Quem assina o instrumento convocatório?

Nova Lei de Licitações

O instrumento convocatório ou edital da licitação é o documento que concentra todas as regras destinadas a regular o processo licitatório e o processo da contratação pública.

O art. 41 da Lei nº 8.666/93 preceitua que “a Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada”. Tanto a Lei nº 8666/93 como a Lei nº 14.133/21 preveem expressamente o princípio da vinculação ao instrumento convocatório ou vinculação ao edital (respectivamente art. 3º e art. 5º).

O princípio da vinculação ao instrumento convocatório ou edital preceitua que (i) a Administração Pública deve consolidar as regras de regência do processo da contratação pública em um único documento denominado edital da licitação ou instrumento convocatório; e (ii) ao editar esta regra, estará imediatamente submetida a ela, devendo assegurar o seu integral cumprimento pelos licitantes e contratados, que a ela também devem respeito.

Conclusão direta e imediata, decorrente do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, e das regras expressas previstas na legislação de regência das licitações, é que o edital do certame tem natureza jurídica de ato administrativo normativo, destinado a regular as relações jurídicas vocacionadas à contratação pública.

O conteúdo normativo do instrumento convocatório é evidente, e consubstanciado nas regras da disputa licitatória, nas regras relativas à formação e execução do contrato, na previsão dos tipos infracionais específicos e nas sanções correspondentes para o cometimento de infração, nas regras de conduta dos agentes públicos, na exigência de cumprimento de outras normas que guardem relação com a licitação ou com o futuro contrato, e nas regras de conduta exigíveis de licitantes e contratados.

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A norma contida no art. 25 da Lei nº 14.133/21 reforça a tese de que o instrumento convocatório tem natureza jurídica de ato administrativo normativo, composto por regras: “o edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento”.

Trata-se de instrumento destinado à regulação de uma certa, determinada e específica relação jurídica licitatória e contratual, o que, contudo, não lhe retira a natureza jurídica de ato administrativo normativo.

Por fim, sabe-se que uma norma jurídica se evidencia por conter preceito e sanção. O instrumento convocatório contém preceitos e sanções para o descumprimento de seus preceitos – características, portanto, de uma norma jurídica.

 

Norma Jurídica e competência

Como expressado por Diogenes Gasparini “o ato administrativo não surge sponte sua. Deve ter um editor. Esse é o agente público. Isso, no entanto, não é tudo, pois o agente público há de ser competente, isto é, ser dotado de força legal para produzir esse ato”[1]. Competência é, por assim dizer, o conjunto de atribuições que a Lei ou a Constituição designam para um certo agente público.

A competência do agente público para edita-los é requisito de validade dos atos administrativos.

A norma contida no § 1º do art. 40 da Lei nº 8666/93 estabelece que “o original do edital deverá ser datado, rubricado em todas as folhas e assinado pela autoridade que o expedir, permanecendo no processo de licitação, e dele extraindo-se cópias integrais ou resumidas, para sua divulgação e fornecimento aos interessados”. A Lei faz referência à “autoridade” que expedir o edital. Esta autoridade será aquela que detenha competência para tanto.

Está competência está definida também, de modo implícito na Lei nº 10.520/02, como se infere da norma contida no art. 3º: “a fase preparatória do pregão observará o seguinte: I – a autoridade competente justificará a necessidade de contratação e definirá o objeto do certame, as exigências de habilitação, os critérios de aceitação das propostas, as sanções por inadimplemento e as cláusulas do contrato, inclusive com fixação dos prazos para fornecimento”. Estas definições por parte da autoridade competente serão expressadas no instrumento convocatório, ao final da etapa preparatória, que passará a ter função normativa.

Autoridade competente, para os fins da lei do pregão será aquela responsável pelo órgão ou entidade promotores da licitação, ou, aquela responsável pela contratação. A esta autoridade compete as definições elencadas na Lei, o que fará, repita-se, no instrumento convocatório.

