Lei nº 14.133/21 e “jornal diário de grande circulação”: pode ser eletrônico?

Nova Lei de Licitações

Quando da edição da Lei nº 8.666/1993, que determinou inicialmente, no seu art. 21, a publicação de aviso de licitações em jornal de grande circulação, somente o jornal físico poderia atender a tal exigência legal, haja vista a inexistência, à época, de jornais eletrônicos.

Por conta do cenário vivenciado por várias décadas, onde havia-se tão-somente jornal físico, construiu-se o entendimento de que, a grande circulação seria medida com base na tiragem, somada à efetiva circulação e disponibilidade.

O STJ – Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 41969-7/DF, rel. Min. Costa Leite, se posicionou exatamente nesse sentido: “A quantificação da circulação de um jornal, para definir se ela é grande, média ou pequena, repousa, em princípio, em um dado numérico, que é a sua tiragem, o número de exemplares impressos a cada dia, algo distinto da perenidade ou longevidade do diário, de serem seus leitores assinantes ou adquirentes avulsos do periódico, e mesmo do seu público-alvo situar-se ou não no meio empresarial, dados incapazes, por si sós, de autorizar seja um órgão da imprensa qualificado como de grande circulação.” (destacamos)

A diretriz existente por muitos anos voltava-se apenas para jornais impressos, portanto.

No entanto, não se pode desconsiderar a evolução tecnológica vivenciada no País nos últimos anos, a qual, inclusive, já era sinalizada por Marçal Justen Filho ao indicar que, com o tempo, a publicação em jornal de grande circulação seria objeto de substituição pela divulgação eletrônica: “O conceito de ‘grande circulação’ é avaliado em vista do número de exemplares da edição física do jornal. Essa é uma característica que tende a ser superada em vista da evolução tecnológica. A generalidade dos jornais apresenta versões físicas e digitais e a circunstâncias tendem a eliminar a relevância daquelas primeiras. O grande problema é que, na versão digital, os avisos de licitação são de visualização mais difícil. Portanto, pode-se estimar que a alteração das características da vida social conduzirá, num momento futuro, à eliminação da exigência da publicação do aviso em jornais comuns. Será muito mais eficiente a divulgação dos avisos de licitação em sítios eletrônicos especializados, que permitem aos possíveis interessados o conhecimento muito mais preciso quanto à existência de licitações.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 2. ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016. 14, 1 Mb; PDF – 2. edição e-book baseada na 17 ed. impressa. Destacamos.)

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A nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021 se insere nesse cenário de evolução tecnológica. E é sob essa perspectiva que o dispositivo que determina a publicação em jornal diário de grande circulação havia sido objeto de veto quando da sanção presidencial da referida lei, pelos seguintes fundamentos:

A determinação de publicação em jornal de grande circulação contraria o interesse público por ser uma medida desnecessária e antieconômica, tendo em vista que a divulgação em ‘sítio eletrônico oficial’ atende ao princípio constitucional da publicidade. Além disso, tem-se que o princípio da publicidade, disposto no art. 37, caput da Constituição da República, já seria devidamente observado com a previsão contida no caput do art. 54, que prevê a divulgação dos instrumentos de contratação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), o qual passará a centralizar a publicidade dos atos relativos às contratações públicas.

No entanto, como é sabido, o Congresso derrubou esse veto, retomando a obrigatoriedade de os entes publicarem o extrato no Diário Oficial e em jornal diário de grande circulação.

Aliás, sem qualquer margem de dúvida, um grande retrocesso. Perdeu-se a oportunidade de corrigir esse notório equívoco.

A questão é que, para a Zênite, embora haja a obrigatoriedade de divulgar o aviso de licitação em jornal de grande circulação, por força do disposto no art. 54, § 1º da Lei nº 14.1333, o conceito de jornal de grande circulação não está atrelado unicamente ao formato físico da mídia, vale dizer, impresso, sendo plenamente aceitável para o atendimento da norma a publicação em jornal eletrônico, desde que a divulgação seja de grande alcance e possibilite o amplo acesso pelos interessados, de modo a não violar o caráter competitivo da licitação.

