A presunção relativa de inexequibilidade da proposta prevista no art. 59, § 4º, da NLL e a necessidade de diligência  |  Blog da Zênite

A presunção relativa de inexequibilidade da proposta prevista no art. 59, § 4º, da NLL e a necessidade de diligência

Contratação PúblicaLicitaçãoNova Lei de Licitações

Questão apresentada à Equipe de Consultoria Zênite:

“Considerando o disposto no art. 59, incisos III e IV, da Lei nº 14.133/2021, é correto interpretar que, mesmo diante da apresentação de proposta presumivelmente inexequível (nos termos do § 4º do mesmo artigo), a Administração deve oportunizar ao licitante a demonstração da exequibilidade, como ocorria sob a vigência da Lei nº 8.666/1993? Em caso de comprovação da exequibilidade, ainda que o valor ofertado seja inferior a 75% do estimado, a proposta deve ser aceita e homologada?

DIRETO AO PONTO

Em vista do exposto, e sem prejuízo de indicar que os impactos da redação dada ao art. 59, § 4º, da Lei nº 14.133/2021 foi (e ainda é) objeto de controvérsias, esta Consultoria entende que o ideal, ao menos por hora, é entender como uma “presunção relativa”.

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Nesse sentido, tomando-se por base a doutrina analisada e os precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do Tribunal de Contas da União, conclui esta Consultoria que o critério legal estabelecido no § 4º do art. 59 enseja uma presunção relativa de inexequibilidade, passível de ser contraditada pelo licitante detentor da respectiva proposta. Logo, adotado este alinhamento, não seria adequado frente aos objetivos da licitação desclassificar automaticamente a proposta que esteja 25% abaixo do valor orçado.

FUNDAMENTO

A análise quanto à inexequibilidade dos preços é imprescindível para assegurar o escorreito desenvolvimento do futuro contrato. Afinal, o risco de inexecução é grande quando o particular não determina os custos suficientes para cumprir com as obrigações assumidas perante a Administração.

Não por outro motivo, um dos objetivos do processo licitatório estabelecido pela Lei nº 14.133/2021 é justamente “evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos” (art. 11, III).

Com o intuito de conferir um critério mais objetivo e assertivo em torno da análise de exequibilidade, a Lei nº 14.133/2021 prevê:

“Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que:

I – contiverem vícios insanáveis;

II – não obedecerem às especificações técnicas pormenorizadas no edital;

III – apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação;

IV – não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração;

V – apresentarem desconformidade com quaisquer outras exigências do edital, desde que insanável.

§ 1º A verificação da conformidade das propostas poderá ser feita exclusivamente em relação à proposta mais bem classificada.

§ 2º A Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto no inciso IV do caput deste artigo.

§ 3º No caso de obras e serviços de engenharia e arquitetura, para efeito de avaliação da exequibilidade e de sobrepreço, serão considerados o preço global, os quantitativos e os preços unitários tidos como relevantes, observado o critério de aceitabilidade de preços unitário e global a ser fixado no edital, conforme as especificidades do mercado correspondente.

§ 4º No caso de obras e serviços de engenharia,serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75%(setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração.” (Destacamos.)

Embora a Lei nº 8.666/1993 já previsse normas a respeito do dever de desclassificação de propostas consideradas inexequíveis, a redação dada pela Lei nº 14.133/2021 ao § 4º do art. 59 abriu margem à dúvida trazida pela Administração Consulente, qual seja: as propostas abrangidas pela situação do § 4º do art. 59 devem ser automaticamente desclassificadas, na forma do inciso III do art. 59, ou deve-se oportunizar a demonstração de exequibilidade, na forma do art. 59, inciso IV e § 2º?

Pois bem. Adotada compreensão tradicional a respeito do assunto, a regra definida pelo § 4º do art. 59 da Lei nº 14.133/2021 estabelece que preços inferiores a 75% do valor orçado pela Administração apresentam um indício de inexequibilidade.

