Frequente surgem dúvidas sobre a submissão das entidades do “Sistemas S” à disciplina legal aplicada à Administração Pública quando da celebração de suas contratações. Sobre isso, recentemente, fui indagado se a vedação legal que impede o pagamento antecipado pela Administração Pública também deve ser observada pelas entidades do “Sistema S”.
De acordo com a Lei nº 4.320/64, o pagamento da despesa somente deve ocorrer após sua regular liquidação (arts. 62 e 63), procedimento no qual é verificado o cumprimento das parcelas a serem pagas.
A Lei nº 8.666/93, por sua vez, estabelece a necessidade de o instrumento convocatório, entre outras informações, estabelecer as condições de pagamento, prevendo “prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período do adimplemento de cada parcela” (art. 40, inc. XIV, alínea “a”). Para tanto, a Lei de Licitações considera adimplemento da obrigação contratual “a prestação do serviço, a realização da obra, a entrega do bem ou de parcela destes, bem como qualquer outro evento contratual a cuja ocorrência esteja vinculada à emissão de documento de cobrança” (art. 40, § 3º).
Daí se forma a regra segundo a qual a realização do pagamento apenas pode ocorrer depois do cumprimento da obrigação contratual.
Trata-se da incidência do princípio geral de Direito da exceção de contrato não cumprido – exceptio non adimpleti contractus, consagrado no art. 476 do atual Código Civil: “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.
Esse princípio geral de Direito deve ser observado pelas entidades do “Sistema S” quando da celebração de seus contratos. Como é sabido, essas entidades não integram a Administração Pública e, por essa razão, não devem observância às disposições legais que regulam a atuação do aparato administrativo, a exemplo da Lei de Licitações e da Lei nº 4.320/64, a qual “estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal”, mas apenas aos princípios aplicados à gestão dos recursos públicos.
Contudo, de acordo com precedente recente, a 2a Câmara do Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 2.888/2011, determinou à entidade do “Sistema S” que:
“se abstenha de realizar pagamentos antecipados a empresas contratadas sem que tenha havido a execução do objeto, nos termos art. 62 da Lei nº 4.320/1964 e do art. 38 do Decreto nº 93.872/1986, de forma a não expor indevidamente a entidade contratante aos riscos do inadimplemento contratual”. (TCU, Acórdão nº 2.888/2011, 2ª Câmara, Min. Rel. Raimundo Carreiro, DOU de 18.05.2011)
Assim, não me parece que seja a submissão ao art. 62 da Lei nº 4.320/64 e tão pouco ao art. 38 do Decreto nº 93.872/86 que veda às entidades do “Sistema S” efetuarem pagamento antecipado, mas o fato de serem entidades custeadas com dotações orçamentárias e contribuições parafiscais, cujo emprego exige a observância dos princípios gerais que informam o atuar da Administração Pública na utilização dos recursos públicos.
Sob esse influxo, concluo não ser propriamente a incidência da vedação legal aplicada à Administração Pública a razão que impede as entidades do “Sistema S” de efetuarem o pagamento antecipado em suas contratações, mas sim a necessidade de essas entidades observarem os princípios que incidem na gestão dos recursos públicos, a exemplo do princípio da indisponibilidade do interesse público e do princípio geral de Direito da exceção de contrato não cumprido – exceptio non adimpleti contractus, os quais se compatibilizam com a inteligência da aludida vedação.