A transferência de acervo técnico entre pessoas jurídicas não tem tratamento na legislação sobre licitações. E, por conta disso, a questão reveste-se de polêmica.
Entre os doutrinadores, Marçal Justen Filho manifestou-se pela impossibilidade de cessão de acervo técnico de engenharia entre pessoas jurídicas:
“29 Em conclusão, são nulas as cláusulas de cessão de acervo técnico de engenharia entre pessoas jurídicas. São impertinentes as disposições contratuais versando sobre transferência de tecnologia e assistência técnica. É juridicamente impossível estender a outras pessoas jurídicas autônomas a experiência obtida por uma determinada sociedade, sendo irrelevante a circunstância de integrarem todas um único conglomerado empresarial. Em face de tudo, formulo as respostas abaixo para os quesitos propostos.” (Destacamos)[1]
Acerca do tema, o TCU, recentemente, exarou o Acórdão nº 2.444/2012-Plenário, admitindo a possibilidade de transferência da capacidade técnico-operacional entre pessoas jurídicas.
Nessa oportunidade, essa Corte de Contas valeu-se dos conceitos de capacidade técnico-operacional de Marçal Justen Filho e Carlos Ari Sundfeld (transcritos no acórdão), para aduzir que:
“13. Observados os conceitos retrotranscritos, assiste razão ao recorrente quando argumenta a respeito da volatilidade da capacidade técnico-operacional de uma empresa, uma vez que essa somente subsistirá enquanto se fizerem presentes na pessoa jurídica em questão os recursos humanos e materiais que definiram seu modus operandi.
14. Essa convicção é realçada pela Resolução 1025/2009, do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – Confea, que dispôs em seu art. 48 e parágrafo único:
Art. 48. A capacidade técnico-profissional de uma pessoa jurídica é representada pelo conjunto dos acervos técnicos dos profissionais integrantes de seu quadro técnico.
Parágrafo único. A capacidade técnico-profissional de uma pessoa jurídica varia em função da alteração dos acervos técnicos dos profissionais integrantes de seu quadro técnico.
15. Seria lógico presumir-se, portanto, que se o aparato humano e material que suportava a capacidade técnico-operacional de uma empresa fosse transferido para outra empresa, essa segunda passaria, como via de consequência, a deter tal capacidade. A questão, no entanto, não comporta solução tão simples.” (Acórdão nº 2.444/2012-Plenário, TCU)
Contudo, a questão da transferência de acervo, conforme pontuado pela própria Corte de Contas federal, não é de simples desenlace.
Tendo em vista a complexidade estrutural das empresas, não é possível concluir que a simples transferência de recursos humanos ou materiais que concorriam para o sucesso de uma empresa ‘x’ ensejará o sucesso de uma empresa ‘y’. Por conta disso, os resultados da transferência de acervo realizada terão que ser analisados em cada caso concreto.
Na análise do caso submetido ao TCU, essa Corte avaliou, para fins de aceitação da transferência de acervo:
– a ocorrência de transferência do patrimônio tangível juntamente com parcelas do conjunto subjetivo de variáveis que concorreram para a formação da cultura organizacional da empresa ‘cedente’;
– a existência de tratamento expresso, no negócio jurídico que tenha formatado a operação reestruturante, quanto à divisão do acervo técnico da empresa;
– a existência de total compatibilidade entre os responsáveis técnicos que constam do acervos transferidos e o responsável técnico da empresa ‘cessionária’.
Assim, em que pese a polêmica acerca da questão, o TCU, no Acórdão nº 2.444/2012 admitiu, em tese, a transferência da capacidade técnico-operacional entre pessoas jurídicas, não somente na hipótese de transferência total de patrimônio e acervo técnico entre tais pessoas, mas também no caso da transferência parcial desses ativos.
Contudo, a comprovação da transferência de acervo deve ser verificada em cada caso concreto, cabendo à Administração avaliar se, à luz dos documentos apresentados, é possível comprovar a transferência da capacidade técnico-operacional pertinente ao objeto licitado.
[1] Parecer publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC) nº 79, de set/2000, p. 742.