Diz-se que compreende um indício de inexequibilidade porque o preço inferior a 75% do valor orçado pela Administração pode ser inexequível para um licitante e exequível para outro. Afinal, é natural e até presumível que empresas atuando em um ambiente de livre mercado enfrentem realidades distintas, com diferentes variáveis que compõem seus custos operacionais (tais como custos de fornecedores, trabalhistas, tributários, entre outros). Neste contexto, sendo o objetivo da licitação selecionar a proposta mais vantajosa, determinar a desclassificação automática de todas as propostas com valores inferiores a 75% do valor orçado pela Administração determinaria efeito prejudicial à Administração, no caso de a proposta desclassificada ser efetivamente exequível.

Nesse sentido, seria possível compatibilizar a previsão do inciso IV do art. 59 com aquela dos §§ 2º e 4º do mesmo dispositivo, de modo que, estando abaixo de 75% do valor orçado pela Administração, seria devida a realização de diligência para fins de averiguar se a proposta é exequível ou não. E sendo exequível, não haveria então respaldo para a desclassificação com base no inciso III do art. 59.

Exatamente nesse sentido se formou a orientação adotada pelo Tribunal de Contas da União durante a vigência da Lei nº 8.666/1993, ao concluir que o critério estabelecido pelo art. 48, § 1º daquela lei, similar ao estabelecido pelo § 4º do art. 59 da Lei nº 14.133/2021, constituía uma presunção relativa, tornando imperiosa a realização de diligência pela Administração junto ao detentor da proposta antes de determinar a sua desclassificação em razão da inexequibilidade do seu valor.

Esta orientação foi consolidada na Súmula nº 262 do Tribunal de Contas da União:

“O critério definido no art. 48, inciso II, § 1º, alíneas “a” e “b”, da Lei 8.666/1993 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta.”

Seguindo esse alinhamento, para o Tribunal de Contas da União, por constituir presunção relativa, suposta inexequibilidade de proposta comercial de licitante não autoriza imediata desclassificação, devendo-se oportunizar comprovação em sentido contrário.

Parcela da doutrina especializada vem defendendo que essa orientação permanece plenamente aplicável no regime da Lei nº 14.133/2021.

Nesse sentido, Marçal Justen Filho pontua:

“A única alternativa compatível com a eficiência e a moralidade é reputar que a previsão do ora examinado § 4º contempla presunção relativa. Ou seja, a proposta de valor inferior a 75% do valor orçado pela Administração é presumida como inexequível até prova em contrário.

A constatação de que o valor ofertado pelo licitante é inferior a 75% do orçamento estimativo adotado pela Administração não acarreta a desclassificação automática da proposta. Será concedida ao licitante a oportunidade para comprovar a exequibilidade da proposta. Haverá a inversão do ônus da prova. Portanto, caberá ao particular o ônus da prova da exequibilidade. Se não se desincumbir desse ônus, o licitante sofrerá a desclassificação.”1 (Destacamos)

Em adição, José Anacleto Abduch Santos afirma:

“[…] os referenciais percentuais de inexequibilidade, em relação ao valor orçado pela Administração constituem uma mera presunção, que deverá ser confirmada após diligência a ser conduzida pelo agente de contratação, pregoeiro ou comissão de contratação. Em sede de diligência, o órgão decisório do certame deverá certificar que (i) o custo do licitante ultrapassa o valor da proposta; e (ii) inexistirem custos de oportunidade capazes de justificar o vulto da oferta. O licitante deverá, portanto, ser convocado a justificar e provar a exequibilidade de sua proposta.”2 (Destacamos)

Não destoa Rafael Sérgio Lima de Oliveira:

“Ao contrário do que ocorria na Lei n° 12.462/2011, o inciso III do art. 59 da Lei n° 14.133/2021 não se refere a uma inexequibilidade manifesta, o que não significa dizer que esse requisito deixou de ser exigido. Tanto o inciso III quanto o inciso IV falam de preço inexequível, sendo que o primeiro dá a entender que a Administração poderia rejeitar a proposta liminarmente, sem concessão do direito de defesa ao licitante.

Tal entendimento, entretanto, fere de morte princípios caros ao Direito da Contratação Pública, motivo pelo qual é de se rejeitar qualquer compreensão nesse sentido. Por isso, é preciso se dizer que a proposta só poderá ser recusada pela sua inviabilidade econômica se o seu autor não conseguir demonstrar sua exequibilidade.

