Os contratos de repasse são formalizados a partir do preenchimento dos mesmos requisitos exigidos para a formação dos convênios, quais sejam: a) existência de interesses comuns entre os partícipes; b) estabelecimento de contrapartidas voltadas exclusivamente ao atendimento dos objetivos comuns estabelecidos, sem configuração de qualquer espécie de vantagem que transcenda a finalidade pública que justificou a celebração do ajuste.
Disso depreende-se que os contratos de repasse, embora recebam essa denominação, não engendram relações jurídicas bilaterais marcadas pela existência de interesses contrapostos, aferidos a partir da definição de obrigações e contraprestações.
Na verdade, tal como nos convênios, o contrato de repasse visa viabilizar que esforços sejam reunidos com vistas a atingir um objetivo público em comum.
A diferença é que, nos contratos de repasse, há a atuação da mandatária, que é a instituição ou o agente financeiro público federal por meio do qual se opera a transferência dos recursos financeiros.1
Segundo o Manual sobre convênios, contratos de repasse e instrumentos congêneres,
contrato de repasse é semelhante ao convênio em relação aos seus fins, porém se diferencia pela intermediação de uma instituição ou agente financeiro público federal, que representa a União na execução e fiscalização da transferência. Salvo se a concedente tenha estrutura para acompanhar a execução do convênio, a legislação define contrato de repasse para execução de objeto que preveja a realização de obra (preferencialmente).2
Assim, as instituições financeiras serão responsáveis pela liberação dos recursos mediante acompanhamento direto da execução das atividades decorrentes do contrato, de modo a assegurar mais eficiência e otimizar os resultados esperados.
Com base nessas características, conclui-se que a principal diferença entre convênio e contrato de repasse consiste na forma pela qual é operada a transferência dos recursos dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União. No primeiro, o órgão ou a entidade convenente responsabiliza-se diretamente pelo repasse e pelo acompanhamento da execução do objeto. No segundo, o repasse de recursos e o acompanhamento da realização da finalidade pública e comum pactuada ocorre por meio de um terceiro, no caso, uma instituição ou um agente financeiro público federal.
É a partir da compreensão de que os contratos de repasse não apresentam características próprias dos demais contratos administrativos, mas se aproximam dos convênios, com a distinção de que os recursos são transferidos via instituição ou agente financeiro público oficial, que a presente indagação deve ser resolvida.
Se a finalidade dos contratos de repasse é viabilizar a execução de planos de trabalho que congreguem objetivos em comum entre os envolvidos, por meio da transferência de recursos por intermédio de terceiros, então, não há que se falar em estabelecimento de garantia contratual, nos termos do art. 56 da Lei nº 8.666/93.
Nesse tocante, é válido lembrar que a garantia de que trata o art. 56 da Lei de Licitações tem como finalidade minimizar prejuízos que possam decorrer de eventual inadimplemento por parte do contratado.
No caso dos contratos de repasse, a Administração está diante de ajuste com natureza colaborativa entre órgãos e entidades da Administração Pública e, por isso, a natureza desse vínculo não se revela compatível com a exigência de garantia na forma do art. 56 da Lei de Licitações.
Ademais, existe disciplina própria inerente às condições para disponibilização dos recursos e às consequências em caso de aplicação irregular, não se fazendo alusão à garantia prestada pelo convenente. Nesse sentido, veja-se, por exemplo, o que dispõe a Portaria Interministerial nº 507/2011 e o § 6º do art. 116 da Lei de Licitações, que segue a mesma inteligência:
Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração.
(…)
§ 6º Quando da conclusão, denúncia, rescisão ou extinção do convênio, acordo ou ajuste, os saldos financeiros remanescentes, inclusive os provenientes das receitas obtidas das aplicações financeiras realizadas, serão devolvidos à entidade ou órgão repassador dos recursos, no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias do evento, sob pena da imediata instauração de tomada de contas especial do responsável, providenciada pela autoridade competente do órgão ou entidade titular dos recursos.
Diante do delineado, conclui-se que as particularidades dos contratos de repasse não são compatíveis com a fixação de exigência de garantia contratual nos termos do art. 56 da Lei de Licitações. Isso porque, considerando tratar-se de uma relação de natureza colaborativa, o descumprimento de eventuais condições afetas ao plano de trabalho deve ser enfrentado sob o regime próprio desses ajustes, que remete à instauração de procedimento de tomada de contas especial.
1 É o que se depreende do Decreto nº 1.819/96, que disciplina a transferência de recursos da União por intermédio de instituições e agências financeiras oficiais federais: “Art. 1º As transferências de recursos da União, consignadas na lei orçamentária anual ou referentes a créditos adicionais para Estados, Distrito Federal ou Municípios, a qualquer título, inclusive sob a forma de subvenções, auxílios ou contribuições, serão realizadas mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, observadas as disposições legais pertinentes. Art. 2º As transferências de que trata o artigo anterior poderão ser feitas por intermédio de instituições ou agências financeiras oficiais federais, que atuarão como mandatárias da União. Parágrafo único. Na hipótese deste artigo o Ministério competente para a execução do programa ou projeto deverá firmar, com a instituição ou agência financeira escolhida, o respectivo instrumento de cooperação, em que serão fixados, dentre outros, os limites de poderes outorgados. Art. 3º A transferência dos recursos pelos mandatários será efetuada mediante contrato de repasse, do qual constarão os direitos e obrigações das partes, inclusive quanto à obrigatoriedade de prestação de contas perante o Ministério competente para a execução do programa ou projeto.” Esse panorama é reforçado pela Portaria Interministerial nº 507/11, que disciplina a aplicabilidade do Decreto nº 6.170/07: “Art. 1º Esta Portaria regula os convênios, os contratos de repasse e os termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco, que envolvam a transferência de recursos financeiros oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União. § 1º Aplicam-se aos contratos de repasse as normas referentes a convênios previstas nesta Portaria. § 2º Para os efeitos desta Portaria, considera-se: (…) IV – contrato de repasse: instrumento administrativo por meio do qual a transferência dos recursos financeiros processa-se por intermédio de instituição ou agente financeiro público federal, atuando como mandatária da União;”.
2 Disponível em: <http://www.mda.gov.br/portalmda/sites/default/files/user_arquivos_278/Manual_de_Convenios_2013_Elaboracao_CCONV_Final_110314_2.pdf>. Nota: Esse material foi originalmente publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos, na seção Orientação Prática. A Revista Zênite e o Zênite Fácil esclarecem as dúvidas mais frequentes e polêmicas referentes à contratação pública, nas seções Orientação Prática e Perguntas e Respostas. Acesse www.zenite.com.br e conheça essas e outras Soluções Zênite.