Medida Provisória nº 1.221/2024: contratações para enfrentamento de situação de calamidade pública

Nova Lei de Licitações

A Medida Provisória nº 1.221/2024 dispõe sobre medidas excepcionais para a aquisição de bens e a contratação de obras e de serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento de impactos decorrentes de estado de calamidade pública.

Trata-se de norma editada no exercício da competência prevista no art. 37, XXVII da Constituição Federal, que dispõe que compete à União, privativamente, legislar sobre “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III”.

A Medida Provisória contém regras relativas a licitações e contratações públicas destinadas ao enfrentamento de situação de calamidade pública. O fundamento e premissa para a edição da medida provisória são de que as Leis vigentes estabelecem requisitos técnicos, jurídicos e formais que não se ajustam à urgência de atendimento que certas necessidades públicas em tempo de eventos de graves proporções.

Em outros termos, a premissa é de que em certas ocasiões de crise, o tempo do processo da contratação pode produzir risco intolerável a elevados valores jurídico-constitucionais, como a vida, saúde, segurança, dignidade da pessoa humana, meio ambiente, entre outros.

Particularidades da medida provisória:

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1. Condições para a aplicação das medidas excepcionais

Para que possam ser utilizados os instrumentos jurídicos e as regras previstas na norma, é indispensável que sejam editados atos administrativos previamente. Os atos de que trata a medida provisória são os seguintes:

1.1) Primeiramente, é preciso que haja declaração ou reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Chefe do Poder Executivo de Estado, do Distrito Federal, ou do Poder Executivo Federal, nos termos do disposto na Lei nº 12.608/12. Consoante previsto na referida Lei, estado de calamidade pública é a “situação anormal provocada por desastre causadora de danos e prejuízos que implicam o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido, de tal forma que a situação somente pode ser superada com o auxílio dos demais entes da Federação”.

Diante de situação fática que se subsuma à noção jurídico-material de calamidade pública, deverá o Chefe de Poder Executivo editar o ato administrativo destinado ao seu reconhecimento. Tradicionalmente no Direito brasileiro este ato será um decreto executivo.

A Medida Provisória – MP não retira, e nem poderia, a competência do Chefe de Poder Executivo Municipal para editar decreto declarando situação de calamidade pública, para diversos efeitos jurídicos e materiais. Contudo, o regime extraordinário de contratações determinado pela MP somente poderá ser utilizado por municípios quando existente declaração de calamidade pública exarada por Chefe de Poder Executivo Estadual ou Federal.

Em outros termos, no caso de declaração de calamidade pública apenas por Chefe de Poder Executivo Municipal, não poderá ser utilizado o regime extraordinário de contratação.

1.2) Em segundo lugar, após a edição do ato declaratório da situação de calamidade pública, também é preciso, previamente à utilização do regime jurídico extraordinário, a edição de ato específico do Poder Executivo federal ou do Chefe do Poder Executivo do Estado ou do Distrito Federal, com a autorização para aplicação das medidas excepcionais e a indicação do prazo dessa autorização.

A Medida Provisória – MP é omissa no que tange à imprescindibilidade de edição deste ato específico autorizando a aplicação das medidas excepcionais. Defende-se, por força dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que os Município também possam utilizar as regras previstas na MP, e, assim, também deverá haver a edição de ato específico, por parte do Chefe do Poder Executivo Municipal, autorizando a aplicação das medidas excepcionais e fixando o prazo desta autorização.

O procedimento para a edição deste ato deverá ser objeto de regulamento a ser editado por cada ente federado (art. 1º, § 4º).

2. Limites objetivos para aplicação das regras previstas na MP

O tratamento jurídico extraordinário somente pode ser utilizado para enfrentamento das consequências decorrentes do estado de calamidade, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, de obras, de serviços, de equipamentos e de outros bens, públicos ou particulares.

