Estatal: inexecução e rescisão do contrato e a aplicação de multa cumulada com perdas e danos

Estatais

Questão apresentada à Equipe de Consultoria Zênite:

“A Estatal Consulente rescindiu de pleno direito um contrato com particular, por inexecução contratual, aplicando-lhe penalidade de multa pela inexecução contratual e multa de rescisão. A par disso, a Estatal pretende se ver ressarcida dos prejuízos oriundos dessa rescisão, por meio de ação de perdas e danos, haja vista que, além de ter sido necessário contratar novo particular por um preço superior, a quebra do contrato acarretou prejuízos diários. É viável esta ação judicial, considerando a aplicação das multas administrativas? Seria considerado bis in idem a cobrança?”

DIRETO AO PONTO

Considerando a finalidade da multa compensatória exigida pela Administração, a sua cumulação com a cobrança de perdas e danos somente será possível diante da efetiva existência e comprovação de indenização suplementar.

Recomenda-se especial cautela no caso concreto diante da informação de que já houve no caso a aplicação de penalidade de multa pela inexecução contratual e multa de rescisão, fato que por si só pode configurar eventual bis in idem.

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Salvo melhor juízo, essa é a orientação da Zênite, de caráter opinativo e orientativo, elaborada de acordo com os subsídios fornecidos pela Consulente.

FUNDAMENTAÇÃO

O primeiro aspecto a ser tratado abrange os efeitos contratuais provocados pelo descumprimento das obrigações assumidas pelo contratado. Nesse tocante, a Lei 13.303/2016 não estabeleceu limites precisos que devem ser observados quando da definição das cláusulas penais que previu (cláusula penal moratória – art. 82; e cláusula penal compensatória – art. 83, II). Essa omissão envolve, inclusive, o estabelecimento de parâmetros concretos para os casos de inexecução total ou parcial das obrigações contratadas que geram a incidência da multa, que passou alheia ao legislador.

A superação dessa omissão normativa deve ser obtida a partir da aplicação dos vetores estabelecidos pela teoria geral das obrigações e contratos que, no âmbito privado, disciplina e limita os contratos em geral. Vale salientar que o art. 68 da Lei nº 13.303/2016 prevê expressamente que os contratos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas, pelo disposto nesta Lei e pelos preceitos de direito privado”.

Nesse sentido, é importante dizer que o Código Civil brasileiro prevê que “incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora” (art. 408). Em outra passagem, acrescenta que “para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo” (art. 416).

Ao assim disciplinar a questão, a teoria geral das obrigações consagra o caráter de pena convencional que é marcante na cláusula penal, seja ela de natureza moratória ou compensatória. Isso significa que as multas constituem uma antevisão dos prejuízos provocados pela inexecução contratual, consensualmente estabelecida e aceita pelas partes, razão pela qual a sua exigência depende apenas da verificação efetiva do descumprimento contratual, sendo irrelevante e desnecessária qualquer demonstração de prejuízo/dano.

A jurisprudência do TJ/SP, citada como referência, aplica os normativos citados:

BEM MÓVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – INFRAÇÃO CONTRATUAL – CONTRATO REGIDO PELO DIREITO PRIVADO – MULTA COMPENSATÓRIA – PREVISÃO CONTRATUAL – EXISTÊNCIA – ADMISSIBILIDADE – DESNECESSIDADE DE SE PROVAR O PREJUÍZO – ARTIGO 927 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ATUAL ART. 416 DO CC/2002) – SENTENÇA MANTIDA Apelação ímpronda. (TJ/SP, CR 994821001 SP, Publicação: 13/10/2008).

O segundo vértice, por sua vez, abrange a compensação dos prejuízos provocados pela inexecução das obrigações contratuais.

Quanto a isso, deve-se afirmar que todo aquele que descumpre obrigações validamente avençadas possui o dever de reparar os danos daí provenientes (Código Civil, art. 389).

Logo, se a inexecução do contratado foi a causa adequada de danos/prejuízos suportados pela Administração, deveria o particular por eles responder.

