Afinal, o que são normas gerais?

Contratação diretaLicitação

A Carta Magna vigente, em seu art. 22, inc. XXVII, dispõe ser competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitações e contratos, em todas as modalidades. Por sua vez, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, estabelece, consoante disposto em seu art. 1º, normas gerais sobre licitações e contratos no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Já se discutiu, exaustivamente, a respeito do conteúdo dessa norma infraconstitucional. Seriam todas as suas disposições normas gerais de licitações? Ou, algumas delas não devem ser encaradas como tal?

Trazemos novamente o assunto à discussão em função de recente deliberação do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso. O Colendo Tribunal julgou improcedentes 14 ações diretas de inconstitucionalidade arguidas pela Procuradoria Geral de Justiça contra leis municipais que atualizaram os valores das modalidades licitatórias previstas na Lei nº 8.666/1993.

É oportuno lembrar que essas leis, e tantas outras que ainda deverão ser objeto de apreciação pelo TJ/MT, oriundas de outros Municípios, foram aprovadas tendo por base Resolução de Consulta nº 17/2014, do Tribunal de Contas daquele Estado. Nessa deliberação, o TCE-MT respondeu ao Consulente, Prefeitura Municipal de Campos de Júlio, no sentido de que “d) o artigo 23 da Lei de Licitações é norma específica, editada pela União com vistas a fixar os valores a que tão somente seus órgãos e entidades se sujeitam para escolha das modalidades licitatórias, sendo juridicamente possível a outros entes da federação, a exemplo dos Municípios, estabelecerem novos valores para a definição das modalidades licitatórias previstas na Lei nº 8.666/1993;”.

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É sabido que os valores em questão foram estabelecidos ainda no ano de 1998, pela Lei nº 9.648, de 27 de maio daquele ano, não tendo mais sido objeto de atualização por parte da União, apesar do art. 120, da Lei nº 8.666/1993, dispor expressamente sobre a possibilidade dos mesmos serem revistos anualmente pelo Poder Executivo Federal. Desse modo, temos hoje valores absolutamente inexpressivos, que não mais representam a realidade que vive a administração pública brasileira. Basta lembrar que o valor limite para dispensa de licitação é de apenas R$ 8.000,00. No novo Projeto de Lei nº 6814/2017, em tramitação na Câmara Federal, que institui a nova Lei de Licitações, revogando a ora vigente, esse valor está sendo atualizado para R$ 15.000,00, ainda muito reduzido em presença da realidade econômica do País, porém bem mais significativo que o atual.

De acordo com o entendimento do TCE-MT, referendado pelo TJ-MT, a fixação desses valores não constitui norma geral, podendo, dessa forma, cada ente federativo estabelecer, dentro do seu limite de competência, aquele que mais lhe convier, desde que o faça por lei ordinária, ficando, no entanto, limitado ao indexador estabelecido no art. 120 da Lei nº 8.666/1993, e a uma periodicidade anual. Vale lembrar, que esse indexador é a variação geral dos preços do mercado. Se utilizarmos o IGP-M como indexador, o valor estabelecido em 1998 (R$ 8.000,00) corresponde hoje a mais de R$ 35.000,00.

Não se discute a autonomia administrativa e financeira dos Estados e Municípios brasileiros. Sequer desejo discutir se esses valores podem ou não ser fixados pelos entes federativos, respeitando a deliberação do TJ-MT. Quero alertar, no entanto, para o risco de distorção na aplicação de uma disposição que é constitucional.

Afinal, é a CF/88 que dispõe expressamente, no art. 37, inc. XXI, sobre a regra das contratações mediante licitação, deixando as dispensas e inexigibilidade, como exceções, às situações expressamente previstas em lei, no caso, a Lei de Licitações vigente. Precisamos ter a cautela de não transformar a exceção constitucional em regra, fazendo com que a grande maioria das contratações realizadas por entes federativos seja feita sem o devido processo licitatório.

Não tenho dúvidas de que, para grande parte dos Municípios do Estado do Mato Grosso, a maioria das contratações não ultrapassará o valor de R$ 35.000,00. Mesmo considerando que esse é um parâmetro anual (para evitar o fracionamento da despesa), trata-se de valor elevado diante de muitos orçamentos municipais, de tal modo que não tenho dúvidas em prever a possibilidade da licitação virar uma exceção, a ser utilizada em casos excepcionais.

Pergunto: diante de todo o panorama que temos assistido em nosso país, especialmente nos últimos tempos, é conveniente liberar quase que genericamente a realização de licitações? Se já estamos diante, diariamente, de notícias estarrecedoras a respeito de procedimentos adotados em todo o país em processos de contratação, é oportuno fazer uma liberação dessa ordem?

Não podemos olvidar que a regra constitucional é a licitação! Possibilitar a não realização desta, em grandes proporções, não é uma deliberação inconstitucional? Talvez seja o caso de chamar o Supremo Tribunal Federal, afinal o guardião da Constituição, a apreciar o assunto, com a devida cautela e com as ponderações cabíveis.

 

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