Impactos do Covid-19 na execução dos contratos de obras de engenharia

Contratos AdministrativosObras e Serviços de Engenharia

A
crise gerada pela pandemia do “coronavírus” é uma realidade e, para além dos
desafios gerados para a saúde pública, projeta um clima de máxima incerteza
quanto ao seu real impacto nos setores produtivos e econômicos da sociedade.

Mas as presentes anotações não objetivam antevê-los ou, até mesmo, sugerir qualquer tipo de solução para evitá-los. Há limites muito claros que nos impedem de fazê-lo no presente, o que tornaria qualquer tentativa nesse sentido num mero exercício de pretensão demasiada.

Além disso, essa tarefa não poderia ser executada em virtude de uma característica peculiar da atual crise, a qual tem servido como um interessante laboratório de aprendizado para todos, senão uma lição importantíssima. Essa característica, por sua vez, refere-se ao intenso caráter “volátil” da crise, o que impede que se definam cenários minimamente estáveis para enfrentá-la. Aliás, o que a experiência nos demonstra é que as avaliações necessitam ser realizadas dia a dia, concomitantemente com o avanço dos fatos, e soluções, por sua vez, definidas a partir dessa realidade e suscetíveis de serem alteradas conforme ela se modificar.

O foco da presente reflexão envolve o impacto que essa característica da crise tem gerado na execução dos contratos de obras de engenharia.

Nesse ponto, alguns entes federativos expediram decretos e demais normas restringindo a liberdade dos cidadãos e o exercício de certas atividades empresariais.

Você também pode gostar

Por certo que, havendo nessas normas ordens impondo a paralisação da atividade da construção civil, sem qualquer tipo de ressalva quanto às obras públicas, estas também deverão ser paralisadas. Tratar-se-á, no caso, de cumprir a ordem jurídica, o que conceitualmente pode ser descrito como um “ato do príncipe” impeditivo da execução do contrato dentro dos parâmetros inicialmente estabelecidos.

Nesse cenário, dois ambientes necessitam ser avaliados com rigor.

O primeiro deles, demanda que se identifique com precisão quais são as atividades que estão abrangidas pela ordem de paralisação. A cautela consiste em verificar se a ordem é restrita ao canteiro de obras ou se envolve, também, as demais atividades administrativas necessárias para a boa gestão do empreendimento.

Caso a ordem não especifique seus limites e descreva, expressamente, que todas as atividades, integralmente consideradas, devem ser suspensas, defendemos a possibilidade de os contratados manterem em execução as atividades administrativas inerentes ao contrato. Essa medida, inclusive, pode ser aplicada com o propósito de evitar, tanto quanto possível, prejuízos ou outros danos que possam comprometer o adequado retorno das atividades quando da superação da crise. Até porque, a execução das obras pressupõe a obtenção de insumos, materiais, serviços em geral, entre outras atividades e fornecimentos. Logo, manter essa atividade em andamento pode viabilizar ao contratado que permaneça recebendo entregas em geral, ou até mesmo executado serviços subalternos que não se confundem com a execução do canteiro, facilitando a retomada da obra quando do momento oportuno.

A preocupação, nesse caso, é de a fiscalização do contrato exigir que o contratado adote todas as medidas recomendadas pelas autoridades de saúde para conservar o bom ambiente sanitário do local, anotando no livro diário de obra todas as recomendações e ações adotadas nesse sentido.

O segundo ambiente, por sua vez, envolve os casos em que não há norma local impondo a paralisação das atividades.

Aqui, cumpre à Administração, amparada nos dados estatísticos do avanço da pandemia no local da execução das obras, decidir se é conveniente e oportuno manter o contrato em atividade. Caso se verifique que a doença se alastra com rigor na região, ou há suspeita de que isso venha a ocorrer brevemente, haverá fundamento suficiente para determinar a paralisação da execução do contrato com base no art. 78, XIV, da Lei de Licitações. O motivo concreto determinante da suspensão das atividades não será outro senão o receio de proteger a saúde não apenas dos sujeitos diretamente envolvidos na execução da obra, mas, também, de toda a população local.

Naturalmente, tal procedimento pressuporá a edição de ato administrativo que descreva os acontecimentos, defina com clareza o motivo e, então, concretize a suspensão da execução do contrato pelo período que parecer razoável para a superação da pandemia, sem deixar de mencionar a possibilidade de a qualquer tempo a retomada dos serviços na hipótese de a crise sanitária ser superada.

Caso, todavia, o interesse seja em manter a execução das atividades, caberá à fiscalização do contrato, em estrita parceria com o contratado, definir os procedimentos que devem ser implementados ou incrementados no canteiro de obras para evitar o contágio pelo coronavírus. As medidas, por sua vez, não são outras senão aquelas comumente divulgadas pelas autoridades de saúde, tais como incrementar os cuidados com a limpeza, especialmente das mão, com o uso regular de sabão, disponibilização de álcool em gel, evitar aglomeração de funcionários (especialmente durante a realização das refeições, podendo esta ser dividida em “turnos”), afastamento de empregados que integram “grupos de riscos”, entre outras que se mostrarem oportunas.

A cautela não se exaure nesses procedimentos que, se por um lado são vitais para preservar a execução das atividades, de outro são insuficientes para conter eventuais eventos externos à contratação e que podem afetar decisivamente o cumprimento do seu cronograma físico-financeiro.