É preciso a conjugação destes fatores: (i) urgência de atendimento da situação; (ii) efetivo risco de prejuízo ou comprometimento à continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, de obras, de serviços, de equipamentos e de outros bens, públicos ou particulares; e (iii) demonstração inequívoca de que a contratação sob regime extraordinário é medida eficaz para prevenir, eliminar ou mitigar tais riscos.

O motivo de uma contratação em regime de urgência, neste caso, são as causas que geraram a situação calamidade pública ou a situação de emergência. Serão legítimas todas as condutas contratuais extraordinárias que tenham relação comprovada, direta ou indireta (nos limites da razoabilidade e da proporcionalidade) com o fato gerador da calamidade pública ou situação de emergência. Ao reverso, uma contratação sob o argumento da urgência, que não tenha relação com o atendimento de uma necessidade direta ou indiretamente ligada à situação de calamidade pública ou emergência, será ilegítima e irregular. Por exemplo: sob o argumento da calamidade pública derivada das enchentes, realizar a reforma de gabinetes que não foram atingidos pelas águas.

3. Medidas licitatórias e contratuais extraordinárias

A Administração Pública está autorizada, sob o regime extraordinário, a:

3.1. dispensar a licitação para a aquisição de bens, a contratação de obras e de serviços, inclusive de engenharia

Não se trata de criação de uma nova hipótese de contratação direta por licitação dispensável, uma vez que a Lei nº 14.133/21 já prevê, no art. 74, VIII, que é dispensável a licitação “nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano.”

A hipótese de incidência ou fato gerador da autorização para contratação direta é o mesmo, qual seja, o caso de calamidade pública. Contudo, à toda vista a Medida Provisória aperfeiçoa o instrumento jurídico, tornando-o mais célere e simplificado.

Para a dispensa de licitação, a norma estabelece os seguintes requisitos, cumulativos:

(i) ocorrência de estado de calamidade: deve ser precedida de ato declaratório (decreto) de calamidade pública, exarado pelo Chefe de Poder Executivo Estadual, Distrital ou Federal, bem como de ato administrativo autorizando a aplicação do regime extraordinário, e fixando o prazo de sua utilização;

(ii) necessidade de pronto atendimento da situação de calamidade pública: é preciso justificativa suficiente apontando que a necessidade pública, para ser satisfeita, não pode aguardar a tramitação de regular processo licitatório, sem prejuízo ou gravame para o interesse público;

(iii) risco iminente e gravoso à segurança de pessoas, de obras, de prestação de serviços, de equipamentos e de outros bens, públicos ou particulares: é preciso que a motivação da contratação direta aponte, de modo suficiente e adequado, quais os riscos imediatos ou potenciais se pretende prevenir, mitigar ou evitar com a contratação direta;

(iv) limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de calamidade: o objeto contratual deve se limitar ao afastamento dos riscos. Afastados os riscos, devem ser realizados processos licitatórios para a completa satisfação da necessidade pública, em razão de proporcionalidade e de razoabilidade.

3.2. simplificar a etapa preparatória da contratação

Os requisitos e formalidades da etapa preparatória da contratação podem ser substancialmente simplificados, de modo a assegurar a eficácia e celeridade das contratações necessárias. Para tanto:

(i) será dispensada a elaboração de estudos técnicos preliminares, quando se tratar de aquisição e contratação de obras e serviços comuns, inclusive de engenharia: não está dispensada, em regra, a elaboração de estudos técnico preliminares no caso de contratação de bens e serviços especiais, bem como de obras e serviços especiais de engenharia. As cautelas de planejamento preliminares serão apenas aquelas indispensáveis para identificar com precisão a necessidade contratual a ser atendida, e a solução mais adequada disponível no mercado, nos limites da urgência;

