Estatais: a certidão de marca no INPI comprova a exclusividade para contratação por inexigibilidade?

Contratação direta

De acordo com o art. 30, inc. I, da
Lei nº 13.303/2016, a contratação direta será feita quando houver inviabilidade
de competição, a exemplo do que ocorre com a “aquisição de materiais,
equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou
representante comercial exclusivo”.

O novo regime de contratação das
estatais não repetiu o equívoco que consta do inc. I do art.
25 da Lei nº 8.666/1993 acerca da comprovação da exclusividade mediante
“atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se
realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou
Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes”.

Como se sabe, essa condição
estabelecida pela Lei nº 8.666/1993 é objeto de inúmeras críticas por parte da
doutrina e dos órgãos de controle, uma vez que não reflete meio capaz para
aferir a exclusividade na comercialização de determinado bem.

Logo, sob o regime jurídico da Lei
nº 13.303/2016, a legitimidade da contratação direta com base no art. 30, inc.
I, está relacionada à comprovação da exclusividade do fornecedor por meio de
quaisquer elementos que permitam concluir pela inviabilidade de competição com
segurança.

Para determinar se a certidão de
registro de marca no INPI é suficiente, cumpre avaliar, primeiro, os
contornos da necessidade pública a ser atendida e as soluções disponíveis no
mercado para satisfazê-la.

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Isso porque a impossibilidade de
instauração de um processo competitivo requer a comprovação de que não há meios
de estabelecer critérios objetivos de julgamento ou de que não se verifica uma
pluralidade de interessados que atuem na execução ou no fornecimento do que a
Administração precisa. E a confirmação desses aspectos exige uma análise detida
em torno dos interesses que devem ser satisfeitos e das opções existentes no
segmento para fazer frente ao encargo definido.

Veja-se que a Lei nº 13.303/2016
estabelece diretrizes a serem aplicadas quando da escolha dos bens que serão
adquiridos:

Art. 47. A empresa pública e a sociedade de economia mista, na licitação para aquisição de bens, poderão:

I – indicar marca ou modelo, nas seguintes hipóteses:

a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto;

b) quando determinada marca ou modelo comercializado por mais de um fornecedor constituir o único capaz de atender o objeto do contrato; 

c) quando for necessária, para compreensão do objeto, a identificação de determinada marca ou modelo apto a servir como referência, situação em que será obrigatório o acréscimo da expressão ‘ou similar ou de melhor qualidade’; (Grifamos.)

Embora o dispositivo citado esteja
disciplinando a questão da indicação da marca em licitações, entende-se que sua
racionalidade deve ser estendida para os casos de inexigibilidade de licitação
decorrente de exclusividade do fornecedor. Ora, se em uma licitação não seria
admitida a exigência imotivada de marca – porque tal condição restringe indevidamente
a competição –, com mais razão tem-se que a decisão pelo afastamento do
dever de licitar deve estar pautada em motivação pertinente à escolha da marca.

Antes de prosseguir com a análise da comprovação da
exclusividade do fornecedor, deve a empresa estatal demonstrar, objetivamente,
que a escolha de determinada marca se relaciona com a necessidade de
padronização do objeto ou da identificação dele como o único apto a atender à
demanda administrativa.

Para tanto, é pertinente a
manifestação da área requisitante, com auxílio do setor técnico, a respeito dos
motivos de ordem técnica que conduzem à conclusão de que o objeto pretendido
é o único que reúne as características necessárias para
atender à necessidade existente. Portanto, não basta alegar que o produto
indicado é capaz de satisfazer a necessidade pública, é preciso demonstrar que
não há outros, de outras marcas, similares, que apresentem as condições mínimas
e indispensáveis para atender ao objetivo pretendido.

Do contrário, se a Administração não
estiver diante de necessidade de padronização do objeto e o mercado oferecer
outros produtos semelhantes que apresentem as características mínimas
consideradas indispensáveis para atender ao interesse público
, restará
afastada a possibilidade de indicação de marca e, nessa medida, não será
admitida a inexigibilidade de licitação com base no art. 30, inc. I, da Lei nº
13.303/2016. Assim, como mais de um produto poderá fazer frente à demanda
administrativa, será viável a competição via instauração da licitação.

