Na hipótese de revogação de um dos lotes de licitação é possível reutilizar lote anteriormente revogado (repristinação)? Em caso positivo, quais as cautelas?

LicitaçãoPlanejamento

Essa questão apresentada à Equipe de Consultores Zênite:

“Em um pregão eletrônico, com diversos lotes, para prestação de determinado serviço de transporte, verificou-se, ainda na fase de acolhimento de propostas, que as condições da estrada que liga dois municípios estava intransitável devido à má conservação asfáltica. Por esse motivo, optou-se pela revogação do lote que abrangia a região. Em determinado momento, por motivos diversos, o referido pregão foi suspenso. Nesse tempo, a área técnica verificou que as condições da estrada alternavam-se conforme o período de chuva, o que abriu a possibilidade de utilização do trajeto em diversos meses do ano, permitindo a contratação do serviço de transporte. Tendo em vista que o processo ainda encontra-se suspenso na fase de acolhimento de propostas e que as condições da estrada permitem a contratação, questionamos: a) existe possibilidade de reativação do lote revogado? Ou seja, para que o lote não se perca, poderia haver a “revogação/anulação” do ato de revogação do lote? b) caso positivo, quais os procedimentos essenciais para evitar a ocorrência de vícios no processo que resultem na perda do pregão?”

ORIENTAÇÃO

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De acordo com o art. 49, da Lei nº 8.666/93, a “autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado” (grifamos).

Na mesma linha, a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal dispõe que “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial” (grifamos).

Como se pode perceber, a autoridade competente pode promover o desfazimento do certame mediante revogação quando, após o seu início, houver a superveniência de fatos que comprovadamente alterem interesse público em torno da solução eleita.1

Uma vez revogado o ato administrativo, opera-se a sua extinção e a cessação dos seus efeitos futuros, conforme se extrai das lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, sintetizadas da seguinte forma na obra LeiAnotada.com:

“(a) ‘A revogação tem lugar quando uma autoridade, no exercício de competência administrativa, conclui que um dado ato ou relação jurídica não atendem ao interesse público e por isso resolve eliminá-los a fim de prover de maneira mais satisfatória às conveniências administrativas‘; (b) ‘Pode-se conceituá-la do seguinte modo: revogação é a extinção de um ato administrativo ou de seus efeitos por outro ato administrativo, efetuada por razões de conveniência e oportunidade, respeitando-se os efeitos precedentes’; (c) ‘A revogação pode ser explícita ou implícita. É explícita quando a autoridade simplesmente declara revogado o ato anterior. É implícita quando, ao dispor sobre certa situação, emite um ato incompatível com o anterior. Em um e outro caso a revogação pode ser total ou parcial, conforme a amplitude com que afeta a situação precedente’; (d) ‘O agente que revoga tanto pode ser aquele que produziu o ato quanto autoridade superior no exercício do poder hierárquico’; (e) ‘O objetivo da revogação é um ato administrativo válido ou uma relação jurídica válida dele decorrente. Aí reside uma diferença capital entre a revogação e a invalidação’; (f) ‘a revogação não incide sobre fatos; incide sobre atos ou relações por eles constituídas’; (g) ‘ato jurídico é precisamente uma ‘fonte’, uma força ‘matriz’ de efeitos jurídicos, de consequências jurídicas. Ao se revogar atos abstratos o que se quer é eliminar esta fonte (portanto, o próprio ato), para impedir que possam gerar novos efeitos, porque os anteriores são respeitados e os futuros ainda não existem para serem atacados’; (h) ‘Normalmente, o fundamento do poder de revogar deflui da mesma regra de competência que habilitou o agente (ou o teria habilitado) à prática do ato anterior, que se vai revogar. Seu fundamento habitual, portanto, é a repetição do uso de uma competência sobre a mesma questão’;(i) ‘O motivo da revogação é a inconveniência ou inoportunidade do ato ou da situação gerada por ele. É o resultado de uma reapreciação sobre certa situação administrativa que conclui por sua inadequação ao interesse público’. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 452-457.)”2 (grifamos.)