Mas o fato de existir uma cláusula penal compensatória desafia esse entendimento a ponto de instituir uma relativa polêmica acerca da possibilidade, ou não, de exigir o pagamento de indenização suplementar quando é feita a cobrança da multa compensatória.

É que, nos termos do art. 416, parágrafo único, do Código Civil,

Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente. (Destacamos.)

A cobrança da cláusula penal compensatória, portanto, constitui um benefício em favor do credor que deverá optar ou pela sua exigência ou, então, deixar de exigi-la e requisitar o pagamento da totalidade da indenização. Somente se o contrato contiver cláusula autorizando a cobrança conjunta da multa compensatória e das indenizações complementares, é que tal procedimento poderá ser realizado, servindo a multa como “princípio de indenização”.

Sobre o assunto, veja-se o teor de Síntese Temática veiculada na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC) nº 233, jul/2013, p. 752 cujo raciocínio, embora parta da análise da Lei nº 8.666/93, aplica-se ao caso concreto:

MELHORES PRÁTICAS SOBRE MULTA MORATÓRIA E MULTA COMPENSATÓRIA NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

A partir do disposto nos arts. 86 e 87 da Lei nº 8.666/93, a Equipe Técnica da Zênite firma as seguintes conclusões:

(…).

A multa compensatória incide quando restar caracterizado o inadimplemento absoluto da obrigação assumida pelo contratado, ou seja, quando a inexecução decorrente de culpa do contratado tornar imprestável a execução do ajuste para a Administração. Nesse caso, a perda do interesse da Administração credora promoverá a liberação do contratado pela rescisão contratual seguida da execução da multa compensatória prevista no contrato.

(…).

A aplicação tanto da multa moratória quanto da multa compensatória exige previsão expressa no edital e/ou termo de contrato, a qual estabeleça a natureza da sanção (moratória ou compensatória), os percentuais e a base de cálculo.

Não há a fixação legal de percentuais para multa moratória ou compensatória, devendo a Administração, na fase do planejamento da contratação, estabelecer esses critérios com base na praxe dos contratos e orientada com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Usualmente, verifica-se a adoção de percentuais entre 0,02% e 0,5% sobre o valor da parcela inadimplida, por dia de atraso, no caso de multa moratória e, para multa compensatória, a fixação de percentuais entre 10% e 30% sobre o valor do contrato.

(…).

A multa compensatória caracteriza a prefixação de indenização por perdas e danos, sendo seu objetivo “compensar” a Administração pelos prejuízos experimentados em razão de descumprimento de obrigação contratual. Por conta disso, uma vez estabelecida no contrato a multa compensatória, mostra-se também necessário fazer constar cláusula que autorize a cobrança de valor excedente se os prejuízos superarem o valor da multa. Nessa hipótese, com base no parágrafo único do art. 416 do Código Civil, a multa estipulada servirá como valor mínimo de indenização, devendo a Administração comprovar o prejuízo excedente.

Por se tratar da imposição de sanção ao particular, a aplicação de multas moratória e compensatória deve ser precedida de prévio procedimento administrativo no qual se assegure ao contratado o direito à ampla defesa e ao contraditório. (Destacamos.)

Diante disso, a Administração deve avaliar se, comprovadamente, há dano excedente ao valor da multa aplicada e recolhida pelo contratado e, sendo o caso, se há cláusula contratual que admita a cobrança de valores que extrapolem a pena pecuniária determinada.

Inexistindo danos excedentes ao valor da multa e/ou cláusula contratual que autorize a cobrança de valores que excedam a multa imputada ao contratado, restará afastada a possibilidade de exigir a execução da garantia.

Afinal, nesse contexto, em que o contratado procedeu ao pagamento da multa fixada pela Administração, não há que se falar em danos a serem compensados pela garantia contratual.

No caso concreto, em que pese o contrato firmado preveja a possibilidade cobrança de indenização suplementar, recomenda-se especial cautela à Consulente. Isso porque, conforme destacado pela Estatal Consulente, já houve no caso a aplicação de “penalidade de multa pela inexecução contratual e multa de rescisão”, fato que por si só pode configurar eventual bis in idem.

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