCU, novamente citado como exemplo, já determinou à estatal jurisdicionada que se abstenha de conferir efeitos retroativos aos seus contratos:

Acórdão nº 25/2007 – Plenário

“[Sumário]

REPRESENTAÇÃO. CONTRATO. REALIZAÇÃO DE SERVIÇOS SEM COBERTURA CONTRATUAL. PRAZOS DE VIGÊNCIA RETROATIVOS. DETERMINAÇÃO.

É vedada a realização de serviços sem a devida cobertura contratual e a celebração de contratos e aditivos com prazos de vigência retroativos.

[Acórdão]

9.2. determinar à ECT que se abstenha de promover a aquisição de bens ou serviços sem cobertura contratual, bem assim de celebrar contratos com cláusula de vigência retroativa, caracterizando a existência de contrato verbal antes de sua formalização, por contrariar o disposto no parágrafo único do art. 60 da Lei nº 8.666/93;” (Destacamos.)

Embora a regra aponte para a impossibilidade de conferir efeitos retroativos aos seus contratos, não se descarta a defesa de entendimento diverso, sobretudo em face da excepcionalidade dos contornos do caso concreto, em especial a necessidade premente e aparentemente inafastável de agir prontamente para conter os efeitos danosos gerado pela ruptura da tubulação.

Vejamos.

A convalidação consiste na edição de um ato no presente com o objetivo de corrigir uma falha/omissão passada.

Acerca do assunto, válidas são as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, abaixo transcritas:

“A convalidação é o suprimento da invalidade de um ato com efeitos retroativos. Este suprimento pode derivar de um ato da Administração ou de um ato do particular afetado pelo provimento viciado.

Quando promana da Administração, esta corrige o defeito do primeiro ato mediante um segundo ato, o qual produz de forma consonante com o Direito aquilo que dantes fora efetuado de modo dissonante com o Direito. Mas com uma particularidade: seu alcance específico consiste precisamente em ter efeito retroativo. O ato convalidador remete-se ao ato inválido para legitimar seus efeitos pretéritos. A providência corretamente tomada tem o condão de valer para o passado.

É claro, pois, que só pode haver convalidação quando o ato possa ser produzido validamente no presente. Importa que o vício não seja de molde a impedir reprodução válida do ato. Só são convalidáveis atos que podem ser legitimamente produzidos.”2 (Destacamos.)

Sobre os vícios que permitem a convalidação dos atos afetados por eles, são oportunos os ensinamentos de Weida Zancaner:

“São convalidáveis os atos portadores dos seguintes vícios: a) competência; b) formalidade; c) procedimento, nas seguintes hipóteses: c1) “quando consistente na falta de ato ou atos da Administração, desde que sua prática posterior não lhe retire a finalidade”. c2) “quando consistente na falta de ato do particular, desde que este o pratique com a expressa intenção de fazê-lo retroagir”.”3 (Destacamos.)

Seguindo essa linha de raciocínio, seria possível celebrar o contrato com data retroativa quando o processo de contratação direta já estivesse devidamente instruído com todos os elementos que denotassem a legitimidade da contratação. Em outros termos, a falta da instrução do processo administrativo e da própria celebração do contrato, previamente à execução do seu objeto, poderia ser corrigia (convalidada) mediante a instrução posterior do processo demonstrando que, ao tempo da ocorrência dos fatos (da contratação verbal dos serviços), todos os requisitos necessários para a validade da contratação se faziam presentes.

No caso citado, então, seria defensável a convalidação do caráter informal da contratação direta mediante a demonstração de que a urgência no atendimento da situação era de tal ordem que impedia que se aguardasse a instrução do procedimento respectivo e a celebração do contrato. Equivale a dizer que o risco de danos/prejuízos a bens e interesses públicos e privados era tão plausível que impôs o pronto atendimento da demanda, visando a contingenciar o problema e evitá-lo.