Se a revogação tem como finalidade extirpar o ato administrativo, no intuito de que dele não se extraiam mais efeitos em decorrência da alteração do interesse público envolvido, então, a dúvida que surge é: poderia o ato de revogação ser revogado? Ou seja, poderia a autoridade competente reconhecer a superveniência de outros fatos que tenham alterado o interesse envolto na revogação e, nessa medida, providenciar a retomada dos efeitos do ato revogado?

Ao tratar do assunto, Diógenes Gasparini entende que, em regra, não é possível a revogação da revogação, salvo se o interesse público justificar essa medida:

O ato de revogação é um ato consumado, e como tal não existe mais. Desfez-se ao alcançar seu objetivo, revogando o ato administrativo que era seu objeto.

[…]

A revogação visa o desfazimento de uma situação, criada por certo ato administrativo, que se revelou inconveniente ou inoportuno. Uma situação que não se quer mais por contrária ao interesse público. É, uma vez decretada, a confirmação de que o ato administrativo por ela alcançado não mais satisfaz o interesse público. Sendo assim, não há que se falar em nova decretação, pois, se esta ocorrer, de duas uma: não havia interesse público na revogação ou não há interesse público na nova decretação, padecendo, pois, um ou outro desses atos do vício chamado desvio de finalidade. […] Não se deve, portanto, promover nova decretação, salvo se o dinamismo do interesse público justificar essa medida. Assim não seria se se tratasse de invalidação […].”3 (grifamos.)

Celso Antônio Bandeira de Mello manifesta-se favoravelmente à revogação da revogação, alertando para os seus efeitos, que não assumem caráter retroativo:

“[…] antes este efeito supressivo do ato revogador: quid juris se houver revogação do ato revogador? Isto é, se houver um terceiro provimento que elimina a supressão estabelecida pelo segundo ato? Neste caso há de entender-se que o único sentido do terceiro é reconstituir de direito o que resultou do primeiro. É dizer: está implícito nele o alcance de repristinar a situação original, embora, como é inerente à revogação, a partir da emissão do último ato, ou seja, sem efeito retroativo. Seu efeito é recriar o que estava extinto, a partir da última revogação.

Negar-lhe esta consequência corresponderia a considerar o ato um sem-sentido e contestar o que fora pretendido com sua emissão.”4 (grifamos.)

Seguindo este entendimento, em estudo específico sobre a revogação da revogação no caso de licitações públicas, Floriano de Azevedo Marques Neto explica:

“(…) é plenamente possível fazer revogar o ato revogador, o que em última instância tem o condão de dotar de eficácia o ato antes desfeito. No caso concreto, esta repristinação faria vigentes, doravante, os procedimentos licitatórios em apreço, os quais passariam a reunir condições plenas de prosseguimento, com o conseqüente perfazimento dos contratos respectivos.

(…)

Não mais presentes faticamente os motivos que ensejaram a revogação, mister que se  desfaça o ato revogador. Em uma palavra: se voltou a ser conveniente ao interesse público efetivar as obras de duplicação da rodovia, desaparecendo os motivos que desaconselhavam a contratação, emerge como ilegal fazê-lo com outros particulares que não os vencedores do certame adrede realizado.

(…)

De mais a mais, é cediço que a revogação só opera efeitos ‘ex nunc’. E só assim poderia ser, pois que o fundamento do ato revogador é a impropriedade de dotar de eficácia um certo ato e não a imprestabilidade jurídica deste ou, no caso da licitação, dos atos a ele precedentes. […]

Dito de outro modo, o fato de ser uma licitação revogada não acarreta a imprestabilidade dos atos havidos no procedimento. Fossem estes inquinados de ilegalidade ou vícios de qualquer ordem, estaríamos diante da anulação do procedimento e não diante de revogação. Há na verdade uma precedência da anulação frente à revogação, inclusive porque, na dicção legal, enquanto esta é uma faculdade (a autoridade ‘somente poderá revogar’ a outra é uma obrigação (‘a autoridade deverá anulá-la por ilegalidade’). Sendo assim, nada existe a impedir que sejam validados os atos havidos no procedimento, uma vez que eles se revestiram de plena legalidade e regularidade.”5 (grifamos.)

