A adesão à ata de registro de preços por terceiros foi instituída pelo Decreto nº 3.931/01, conforme previsão do caput e §3º do art. 8º:
Art. 8º A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem.
(…)
§ 3º As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços.
A conjugação dessas disposições autoriza um órgão ou uma entidade da Administração que não tenha participado da licitação firmar contratos com base na ata de registro de preços de terceiros.
O tema é bastante polêmico, sendo comumente criticado por parte da doutrina e por alguns órgãos de controle, em razão de sua instituição ter ocorrido por decreto, sem amparo legal.[1]
De acordo com essas manifestações, a contratação por adesão à ata de registro de preços não atende o dever de licitar imposto pelo art. 37, inc. XXI, da Constituição da República, pois não é precedida de procedimento licitatório específico ou de contratação direta com base no disposto nos arts. 24 ou 25 da Lei nº 8.666/93.
A par dessa discussão, o TCU se posiciona pela legalidade do procedimento e admite que as entidades sob sua jurisdição utilizem o carona. Todavia, ao tratar do tema no Acórdão nº 1.487/2007 – Plenário[2], deixou assentada a necessidade de fixar limites para o procedimento:
Voto do Ministro Relator
(…)
6. Diferente é a situação da adesão ilimitada a atas por parte de outros órgãos. Quanto a essa possibilidade não regulamentada pelo Decreto nº 3.931/2001, comungo o entendimento da unidade técnica e do Ministério Público que essa fragilidade do sistema afronta os princípios da competição e da igualdade de condições entre os licitantes.
7. Refiro-me à regra inserta no art. 8º, § 3º, do Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, que permite a cada órgão que aderir à Ata, individualmente, contratar até 100% dos quantitativos ali registrados. No caso em concreto sob exame, a 4ª Secex faz um exercício de raciocínio em que demonstra a possibilidade real de a empresa vencedora do citado Pregão 16/2005 ter firmado contratos com os 62 órgãos que aderiram à ata, na ordem de aproximadamente 2 bilhões de reais, sendo que, inicialmente, sagrou-se vencedora de um único certame licitatório para prestação de serviços no valor de R$ 32,0 milhões. Está claro que essa situação é incompatível com a orientação constitucional que preconiza a competitividade e a observância da isonomia na realização das licitações públicas.
8. Para além da temática principiológica que, por si só já reclamaria a adoção de providências corretivas, também não pode deixar de ser considerada que, num cenário desses, a Administração perde na economia de escala, na medida em que, se a licitação fosse destinada inicialmente à contratação de serviços em montante bem superior ao demandado pelo órgão inicial, certamente os licitantes teriam condições de oferecer maiores vantagens de preço em suas propostas.
(…)
Acórdão
9.2. determinar ao (…) que:
(…)
9.2.2. adote providências com vistas à reavaliação das regras atualmente estabelecidas para o registro de preços no Decreto nº 3.931/2001, de forma a estabelecer limites para a adesão a registros de preços realizados por outros órgãos e entidades, visando preservar os princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração Pública, tendo em vista que as regras atuais permitem a indesejável situação de adesão ilimitada a atas em vigor, desvirtuando as finalidades buscadas por essa sistemática, tal como a hipótese mencionada no Relatório e Voto que fundamentam este Acórdão.
No intuito de limitar as contratações adicionais, a Corte de Contas também fixou, no Acórdão nº 2.764/2010 – Plenário[3], alguns requisitos a serem observados pelas entidades jurisdicionadas, dentre eles a necessidade de observância dos quantitativos registrados em ata. Veja-se:
– necessidade de elaborar, em momento prévio à contratação por adesão à ata de registro de preços, termo de caracterização do objeto a ser adquirido, no qual restem indicados o diagnóstico da necessidade e as justificativas da contratação, bem como a demonstração de adequação do objeto em vista do interesse da Administração;
– dever de realizar pesquisa de preços a fim de atestar a compatibilidade dos valores dos bens a serem adquiridos com os preços de mercado e confirmar a vantajosidade obtida com o processo de adesão;
– obrigação de respeitar os termos consignados em ata, especialmente seu quantitativo, sendo manifestamente vedada a contratação por adesão de quantitativo superior ao registrado.
As orientações do TCU se justificam na medida em que um dos aspectos mais polêmicos relativos ao carona diz respeito à distorção entre o quantitativo licitado e o quantitativo contratado. Tal fato decorre da possibilidade de cada órgão aderente contratar até 100% do quantitativo registrado, conforme a literalidade do § 3º do art. 8º do Decreto nº 3.931/01.
Em consequência dessa interpretação, a falta de limites para as adesões realizadas pelos órgãos que não participaram do procedimento permite que o total do contrato extrapole o quantitativo licitado, o que compromete o dever constitucional de licitar.