Autoridade, nos termos do disposto no art. 6º, VI da Lei nº 14.133/21 é o “agente público dotado de poder de decisão”. Neste caso específico relacionado à competência para editar o instrumento convocatório, é o agente público dotado de poder adotar as decisões necessárias para a administração e para a gestão administrativa, financeira e orçamentária da organização pública dentre as quais, a decisão sobre o conteúdo do instrumento convocatório.

Edição do instrumento convocatório não se confunde com elaboração material do documento. No processo do planejamento da contratação pública diversos agentes públicos podem contribuir para a definição do conteúdo do edital e dos seus anexos, elaborando materialmente o documento e redigindo suas cláusulas.

Contudo, a competência para a sua edição – ou assinatura – à falta de disposição legal e expressa, deve ser deduzida do sistema jurídico.

Parece inegável que, tanto a Lei nº 10.520/02, como a Lei nº 8666/93 fixaram a competência para a edição do instrumento convocatório para a autoridade responsável pela contratação – autoridade com poder decisório administrativo em geral, e em especial, sobre as regras do certame licitatório.

Conquanto não esteja tal competência expressamente fixada na Lei nº 14.133/21, é de se reputar que tal competência pertence à autoridade responsável pelo órgão ou entidade pública.

É que a autoridade legalmente responsável pelo órgão ou entidade detém, em caráter geral, a competência para editar normas destinadas à gestão ordinária da organização pública. No exercício desta competência genérica, editará o instrumento convocatório das licitações.

 

Indelegabilidade de competência para editar atos administrativos normativos

O Decreto-Lei nº 200/67 estabelece, no art. 11, que “a delegação de competência será utilizada como instrumento de descentralização administrativa, com o objetivo de assegurar maior rapidez e objetividade às decisões, situando-as na proximidade dos fatos, pessoas ou problemas a atender”.

Dispõe o referido Decreto, ainda, que é “facultado ao Presidente da República, aos Ministros de Estado e, em geral, às autoridades da Administração Federal delegar competência para a prática de atos administrativos, conforme se dispuser em regulamento” (art. 12). O ato de delegação indicará com precisão a autoridade delegante, a autoridade delegada e as atribuições objeto de delegação (art. 12, parágrafo único).

Conquanto seja o instrumento da delegação um efetivo instrumento de gestão, há limites para esta delegação.

O instrumento convocatório é um ato administrativo normativo, que deve ser assinado pela autoridade responsável pela contratação, ou pelo órgão ou entidade pública.

Este ato normativo não admite delegação, nos termos do disposto no art. 13 da Lei nº 9784/99: “não podem ser objeto de delegação: I – a edição de atos de caráter normativo”.

É indelegável, como regra, a competência para editar o instrumento convocatório das licitações.

 

A questão da competência dos ordenadores de despesa secundários ou derivados

Conquanto seja indelegável a competência para editar o instrumento convocatório, ato administrativo normativo que é, pode-se supor que, em um determinado órgão ou entidade, mais de uma autoridade a detenha.

A competência originária para editar o instrumento convocatório é da autoridade responsável pelo órgão ou entidade pública. No plano do Poder Executivo, o Chefe de Poder e os Ministros ou Secretários de Estado ou de Municípios.

Contudo, os ordenadores de despesas, secundários ou derivados, também detém competência para editar o instrumento convocatório, pois se inserem na noção de autoridade estabelecida no art. 6º, VI, da Lei nº 14.133/21.

Como disposto no § 1º do art. 80 do Decreto-Lei nº 200/67, “ordenador de despesas é toda e qualquer autoridade de cujos atos resultarem emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos da União ou pela qual esta responda”.

O ordenador de despesas pode ser originário ou secundário (derivado). Ordenadores de despesas originários são os Chefes de Poder, e aqueles para os quais a Lei atribua esta função (por exemplo, os Ministros de Estado ou os Secretários de Estado ou de Municípios no âmbito do Poder Executivo).