(ii)  o gerenciamento de riscos da contratação será exigível somente durante a gestão do contrato: o processo de identificação, avaliação (probabilidade e impacto) e tratamento dos riscos a que está sujeita a contratação pode ser postergado. Contudo, uma vez celebrada a contratação, a depender das características concretas, é exigível a realização do processo de gestão de riscos, objetivando prevenir, mitigar ou eliminar aqueles que possam comprometer o sucesso da execução contratual;

(iii) será admitida a apresentação simplificada de termo de referência, de anteprojeto ou de projeto básico: os documentos de caracterizam o objeto da contratação, essenciais para a definição dos encargos contratuais, também podem ser elaborados de modo simplificado, contudo, no  mínimo, deverão conter: I – a declaração do objeto; II – a fundamentação simplificada da contratação; III – a descrição resumida da solução apresentada; IV – os requisitos da contratação; V – os critérios de medição e de pagamento;

(iv) o orçamento estimativo pode ser também bastante simplificado. A Administração Pública está desobrigada de adotar os parâmetros de formação de preços previstos no art. 23 da Lei nº 14.133/21. A estimativa de preços será obtida por meio de, no mínimo, um dos seguintes parâmetros: a) composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente nos sistemas oficiais de Governo; b) contratações similares feitas pela administração pública; c) utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo; d) pesquisa realizada com os potenciais fornecedores; ou e) pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas. Basta a utilização de um dos parâmetros. Evidente que, se a urgência de atendimento comportar, é recomendável uma pesquisa de preços mais ampla, de modo a evitar a ocorrência de sobrepreço ou de superfaturamento. A contratação de urgência não autoriza, em regra, contratações por valores acima dos praticados no mercado em que se insere o objeto do contrato.

Nos termos da norma, o custo global de referência de obras e serviços de engenharia será obtido preferencialmente a partir das composições dos custos unitários menores ou iguais à média de seus correspondentes custos unitários de referência do Sistema de Custos Referenciais de Obras – Sicro, para serviços e obras de infraestrutura de transportes, ou do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices de Construção Civil – Sinapi, para as demais obras e serviços de engenharia.

(v) adequação orçamentária: a exigência de previsão orçamentária para dar suporte às contratações públicas é de natureza legal e constitucional. Com lastro nos orçamentos estimativos, será apontada a fonte de recursos orçamentários destinados à realização da despesa.

3.3. Contratar por preços superiores àqueles decorrentes do orçamento estimativo elaborado

Em épocas de graves crises como, por exemplo, aquela enfrentada quando da pandemia de Covid-19, não é incomum que se encontre um preço de referência, a partir de ampla pesquisa de mercado, mas que, no momento da aquisição, não exista agente econômico disposto a praticar preços similares aos estimados pela Administração Pública. Certos produtos e serviços podem sofrer fortes oscilações em pequeno espaço de tempo, por força das relações econômicas de mercado (escassez superveniente de produtos, aumento de preços por força de aumento expressivo de demanda, falta de insumos, entre outros).

A Administração Pública está autorizada a contratar bens, serviços ou obras pelo preço efetivamente praticado no mercado em que se insere o objeto do contrato, ainda que superior ao orçamento estimado elaborado na etapa preparatória. Esta contratação demanda justificativa adequada e suficiente, com demonstração efetiva da realidade do mercado.

Caso se encontre diante desta realidade de mercado, a Administração poderá realizar a contratação, mediante:

I – negociação prévia com os demais fornecedores, segundo a ordem de classificação, para obtenção de condições mais vantajosas; e

II – fundamentação, nos autos do processo administrativo da contratação correspondente, da variação de preços praticados no mercado por motivo superveniente

3.4. Reduzir ou afastar a exigência de requisitos de habilitação

Como regra geral, mesmo em caso de contratações de urgência, a Administração deve exigir os requisitos de habilitação legalmente previstos para efetivar o contrato.

Contudo, é de se supor que pode haver casos em que a quantidade de agentes econômicos detentores da documentação necessária para a prova de habilitação seja insuficiente, ou, que não existam fornecedores ou prestadores, para certo objeto contratual, que atendam ditos requisitos de habilitação previstos em Lei.