A distorção poderia ser corrigida se a partir do § 3º do art. 8º fosse compreendido que o total de todas as contratações com base em determinada ata de registro de preços não pudesse ultrapassar 100% do quantitativo registrado, incluídas aquelas realizadas pelo órgão gerenciador, pelos órgãos participantes e eventuais caronas.
Ao que tudo indica, essa foi a diretriz adotada recentemente pelo TCU. Seguindo a tendência dos precedentes citados, a Corte de Contas impôs limitação às contratações adicionais em registro de preços e encerrou a discussão acerca da interpretação do art. 8º, §3º, do Decreto nº 3.931/01.
A última manifestação do TCU acerca da matéria consta do Acórdão nº 1.233/2012 – Plenário. Nessa oportunidade o Tribunal de Contas determinou às entidades jurisdicionadas que “em atenção ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei 8.666/1993, art. 3º, caput), devem gerenciar a ata de forma que a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados da ata não supere o quantitativo máximo previsto no edital;”[4]
De acordo com as razões expostas no voto do referido decisium, a adesão ilimitada à atas de registro de preços tem sido preocupação constante do TCU, pois prática comum entre os seus jurisdicionados que tem gerado uma série de inconvenientes.
Dentre os principais problemas diagnosticados pela Corte, destacou-se o desvirtuamento do Sistema de Registro de Preços provocado pela possibilidade de adesão ilimitada. Os órgãos e entidades da Administração Pública deixam de realizar o planejamento de suas contratações, o que deveria ser a regra para esse procedimento, pois é possível contratar muito mais do que foi efetivamente licitado.
A Corte também entendeu que a indeterminação das adesões representa ofensa ao disposto no art. 37, inciso XXI da Constituição da República e aos princípios do art. 3º da Lei nº 8.666/93. A prática do carona fere a isonomia entre os licitantes e prejudica a obtenção da proposta mais vantajosa.
Isso ocorre porque, ao permitir a adesão sem limitações, é possível que a ata de registro de preços se torne uma fonte inesgotável de contratações para o licitante vencedor, fator incompatível com os princípios da competitividade e da isonomia. Além disso, a Administração perde em economia de escala comprometendo a vantajosidade da contratação, uma vez que licita montante inferior ao que efetivamente é contratado, perdendo os descontos que poderiam ser ofertados pelos licitantes em razão do quantitativo superior.
Outros problemas apontados dizem respeito à exploração comercial das atas de registros de preços por empresas privadas e à ampliação da possibilidade de fraude ao procedimento licitatório e da prática de corrupção, especialmente em licitações de grande dimensão econômica.
Com base nessas ponderações o TCU constatou que embora o sistema de registro de preços possa propiciar significativa economia aos cofres públicos, tal vantagem não autoriza o descumprimento da legislação específica de licitação ou dos princípios que regem a matéria.
A partir do Acórdão nº 1.233/2012, julgado recente do Plenário, é possível inferir posicionamento inovador do TCU no que tange a adesão à atas de registros de preços. A Corte de Contas conferiu nova interpretação ao disposto no caput e §3º do art. 8º do Decreto nº 3.931/01 e limitou a prática do carona. Em razão dessa orientação, o total das futuras contratações derivadas de ata de registro de preços, realizadas pelo órgão gerenciador, pelos órgãos participantes e eventuais caronas não poderá ultrapassar 100% do quantitativo registrado.
[1] Nesse sentido se forma a orientação do prof. Joel de Menezes Niebuhr. (NIEBUHR, Joel de Menezes. Carona em ata de registro de preços – Atentado veemente aos princípios de Direito Administrativo. Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC. Curitiba: Zênite, n. 143, p. 13, jan. 2006, seção Doutrina/Parecer/Comentários.).
O mesmo movimento de oposição é verificado no Tribunal de Contas de Santa Catarina. Convém citar o Prejulgado nº 1.895, do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, que dispõe o seguinte em seu item 2: “Por se considerar que o sistema de ‘carona’, instituído no art. 8º do Decreto (federal) nº 3.931/2001, fere o princípio da legalidade, não devem os jurisdicionados deste Tribunal utilizar as atas de registro de preços de órgãos ou entidades da esfera municipal, estadual ou federal para contratar com particulares, ou permitir a utilização de suas atas por outros órgãos ou entidades de qualquer esfera, excetuada a situação contemplada na Lei (federal) nº 10.191/2001″
[2] TCU, Acórdão nº 1.487/2007, Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo , DOU de 03.08.2007.
[3] TCU, Acórdão nº 2.764/2012, Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer , DOU 15.10.2010.
[4] TCU, Acórdão nº 1.233/2012, Plenário, Rel. Min. Aroldo Cedraz, DOU de 23.05.2012.