Este argumento encontra amparo na racionalidade empregada pela doutrina e pelo TCU, citado como exemplo, nas contratações emergenciais celebradas com base em hipótese de dispensa de licitação, em que a Administração determina o início da execução antes mesmo da conclusão do processo de contratação direta.

Aqui, interessante citar trecho de matéria publicada na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC) nº 180, fev/2009, p. 174, disponível na ferramenta Zênite Fácil, sobre a possibilidade de os atos que instruem a contratação emergencial serem praticados posteriormente, se assim se mostrar necessário:

“No caso de dispensa de licitação com fundamento em situação emergencial, a celebração do contrato deve ocorrer necessariamente depois da publicação do ato de ratificação previsto no art. 26 da Lei nº 8.666/93?

(…)

Contudo, em casos excepcionais, em que esteja em risco interesse público ou particular que não possa aguardar o trâmite processual da contratação direta, sob pena de prejuízo, será possível a prática dos atos e o início da execução do ajuste sem submetê-los anteriormente à ratificação formal da autoridade superior.

Formalizada a contratação e atendida a situação emergencial, cumprirá à Administração instruir o correspondente processo administrativo de contratação direta, submetendo-o à ratificação da autoridade superior. Nessa ocasião, o ato de ratificação deverá, inclusive, sanear por meio da convalidação a prática de todos os atos anteriores.

Dito isso, via de regra, a publicação do ato previsto no art. 26 da Lei nº 8.666/93 deve ser anterior à contratação com base em dispensa de licitação emergencial, admitindo-se a existência de situações extraordinárias, conforme acima exposto.” (Destacamos.)

Ainda sobre o assunto, oportunas são as lições de Marçal Justen Filho, abaixo transcritas:

“A contratação direta se submete a um procedimento administrativo, como regra. Ou seja, ausência de licitação não equivale a contratação informal, realizada com quem a Administração bem entender, sem cautelas nem documentação. Ao contrário, a contratação direta exige um procedimento prévio, em que a observância de etapas e formalidades é imprescindível. Somente em hipóteses-limite é que a Administração estaria autorizada a contratar sem o cumprimento dessas formalidades. Seriam aqueles casos de emergência tão grave que a demora, embora mínima, pusesse em risco a satisfação do interesse público.”4 (Destacamos.)

O mesmo racional pode ser extraído da seguinte doutrina publicada na legislação anotada, disponível no Zênite Fácil:

“Constatada a ocorrência de circunstâncias que justificam a dispensa de licitação com base no inc. IV do art. 24, será admitida a contratação direta do objeto necessário ao atendimento da demanda verificada. Como essas hipóteses, no mais das vezes, exigem atuação instantânea da Administração, tem-se a possibilidade de instruir o processo administrativo a que se refere o art. 26 em momento posterior ou concomitante ao início da execução do objeto. Com isso, a Administração garante o início imediato das medidas voltadas ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa. (Nota elaborada por Manuela Martins de Mello, integrante da Equipe Técnica Zênite.)”5

Renato Geraldo Mendes, a esse respeito, também comenta:

Uma hipótese de dispensa que se revela incompatível com o rito e os prazos da licitação é a situação descrita no inc. IV do art. 24 da Lei nº 8.666/93. A razão que justifica a dispensa na referida hipótese é a urgência de atendimento da situação, a qual se revela totalmente incompatível com o rito procedimental da licitação. A adoção da licitação quando estiver presente o elemento “urgência” atentaria contra a ideia de eficiência, e daria ensejo à ilegalidade. Esse é um exemplo típico de que o valor eficiência preside o regime jurídico da contratação pública. É preciso atentar para o fato de que o objeto a ser contratado no caso do inc. IV do art. 24 traduz solução capaz de, em situação normal, ser licitado, pois é, como regra, padronizada, uniforme e homogênea, ou seja, pode ser definida, comparada e julgada por critérios objetivos. O que impede a licitação não é a natureza ou características próprias do objeto, mas uma condição que não se relaciona com ele: a urgência que deve nortear a seleção do terceiro. Portanto, é preciso perceber que não é a natureza do objeto a ser contratado que viabiliza a hipótese prevista no inc. IV do art. 24 da Lei nº 8.666/93, mas sim uma condição fática (emergência) que independe da natureza ou tipo do objeto. Ademais, a depender da situação, a intervenção do contratado é feita sem que o instrumento de contrato tenha sido assinado, o que não tem nada de ilegal, ou seja, a formalização poderá ocorrer após a execução material de todo o encargo ou, se possível, apenas de parte dele. Optar pela licitação quando caracterizada situação que exija ação rápida e eficaz por parte da Administração, pode vir a configurar conduta punível. Portanto, dispensar a licitação na hipótese descrita no inc. IV do art. 24 não é uma faculdade a ser exercida livremente pelo agente, mas sim um dever do qual ele não pode se afastar. É até possível dizer que nesse caso a realização da licitação está proibida pela ordem jurídica.”6 (Destacamos.)