Deve haver um esforço administrativo para localizar, dentre os agentes econômicos existentes e disponíveis, aqueles que detenham as condições de habilitação de que trata a Lei nº 14.133/21.

Porém, na hipótese de haver restrição de fornecedores ou de prestadores de serviço, a autoridade competente, excepcionalmente e mediante justificativa, poderá dispensar a apresentação de documentação relativa às regularidades fiscal e econômico-financeira, e delimitar os requisitos de habilitação jurídica e técnica ao estritamente necessário à execução do objeto contratual adequada.

3.5. Realizar registro de preços pelo regime diferenciado

A norma prevê disposições diferentes e inovadoras em relação àquelas previstas na Lei nº 14.133/21 no que tange ao sistema de registro de preços. São as seguintes:

a) o registro de preços pode ser precedido de processo de contratação direta, por licitação dispensável em razão do estado de calamidade pública, para a eventual e futura contratação de obras e serviços de engenharia. Este registro de preços poderá ser realizado por apenas um órgão ou entidade. Devem ser observados os requisitos previstos no art. 85 da Lei nº 14.133/21;

b) quando o objeto do registro estiver vinculado ao enfrentamento da situação de calamidade pública, órgãos e entidades federais podem aderir a atas de registro de preços gerenciadas por órgãos ou entidades estaduais, distritais ou municipais atingidos;

c) quando o objeto do registro estiver vinculado ao enfrentamento da situação de calamidade pública, órgãos e entidades estaduais podem aderir a atas de registro de preços gerenciadas por órgãos ou entidades municipais atingidas;

d) o quantitativo máximo decorrente de adesões não pode exceder, na totalidade, a 5 (cinco) vezes o quantitativo de cada item registrado, independentemente do número de adesões.

3.6. Adotar regime diferenciado de gestão de contratos

O regime diferenciado de gestão de contratos estabelece que:

a) as informações sobre as contratações realizadas com base na MP serão disponibilizadas no Portal Nacional de Contratações Públicas, no prazo de 60 dias, contados da data da contratação. Deverá ser indicado expressamente que a contratação ocorreu com fundamento na medida provisória;

b) no caso de existir apenas um fornecedor ou prestador para o objeto pretendido e indispensável, é possível a contratação, ainda que esteja cumprindo sanção que o impeça de participar de licitações ou ser contratado pelo Poder Público (impedimento, suspensão ou declaração de inidoneidade). Neste caso é obrigatória a exigência de garantia de até 10% sobre o valor do contrato, pelas formas previstas na Lei nº 14.133/21;

c) o contrato pode conter cláusula prevendo a obrigação de o contratado aceitar acréscimos ou supressões ao objeto em até 50% do valor inicial atualizado do contrato;

d) o prazo de duração dos contratos celebrados com base na MP será de até 1 (um) ano, prorrogável por igual período, enquanto perdurar a situação de calamidade pública, desde que as condições e preços permaneçam vantajosos;

e) somente podem ser contratados obras e serviços de engenharia que possam ser concluídos no prazo máximo de 3 anos;

f) os contratos administrativos, qualquer seja o seu objeto, que estejam em execução na data da edição do ato que autorizar a adoção do regime diferenciado e extraordinário da medida provisória poderão ser alterados: (i) mediante justificativa: evidenciando que o produto da alteração contratual é indispensável para o atendimento da situação de calamidade pública; (ii) em valores superiores aos limites previstos no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993, e no art. 125 da Lei nº 14.133, de 2021, limitado o acréscimo a cem por cento do valor inicialmente pactuado; e (iii) desde que haja a anuência do contratado – vedada, assim, a alteração unilateral nestas condições.

Acompanhe também novidades sobre licitações e contratos pelo instagram @joseanacleto.abduch.

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