A sociedade brasileira – assim como o resto do
mundo – enfrenta um enorme desafio. A pandemia do coronavírus trouxe com ela
uma verdadeira revolução social, que afeta muitas áreas, inclusive a das
contratações públicas.
Escassez de recursos, novas dinâmicas de
mercado, dificuldades logísticas e isolamento social passaram a exigir dos
agentes públicos condutas também inovadoras para dar conta da satisfação das
necessidades públicas e do cumprimento das missões que a Constituição conferiu
para o Poder Público.
À toda vista, com a finalidade de contribuir e
facilitar os processos de contratação pública neste conturbado período, foi
editada a Medida Provisória nº 961, que basicamente trata de 3 temas: pagamento
antecipado, novas possibilidades de uso do RDC, e novos limites de valores para
contratação direta.
São importantes inovações que podem contribuir
muito para a eficiência e para a eficácia da satisfação das necessidades
públicas.
O primeiro aspecto digno de nota, é que as normas
contidas na Medida Provisória, por terem sido editadas no exercício da
competência privativa da União para dispor sobre normas gerais sobre licitações
e contratos, valem também para Estados, Municípios, Distrito Federal, Poder
Judiciário, Poder Legislativo, Ministério Público, Tribunais de Contas,
empresas públicas e sociedades de economia mista. Ou seja, podem ser aplicadas
por todos os órgãos e entidades que integram a Administração Pública.
Outro aspecto preliminar relevante é que as
normas previstas na MP 961 podem ser
adotadas em relação a qualquer objeto de contratação, diversamente, por
exemplo, das normas previstas na Lei nº 13.979/2020, que só podem ser
utilizadas em contratações diretamente ligadas ao atendimento da situação de
emergência de saúde de importância internacional gerada pelo COVID-19.
O regime jurídico instituído pela MP 961,
destaque-se, é transitório. O art. 2º da nova norma estatui que o nela disposto
“aplica-se aos atos realizados durante o estado de calamidade reconhecido pelo
Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020”.
Ao final deste prazo, se não houver nova
disposição em contrário, objetivamente: retornam os limites de valor para
contratação direta previstos na Lei nº 8666/1993, desaparece a autorização
expressa para o pagamento antecipado, e o RDC volta a ter cabimento restrito às
hipóteses da Lei nº 12.462/2011.
Uma das inovações produzidas pela norma foi o
aumento dos limites de valor para a contratação direta. Com base na MP podem
ser contratados agora sem licitação obras e serviços de engenharia até o valor
de R$ 100.000,00 e outros serviços e compras até o valor de R$ 50.000,00. A
norma mantém a vedação ao fracionamento ilegal indicando os mesmos critérios
tradicionais já expressados na Lei nº 8666/1993 para evita-lo.
Foi autorizada a aplicação do Regime
Diferenciado de Contratações – RDC para licitações e contratações de quaisquer
obras, serviços, compras, alienações e locações. Esta autorização normativa
implica que a Administração Pública pode se valer da inversão de fases do
processo da licitação, do orçamento sigiloso, da contratação integrada, da
contratação semi-integrada, da pré-qualificação objetiva, e de outros
institutos jurídicos previstos no RDC.
Por fim, está autorizado o pagamento antecipado
expressamente. O pagamento antecipado não é, a rigor, uma novidade no plano das
contratações públicas. Contudo, não havia previsão legal expressa de seu
cabimento.
A MP 961 passa a prever que pode haver
pagamento antecipado, quando (i) represente condição indispensável para
obter o bem ou assegurar a prestação do serviço; ou (ii) propicie
significativa economia de recursos.
Não se trata, à evidência, de uma prerrogativa que pode ser utilizada de modo amplo e irrestrito. Os pagamentos antecipados devem constituir uma exceção justificada no processo da contratação. A regra geral que deve ser observada, é a de que o pagamento somente deve ocorrer após o recebimento definitivo do objeto, na forma da Lei nº 8.666/1993, ou dos regulamentos internos de licitações e contratos das empresas estatais.
De qualquer sorte, caso a situação de fato se enquadre nas possibilidades legais de pagamento antecipado, a Administração deverá (i) prever a antecipação de pagamento em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta; e (ii) exigir a devolução integral do valor antecipado na hipótese de inexecução do objeto.
No que diz respeito à gestão dos riscos, parece também evidente que as cautelas administrativas devem ser proporcionais ao risco.
Neste sentido, deve ser elaborada, em sede de planejamento, a devida e diferenciada gestão dos riscos da contratação com pagamento antecipado. Isto implica a identificação de todos os riscos envolvidos na antecipação do pagamento, de modo preciso e completo – para diminui-los ao máximo!
São, por exemplo, necessárias cautelas
especiais em relação à fixação dos requisitos de habilitação
econômico-financeira, para que a escolha do contratado recaia sobre empresa
economicamente viável.
No que diz com a execução contratual
propriamente dita, pode agora ser exigida garantia de até 30% do valor do
objeto contratado, e a norma sugere, ainda, para diminuir o risco de
inexecução, o “acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte,
por representante da Administração”. Pode ainda ser exigida a emissão de título
de crédito, por parte do contratado e no valor do contrato, a favor da
Administração Pública – embora se tenha que reconhecer uma certa inutilidade
desta prerrogativa normativa.
Por fim, é vedado o pagamento antecipado na
hipótese de prestação de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de
obra.
A MP 961 vem em boa hora, especialmente no que
diz com o pagamento antecipado, para conferir mais segurança jurídica para o
agente público encarregado da nobre missão de contratar o que for necessário
para satisfazer o interesse público.