Isso significa dizer que sempre prevalecerá a hipótese do inciso IV do art. 59, motivo pelo qual ressaltamos que a dupla previsão da recusa ao preço inviável no art. 59 da NLLCA não indica hipóteses distintas. A rigor, pode-se dizer que o inciso IV é uma complementação do previsto no inciso III em relação à rejeição do preço inexequível.

[…] A primeira fase desse processo ocorre com a constatação da Administração de que a proposta tem um potencial de inexequibilidade. É o que ocorre no caso do §4º do art. 59, em que a Lei n° 14.133/2021 estabelece um parâmetro matemático para aferição da inviabilidade econômica das ofertas em licitações voltadas à contratação de obras e serviços de engenharia. Nos termos desse dispositivo, o preço inferior a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração indica uma presunção (relativa) de inexequibilidade, demandando a oitiva do licitante para a defesa da adequação de sua proposta (Súmula n° 262 do TCU).”3 (Destacamos)

E, por fim, Joel de Menezes Niebuhr leciona:

“Não se antevê qualquer cientificidade para cravar que propostas inferiores a 75% do valor orçado pela Administração sejam inexequíveis. Pura e simplesmente, de maneira aleatória e abstrata, valendo-se de raciocínio que vale para as estatísticas e não para a realidade concreta das licitações, o legislador presumiu a inexequibilidade da proposta cujo preço seja inferior a 75% do valor orçado.

Trata-se, evidentemente, de presunção, haja vista que as propostas nessas condições não são necessária e efetivamente inexequíveis. Essa presunção deve ser considerada relativa, admitindo prova em contrário.

[…] Insista-se que proposta inexequível é aquela inviável sob o ponto de vista financeiro, dado que o valor consignado nela é inferior ao custo para dar cumprimento ao objeto do futuro contrato. É cediço que a configuração da inexequibilidade gira em torno de questão de fato e não de percentual sobre valor orçado. O fato é que não existe, em regime de livre concorrência, custo universal e fixo. Cada empresa tem o seu custo, que resulta da sua capacidade de organização, investimento em tecnologia, relação com fornecedores e produtividade. É evidente que uma empresa pode ser mais eficiente que outras e, por essa razão, apresentar proposta com valor menor do que a dos demais licitantes e menor do que o valor orçado pela Administração. Dessa sorte, a inexequibilidade de uma proposta não pode ser aferida, exclusivamente, diante de valor orçado.

Sob essa perspectiva, o § 4º do artigo 59 da Lei n. 14.133/2021 não pode implicar presunção absoluta. Em caso contrário, licitante com proposta de fato exequível poderia ser arbitrariamente desclassificada do certame, o que afrontaria os princípios da isonomia e da competitividade. Além disso, por consequência, impedir-se-ia a Administração de contratar com o licitante autor da melhor proposta, o que violaria o princípio da eficiência e da economicidade, ambos listados no artigo 5º da Lei n. 14.133/2021.”4 (Destacamos)

Logo, adotada essa compreensão, identificada a possível inexequibilidade de uma proposta (por estar abaixo de 75%, no caso de obras e serviços de engenharia), cumprirá à Administração promover diligência visando a permitir que o seu autor demonstre a viabilidade econômica da oferta, não havendo um parâmetro objetivo e absoluto para indicar a partir de quando a oferta não poderá ser considerada exequível. Essa demonstração pode ser feita mediante a apresentação de documentos que comprovem os preços correntes usufruídos pelo autor da proposta, tais como contratos e notas fiscais, como, também, com a comprovação de que o licitante já possui meios e insumos necessários para executar o objeto, etc., de modo a comprovar que seu custo não ultrapassa o valor da proposta e que existem custos de oportunidade capazes de justificar o vulto da oferta.

O preço somente será inexequível quando restar demonstrado que o valor cotado na licitação não é suficiente para a própria empresa licitante arcar com os custos dos insumos para a execução do objeto pretendido.