Das lições acima é possível depreender o cabimento da revogação do ato que revogou o lote da licitação deflagrada pela Administração no caso concreto.

Mas, por se tratar de licitação por lotes, que nada mais são do que diversas licitações independentes e autônomas reunidas em um mesmo procedimento, por força do princípio da eficiência que envolve também a otimização dos procedimentos de contratação, entende-se adequada a remarcação da data da abertura da sessão para todos os lotes em conjunto, garantindo o prazo mínimo de publicidade neste novo período.

Com a determinação de nova data para a sessão de abertura para todos os lotes, em que seja observado o prazo mínimo de publicidade, a Administração evita quaisquer questionamentos em torno de eventual restrição à competição em decorrência de possível desconhecimento em torno da retomada da licitação para todos os lotes e/ou do prazo exíguo para reunir a documentação necessária para participar.

Inclusive, nesse tocante, é de todo recomendável que a Administração promova ampla publicação do aviso de retomada do certame, valendo-se dos mesmos meios anteriormente empregados para a divulgação original do resumo do edital.

À luz do exposto, conclui-se:

Considerando que o ato de revogação tem como finalidade extirpar o ato administrativo no intuito de que dele não se extraiam mais efeitos em decorrência da alteração do interesse público envolvido, então, é possível defender que a autoridade competente reconheça a superveniência de outros fatos que tenham alterado o interesse envolto na revogação e, nessa medida, providencie a retomada dos efeitos do ato revogado.

Com isso, apresentadas as devidas justificativas, pode a Administração determinar a revogação do ato que revogou o lote da licitação mencionada.

Agora, por se tratar de licitação por lotes, entende-se recomendável a remarcação da data de abertura da sessão para todos os lotes em conjunto, garantindo o prazo mínimo de publicidade neste novo período. Inclusive, a fim de evitar quaisquer questionamentos sobre eventual restrição à competição, também é de todo recomendável que a Administração promova ampla publicação do aviso de retomada do certame, valendo-se dos mesmos meios anteriormente empregados para a divulgação original do resumo do edital.

Salvo melhor juízo, essa é a orientação da Zênite, de caráter opinativo e orientativo, elaborada de acordo com os subsídios fornecidos pela Consulente.

NOTAS E REFERÊNCIAS

1 “3295 – Contratação pública – Licitação – Revogação – Existência de fato superveniente – Necessidade de comprovação – TCE/RJ. Os atos revogatórios de licitações somente se legitimam quando embasados e acompanhados de documentação que comprovem as razões de interesse público originário de fatos supervenientes”. (TCE/RJ, Revista do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, n. 26, mar. 1994, p. 255.) (MENDES, Renato Geraldo. LeiAnotada.com. Lei nº 8.666/93, nota ao art. 49, categoria Tribunais de Contas. Disponível em: <www.leianotada.com>. Acesso em 05 out. 2016.)

MENDES, Renato Geraldo. LeiAnotada.com. Lei nº 8.666/93, nota ao art. 49, caput, categoria Doutrina. Disponível em: <http: www.leianotada.com>. Acesso em 08 out. 2016.

GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 102-103.

4 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 459.

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A repristinação de ato revogatório de licitações. In: Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), nº 116, out. 2003, p. 843.

Nota: Esse material foi originalmente publicado na Web Zênite Licitações e Contratos, na seção Orientações Zênite, que veicula periodicamente as dúvidas mais frequentes e polêmicas apreciadas e respondidas pela nossa área de Orientação. Acesse www.zenite.com.br e conheça essas e outras Soluções Zênite.

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