O Tribunal de Contas da União já foi sensível a esse aspecto, em especial quando reconheceu a possibilidade de celebrar a contratação emergencial de obras mesmo que ausente projeto básico. Veja-se:

“Ao tratar da necessidade de elaboração do projeto básico na hipótese de contratação emergencial, o TCU deixou assente que, “mesmo em obras emergenciais, o projeto básico deve ser providenciado nos termos da lei. Essa é a regra, no entanto, o próprio Tribunal admite exceções. É que, em alguns casos, a elaboração de todos os elementos necessários pode levar meses, o que não se conforma a situação calamitosa e urgente”. O Relator complementou seu voto transcrevendo determinações exaradas pelo Plenário do TCU, no Acórdão nº 1.644/2008: “1.6. determinar ao (omissis) que, mesmo em obras emergenciais, providencie projeto básico com todos os elementos indicados no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93, em consonância com o disposto no art. 7º, § 2º, inciso II e § 9º da mesma Lei, sendo admissível, com a finalidade precípua de afastar risco de dano a pessoas ou aos patrimônios público e particular, que os primeiros serviços sejam iniciados ou executados previamente à conclusão do projeto básico; 1.6.1. em casos excepcionais e devidamente justificados, poderão ser utilizados projetos básicos que não apresentem todos os elementos do art. 6º, inc. IX da Lei nº 8.666/1993, devendo constar do processo de contratação as razões que impossibilitam a elaboração do projeto completo”. (TCU, Acordão nº 3.065/2012, Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo, DOU de 22.11.2012.)”7 (Destacamos.)

A avaliação sob essa perspectiva se coaduna com as disposições da Lei nº 13.655/18, que alterou a Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro:

“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa,serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para aadministração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)” (Destacamos.)

NOTAS E REFERÊNCIAS

1 Zênite Fácil. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Categoria Anotações, Lei nº 8.666/93, nota ao art. 24, IV.

2 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 338.

ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 101.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 10. ed., São Paulo: Dialética, 2004. p. 229.

Zênite Fácil. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Categoria Anotações, Lei nº 8.666/93, nota ao art. 24, IV.

Zênite Fácil. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Categoria Anotações, Lei nº 8.666/93, nota ao art. 24, IV.