Cumpre informar que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, citado à título de referência, em sede de apelação, julgou a possibilidade de diligência em caso de apresentação de proposta com valor inexequível, conforme § 2º do art. 59 da Lei nº 14.133/2021.5 No caso, o TJ/SP considerou que a “presunção de inexequibilidade das propostas de obras e serviços de engenharia inferiores a 75% do valor orçado pela Administração (art. 59, § 4º da Lei nº 14.133/21)” é relativa e não absoluta. Nesse sentido, como a licitação tem por objetivo selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, “justifica a relatividade da presunção, independentemente da natureza do serviço licitado”.

Consignou, por fim, que:

“O § 2º do referido artigo, que possibilita a demonstração da exequibilidade das propostas pelo licitante, não exclui as obras e serviços de engenharia e, portanto, se aplica também a eles. E nem mesmo haveria razão para que não se aplicasse, pois, independentemente da natureza do serviço licitado, a licitação sempre visa a selecionar a proposta mais vantajosa à Administração, o que justifica que a presunção de inexequibilidade de propostas inferiores a 75% do valor orçado seja passível de ser afastada”.

É preciso pontuar, contudo, que a questão envolvendo a desclassificação de propostas com preços inferiores a 75% do valor orçado pela Administração nas licitações para contratação de obras e serviços de engenharia gerou certa controvérsia no âmbito do Tribunal de Contas da União no ano de 2023. Isso porque, no Acórdão nº 2.198/2023, do Plenário, hoje considerada uma decisão isolada, a Corte entendeu que o critério estabelecido no art. 59, § 4º da Lei nº 14.133/2021 definiria uma presunção absoluta, não se impondo a realização de diligências para demonstrar a viabilidade econômica da oferta como condição preliminar a sua desclassificação por inexequibilidade:

“Considerando que o § 4º do art. 59 da Lei 14.133/2021 estabelece que, “No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração”;

Considerando que serão desclassificadas as propostas que apresentarem preços inexequíveis (art. 59, inciso III, da Lei 14.133/2021);

Considerando que, neste caso, não há que se cogitar da realização de diligências para aferir a inexequibilidade, pois o lance abaixo daquele percentual de 75% já é identificado pela própria Lei como inexequível, devendo a proposta ser desclassificada; e […].” (Destacamos.)

Contudo, em 2024 a Corte reviu essa posição e restabeleceu sua orientação histórica:

Acórdão nº 803/2024 – Plenário

O critério definido no art. 59, § 4º, da Lei 14.133/2021 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, sendo possível que a Administração conceda à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta, nos termos do art. 59, § 2º, da referida lei.” (Destacamos.)

Acórdão nº 465/2024 – Plenário

O critério definido no art. 59, § 4º, da Lei 14.133/2021 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração, nos termos do art. 59, § 2º, da referida lei, dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta.” (Destacamos.)

NOTAS E REFERÊNCIAS

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei nº 14.133/21. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 742.

SANTOS, José Anacleto Abduch. Pregão e concorrência eletrônicos: as novidades da IN nº 73/2022 da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia. Disponível em: https://zenite.blog.br/pregao-e-concorrencia-eletronicos-as-novidades-da-in-no-73-2022-da-secretaria-de-gestao-do-ministerio-da-economia/.

OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de. Comentários ao artigo 59. In: FORTINI, Cristina; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CAMARÃO, Tatiana (Coord.). Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2023. p. 626-628.

NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 789-790.

TJ/SP, Apelação Cível nº 1004528-23.2022.8.26.0347, Rel. Des. Antonio Carlos Villen, j. em 08.08.2023.

 

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Como citar o conteúdo do Blog Zênite:
ZÊNITE, Equipe Técnica. A presunção relativa de inexequibilidade da proposta prevista no art. 59, § 4º, da NLL e a necessidade de diligência.  Blog Zênite. 25 nov. 2025. Disponível em: https://zenite.blog.br/a-presuncao-relativa-de-inexequibilidade-da-proposta-prevista-no-art-59-%c2%a7-4o-da-nll-e-a-necessidade-de-diligencia/. Acesso em: dd mmm. aaaa.

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