Superada essa etapa preliminar e
demonstrada a pertinência da indicação da marca, remanesce a análise em torno
da comprovação da exclusividade do fornecedor.

Nesse caso, é interessante
esclarecer que a exclusividade de marca não se confunde com a exclusividade de
fornecedor. A configuração da condição de inviabilidade de competição que
legitima a contratação direta por inexigibilidade de licitação ocorre
quando demonstrada a condição de fornecedor exclusivo
, o que não se
verifica nas hipóteses em que há vários fornecedores habilitados a fornecer a
marca determinada como exclusiva para atender à demanda administrativa.

A respeito, vejam-se trechos do
Acórdão nº 822/2007 do Plenário do Tribunal de Contas da União:

Representação. Contratação de empresa para fornecimento de software de gestão de patrimônio por inexigibilidade de licitação. Impossibilidade. Conhecimento e procedência.

1. A contratação do fornecimento de sistema de informática que pode ser oferecido por outras empresas deve ocorrer por meio de licitação, não cabendo o instituto da inexigibilidade, previsto no art. 25 da Lei 8.666/1993. […] 9.2. determinar à FUNASA que: […] 9.2.2. somente quando restar comprovado ser econômica e operacionalmente desvantajosa a aquisição de novo software no mercado por licitação, proceda à contratação por inexigibilidade de licitação do software já em uso, com fundamento no art. 25, inciso I, da Lei nº 8.666/93; 9.2.3. somente contrate serviços diretamente, por inexigibilidade de licitação, quando restar comprovada a inviabilidade de competição, em consonância com o disposto nos arts. 25 e 26 da Lei nº 8.666/93; (TCU, Acórdão nº 822/2007, Plenário.) (Grifamos.)

Seguindo esse racional, é possível
entender que a certidão de registro de marca do produto no INPI em favor de
determinada empresa não parece ser suficiente para, por si só, comprovar a
exclusividade em sua comercialização.

Como tal certificado demonstra que
a empresa é quem detém a patente do produto, é preciso avaliar se há outros
documentos que denotem ser ela a fornecedora exclusiva. Vale lembrar que nada
obsta que a empresa autorize que terceiros comercializem seus produtos, tal
como disposto na Lei nº 9.279/1996, que regula direitos e obrigações relativos
à propriedade industrial:

Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos:

I – produto objeto de patente;

II – processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado.

§ 1º Ao titular da patente é assegurado ainda o direito de impedir que terceiros contribuam para que outros pratiquem os atos referidos neste artigo.

§ 2º Ocorrerá violação de direito da patente de processo, a que se refere o inciso II, quando o possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente. (Grifamos.)

Portanto, a estatal deve promover
diligências com o intuito de verificar se, além da patente, o particular é o
fornecedor exclusivo do produto, o que pode ser confirmado mediante pesquisa
junto ao mercado.

A adoção dessa cautela coaduna-se
com a orientação do Tribunal de Contas da União consignada na Súmula nº 255:

Nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, é dever do agente público responsável pela contratação a adoção das providências necessárias para confirmar a veracidade da documentação comprobatória da condição de exclusividade. (Grifamos.)

Considerando que a certidão de
registro da marca no INPI confere a seu detentor o direito de utilizar
exclusivamente o bem patenteado, mas não exclui a possibilidade de
autorizar sua comercialização por terceiros
, esse documento não é
suficiente para instruir a inexigibilidade de licitação prevista no inc. I do
art. 30 da Lei nº 13.303/2016. É preciso realizar diligências para confirmar o
cenário de exclusividade na comercialização.

REFERÊNCIA

MENDES, Renato Geraldo; MOREIRA,
Egon Bockmann. Inexigibilidade de licitação: repensando a
contratação pública e o dever de licitar. Curitiba: Zênite, 2016.

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