7 “O TCU, ao apreciar representação acerca da contratação de obras por dispensa de licitação, determinou para a autarquia contratante: “1.6. que, mesmo em obras emergenciais, providencie projeto básico com todos os elementos do art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93, em obediência ao art. 7º, § 2º, inciso II, e 9º, da Lei nº 8.666/93, sob pena de aplicação do § 6º do mesmo artigo, ou seja, anulação dos atos” (Acórdão nº 1.644/2008, Plenário). Tendo em vista o teor da decisão, a referida autarquia apresentou pedido de reexame, alegando, principalmente, que não havia tempo hábil para elaborar projeto básico, conforme determinado pelo Tribunal e previsto na Lei nº 8.666/93, por se tratar de contratação de obras emergenciais. Citou, ainda, decisão do próprio TCU – Acórdão nº 395/2008, do Plenário – na qual sustentou-se que o projeto básico, nos casos de obra rodoviária de natureza emergencial ou de baixa complexidade executiva, pode ser constituído por planilha estimativa, devidamente fundamentada em relatório técnico. Diante dos argumentos trazidos pela parte recorrente, o Tribunal reconsiderou seu posicionamento, por meio do Acórdão nº 614/2010 – Plenário, para determinar a alteração do item 1.6. da decisão recorrida, fazendo constar: “1.6. que, mesmo em obras emergenciais, providencie projeto básico com todos os elementos do art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93, em obediência ao art. 7º, § 2º, inciso II, e 9º, da Lei nº 8.666/1993, sob pena anulação dos contratos com base no § 6º do mesmo artigo, ressalvando, para o caso de obras emergenciais de baixa complexidade executiva, em caráter excepcional, a possibilidade de substituição do projeto básico por planilha estimativa, desde que esta se encontre devidamente fundamentada em relatório técnico”. Apesar da alteração promovida pelo Tribunal, a autarquia responsável pelas contratações buscou esclarecimento da decisão sob o argumento de que a elaboração do projeto básico previamente ao início das obras emergenciais seria algo inconveniente e temerário, visto que nem sempre seria possível aguardar tal providência. Sustentou também que situações emergenciais poderiam acontecer mesmo em caso de obras que não se limitassem a uma menor complexidade, que foi a única situação excepcionada na nova redação do Acórdão nº 1644/2008 – Plenário, com a redação conferida pelo Acórdão nº 614/2010 – Plenário. O Relator, ao apreciar a nova manifestação da autarquia, reconheceu que, de fato: “várias situações emergenciais podem reclamar obras mais complexas, em que a prévia concepção do projeto básico não poderia ser exigida”. Diante disso, o Plenário do Tribunal, acompanhando o entendimento do Relator, decidiu determinar à autarquia federal “que, mesmo em obras emergenciais, providencie projeto básico com todos os elementos indicados no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93, em consonância com o disposto no art. 7º, § 2º, inciso II e § 9º da mesma Lei, sendo admissível, com a finalidade precípua de afastar risco de dano a pessoas ou aos patrimônios público e particular, que os primeiros serviços sejam iniciados ou executados previamente à conclusão do projeto básico; 1.6.1. em casos excepcionais e devidamente justificados, poderão ser utilizados projetos básicos que não apresentem todos os elementos do art. 6º, inc. IX da Lei nº 8.666/1993, devendo constar do processo de contratação as razões que impossibilitam a elaboração do projeto completo; 1.6.2. em atendimento ao inciso IV do art. 24 da Lei nº 8.666/1993, a contratação direta deve se restringir somente à parcela mínima necessária para afastar a concretização do dano ou a perda dos serviços executados, devendo a solução definitiva, conforme o caso, ser objeto de licitação formal, baseada em projeto básico que tenha todos os elementos do art. 6º, inc. IX da Lei nº 8.666/1993”. Em resumo, para o TCU: (1) é possível, com a finalidade exclusiva de afastar risco de dano a pessoa ou a bens públicos e particulares, que as obras sejam iniciadas ou executadas antes da conclusão do projeto básico; (2) poderão ser utilizados projetos básicos que não contenham todos os elementos do art. 6º, inc. IX, da Lei nº 8.666/93 em casos excepcionais e devidamente justificados e desde que constem do processo as razões que impossibilitaram a elaboração do projeto completo. (TCU, Acórdão nº 943/2011, Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo, DOU de 20.04.2011.)

 

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ZÊNITE, Equipe Técnica. Estatais: dispensa emergencial e formalização posterior do processo e do contrato. Blog Zênite. 05 ago. 2025. Disponível em: https://zenite.blog.br/estatais-dispensa-emergencial-e-formalizacao-posterior-do-processo-e-do-contrato/. Acesso em: dd mmm. aaaa.

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