O cenário da crise é amplo e geral, não se limitando a esse ou aquele ambiente geográfico ou essa ou aquela atividade econômica. A propósito, as medidas de contenção adotadas chegam até mesmo a impor o shutdown de diversas áreas de produção.

Razoável supor que esses movimentos impactem na execução das obras que permaneçam em andamento. Ora, para se realizarem, as obras pressupõem o fornecimento de uma série de insumos, bens e a prestação de diversos serviços cujas cadeias produtivas podem ter sido duramente afetadas pela paralisação das atividades e, por conseguinte, impor restrições ao seu acesso.

Em outros termos, é plenamente possível que o contratado sofra com restrições no fornecimento de bens e serviços necessários para executar as obras, provocados justamente pelas medidas aplicadas para conter o avanço do COVID-19. Assim se passaria, por exemplo, com o fornecimento de porcelanato a ser aplicado em uma obra, que não poderá ser realizado porque a fábrica respectiva, à semelhança de várias outras, paralisou suas operações durante a pandemia, impondo uma escassez do produto no mercado.

Situações como essas necessitam ser vistas dentro do contexto da realidade vivida. Usualmente, o fracasso das relações havidas entre o contratado e seus fornecedores não o exime de cumprir os prazos fixados nos contratos de obras, podendo tal situação, inclusive, avançar para a constituição de mora e aplicação de multas. Tudo isso com base no conhecido argumento jurisprudencial de que os riscos inerentes à atividade produtiva do particular a ele pertencem (fortuito interno) não podendo ser oposto à Administração para eximi-lo da responsabilidade pelo descumprimento das obrigações contratuais.

Acontece que esse raciocínio parte de uma premissa muito clara, qual seja a situação de normalidade de mercado. Seguramente, se o mercado está a operar dentro dos seus padrões habituais, a frustração na entrega de um insumo não serve de excludente de responsabilidade para o particular que, diante disso, poderia ter buscado o insumo junto a outro fornecedor, por exemplo.  

Essa premissa, entretanto, em nada se relaciona com a situação vivida no presente. Abusando da repetição, porque relevante fazê-lo, não é demais informar que a crise é geral e irrestrita, fugindo do ambiente de normalidade. Aliás, a extraordinariedade e a anormalidade é que formam a tônica do presente. Carece ao contratado, portanto, qualquer culpabilidade, não podendo ser atribuída a uma ação ou omissão sua a frustração no cumprimento das metas contratuais. Sendo assim, não há “inadimplemento”, não podendo se atribuir qualquer sanção ao contratado.

Por isso, caso o contratado demonstre sua impossibilidade de executar determinadas tarefas em razão da incapacidade de seus fornecedores de atender a demanda, seja em virtude da comprovada escassez do produto no mercado, ou de qualquer outro evento ligado à pandemia que prejudique a sua obtenção (como restrições de transporte, por exemplo), a Administração deverá reavaliar a decisão que impôs a continuidade da execução do contrato. Nesse caso, duas poderão ser as alternativas: a) determinar a redução do ritmo de trabalho, relativamente às parcelas afetadas (art. 8º, parágrafo único, da Lei de Licitações) ou a paralisação total de tais atividades, caso se mostrem impossíveis de serem realizadas no presente, podendo a administração, até mesmo, remanejá-las no cronograma físico-financeiro com outras tarefas previstas para ocorrer no futuro mas que possam ser realizadas atualmente; ou b) caso não haja meios de manter o objeto em execução, porque boa parte das suas tarefas foram afetadas pelas restrições decorrentes das medidas de prevenção ao COVID-19, então será caso de determinar a paralisação da execução do contrato.

Uma última observação quanto ao aspecto em exame. Quando se alude à eventual carência de insumos, não se imagine que apenas aqueles diretamente ligados às obras civis estão abrangidos pela expressão. Na verdade, todo e qualquer objeto necessário para a manutenção do canteiro faz parte do seu conteúdo. Logo, é perfeitamente possível que a carência de álcool em gel, sabão, ou quaisquer outros meios para permitir que o ambiente sanitário seja mantido provoque tais efeitos.

Qualquer que seja a decisão, ela deverá ser devidamente motivada no processo da contratação e demandar a elaboração dos termos aditivos fundamentais para constituir a redução do ritmo de trabalho de certas atividades, a paralisação de tais tarefas ou a suspensão total da execução do contrato.

Qualquer uma dessas situações não exporá o contratado à sanção alguma, assegurando-lhe a recomposição do prazo contratual perdido quando da retomada da normalidade (art. 57, caput, da Lei de Licitações). Mais além, a mesma regra que garante a “prorrogação” do prazo de execução, assegura que isso deverá ser feito preservando a equação econômico-financeira do contrato. Logo, ao se discutirem os termos para a retomada da execução dos contratos paralisados total ou parcialmente pelas medidas de contenção ao COVID-19, poderão surgir discussões acerca da revisão dos preços de certas atividades.

Esse ponto, porém, pretendo explorá-lo em outro texto, que seguirá em breve.

Continua depois da publicidade
Seja o primeiro a comentar
Utilize sua conta no Facebook ou Google para comentar Google

Assine nossa newsletter e junte-se aos nossos mais de 100 mil leitores

Clique aqui para assinar gratuitamente

Ao informar seus dados, você concorda com nossa política de privacidade

Você também pode gostar

Continua depois da publicidade

Colunas & Autores

Conheça todos os autores
Conversar com o suporte Zênite