Os ordenadores de despesas secundários ou derivados também detém competência para emissão de empenho, autorização de pagamento, ou dispêndio de recursos do órgão ou entidade a que estão vinculados.

Perceba-se que, tanto o ordenador de despesas originário, como o ordenador de despesas secundário, são autoridades que praticam atos de gestão, e, de acordo com sua competência, são autoridades responsáveis na estrita acepção legal.

Os ordenadores de despesa secundários podem, de fato, ser responsáveis pela realização de despesas decorrentes de contratações públicas. Nesta medida, podem ser reputados, para alguns fins jurídicos, “autoridade responsável”.

Defende-se, então, que os ordenadores de despesas secundários ou derivados, por também enfeixarem poderes decisórios, podem editar instrumentos convocatórios.

Não se trata de delegação de poderes recebida do ordenador de despesas originário, mas de competência originária, decorrente de sua parcela de poder decisório no âmbito das contratações públicas.

Nesta medida, os ordenadores de despesas secundários ou derivados, em razão de sua qualidade de autoridade responsável pela gestão orçamentária e financeira do órgão ou entidade pública, compartilham com o ordenador de despesas originário, a competência para a edição do instrumento convocatório.

 

Pregoeiros, agentes de contratação ou presidente de comissão de licitações ou de contratação não detém competência para editar (assinar) instrumento convocatório

Autoridade é o agente público dotado de poder de decisão, como visto.

É certo que o pregoeiro, o agente de contratação, ou presidente de comissão de licitação detém parcela de poder decisório. Contudo esta parcela de poder decisório se circunscreve às decisões necessárias no curso do processo da licitação, e no cumprimento de ordem hierárquica emanada por autoridade superior e contida no instrumento convocatório.

Não se trata, este poder, de poder de gestão ou decisão sobre os rumos administrativos, financeiros ou orçamentários do órgão ou entidade. É poder de decisão que se limita à execução das normas contidas no instrumento convocatório, no curso do certame.

Esta parcela específica de poder decisório se dá em cumprimento das normas editadas pela autoridade responsável pelo órgão ou entidade no plano das contratações (ordenadores de despesa originários e ordenadores de despesas secundários ou derivados).

Ou seja, esta parcela limitada de poder decisório no processo da licitação, que é conferida para o pregoeiro, agente de contratação ou presidente de comissão, não os transmuda em autoridade responsável, para o fim de lhes atribuir competência para editar (assinar) instrumento convocatório.

 

Violação do princípio hierárquico no caso de assinatura do instrumento convocatório por pregoeiro, agente de contratação ou presidente de comissão

Um dos princípios a que está submetida a Administração Pública é o hierárquico. Como registra José dos Santos Carvalho Filho “do sistema hierárquico na Administração decorrem alguns efeitos específicos. O primeiro consiste no poder de comando de agentes superiores sobre outros hierarquicamente inferiores. Estes, a seu turno, tem dever de obediência par com aqueles, cabendo-lhes executar as tarefas em conformidade com as determinações superiores”[2].

No que tange às licitações e contratações públicas, a sua regulamentação é editada, por intermédio do instrumento convocatório, pela autoridade superior, e deverá ser cumprida, em homenagem à hierarquia, pelos agentes hierarquicamente inferiores na estrutura orgânica administrativa.

Subverte o princípio hierárquico, a edição de um ato administrativo normativo (edital) por um agente hierarquicamente inferior, para ser cumprido por uma autoridade que lhe é superior.

E, com efeito, o instrumento convocatório contém inúmeras regras de conduta destinadas à autoridade responsável pela licitação – como por exemplo, regras de adjudicação, homologação, recurso, apuração de responsabilidade e aplicação de sanções, entre outras.

Não é concebível, sob o prisma do princípio hierárquico, que esta autoridade superior tenha que se submeter a regras editadas em ato normativo por agente público que lhe é inferior hierarquicamente.

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[1] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p.62.

[2] Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 70.

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