Aliás, esse já era o entendimento da Zênite em análise do tema no regime da Lei nº 8.666/93 (ILC 600/268/JUN/2016).

Dentro desse propósito, não pode ser ignorada a opção do legislador da Lei nº 14.133/21 em privilegiar, de maneira muito clara, o uso de recursos da tecnologia como instrumentos de divulgação oficial acerca da realização de licitações públicas. Tanto é assim que um dos veículos de publicação obrigatória é justamente o PNCP, concebido como um sítio eletrônico dirigido a promover a divulgação dos atos praticados na aplicação da Lei nº 14.133/2021 (art. 174 e seguintes). Some-se a isso que boa parte dos Diários Oficiais mencionados no art. 54, § 1º, nos quais também é obrigatória a divulgação do aviso de licitação, igualmente não possuem versões físicas, mas apenas digitais.

Exemplo disso é o Diário Oficial da União. Confira a notícia:

Com a versão digital cada vez mais confiável e acessível ao público em geral, o DOU deixou de circular em meio impresso em 30 de novembro de 2017. Nesse mesmo ano, a publicação passou a ser disponibilizada, também, em dados abertos. A publicação do DOU é regida pelo Decreto nº 9.215, de 2018, sendo o periódico editado em três seções, as quais publicam: os atos normativos de interesse geral dos poderes da União (1); os atos relativos aos servidores da administração pública federal (2); e os atos decorrentes das contratações públicas e outros de particulares determinados pela legislação (3) (https://www.in.gov.br/en/web/dicionario-eletronico/-/diario-oficial-da-uniao)

A divulgação em jornal eletrônico é a tendência não apenas no âmbito das licitações e contratações públicas. Veja, como exemplo, que a Junta Comercial do Estado de Pernambuco (JUCEPE) editou a Resolução nº 01/2021 no seguinte sentido:

CONSIDERANDO, ainda, que nos últimos anos, por razões econômicas, ambientais, de inovação, de transformação digital ou de outra natureza, diversos jornais migraram para plataformas eletrônicas, com a consequente descontinuidade das suas versões em suporte físico (papel), inclusive o Diário Oficial da União, que passou a ser exclusivamente eletrônico e publicado no sítio eletrônico da Imprensa Nacional, em decorrência do Decreto nº 9.215/2017; (…) 1. No âmbito da competência desta JUCEPE, nos atos inerentes ao registro ou dele decorrentes, em conformidade com os precisos limites do mencionado artigo 32, inciso II, da Lei nº 8.934/94, as publicações determinadas pelos artigos 1.152, § 1 o4, da Lei n o 10.406/2002 (Código Civil), 2895 da Lei no 6.404/1976 e 386 da Lei nº 5.764/1971, poderão ser realizadas em jornais eletrônicos ou digitais, cujas edições sejam necessariamente diárias e disponibilizadas ao público em geral, através de plataformas eletrônicas organizadas e mantidas pela empresa jornalística, que possibilitem a eventual impressão pelo interessado, e desde que o jornal eletrônico ou digital contenha, cumulativamente, o nome, o número da edição e a data da publicação, bem como haja a indicação das páginas sequencialmente numeradas, em perfeita consonância com os respectivos Anexos IV (Manual de Registro de Sociedade Limitada), V (Manual de Registro de Sociedade Anônima) e VI (Manual de Registro de Cooperativa) da Instrução Normativa DREI nº 81/2020. (destacamos)

Portanto, em atenção à finalidade da norma, e eficácia pertinente, entende-se que o jornal diário de grande circulação a que alude o art. 54, § 1º, da Lei nº 14.133/21 não se restringe apenas aos periódicos físicos, abrangendo, também, aqueles exclusivamente eletrônicos, desde que de amplo acesso, disponibilizados ao público em geral.

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