Conforme se sabe, a Constituição Federal estabelece como regra a vedação à acumulação de cargos, empregos e funções públicas, na forma de seu art. art. 37, inciso XVI. Há, todavia, hipóteses em que o próprio dispositivo constitucional expressamente admitiu o exercício cumulativo, quais sejam, a de dois cargos de professor, um cargo de professor com outro cargo técnico ou científico e dois cargos ou empregos privativos de profissional de saúde com profissões regulamentadas.
Além de se restringir aos cargos referidos pela norma constitucional, para ser lícita, a acumulação deverá observar ainda a regra de compatibilidade de horários, conforme expressamente prevê o precitado inciso XVI do art. 37.
Em idênticos termos aos previstos pela CF, a Lei nº 8.112/90 reiterou a regra geral de vedação à acumulação, prevendo, do mesmo modo, a compatibilidade de horários como condição para sua regularidade, consoante se lê em seu art. 118, § 2º in verbis:
“Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos.
(…)
§ 2o A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários.”
A generalidade da expressão “compatibilidade de horários”, utilizada tanto pela Constituição quanto pelo Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, originou questionamento quanto a se haveria um limite de jornada nas situações em que fosse admitido o exercício cumulativo de cargos, empregos ou funções públicas.
Abordando o assunto, foi elaborado o Parecer Vinculante AGU nº GQ-145/1998 que adotou como limite aceitável uma carga horária total de sessenta horas semanais resultante do acúmulo.[1]
Para o TCU, entretanto, o estabelecimento de um limite fixo de sessenta horas semanais para as jornadas exercidas em acumulação, conforme estipulado pela AGU, não encontra amparo na Constituição Federal.
De acordo com o mais recente posicionamento adotado pela jurisprudência da Corte de Contas, a extrapolação de sessenta horas semanais nos casos de acumulação constitui apenas indício de irregularidade, devendo a compatibilidade de horários ser avaliada em cada situação de forma particular. Nesse sentido, veja-se a seguinte resenha de jurisprudência sobre a matéria:
“A verificação da compatibilidade de horários, para os cargos acumuláveis na atividade, deve ser aferida caso a caso, eis que a Constituição Federal não alude expressamente à duração máxima da jornada de trabalho. O TCU tem admitido como limite máximo a jornada de trabalho de 60 horas semanais. Acima disso, é necessário verificação não só da compatibilidade de horários como também de eventual prejuízo às atividades exercidas em cada um dos cargos.”[2]
O STJ, a seu turno, tem jurisprudência consolidada no sentido de ser inaplicável o limite de sessenta horas semanais estabelecido pelo parecer da AGU[3].
Interessante registrar que, a despeito de o TCU e o STJ já possuírem diretriz acerca do assunto, a questão da compatibilidade horária e a fixação de um limite para as jornadas exercidas em acumulação ainda suscita discussões judiciais, consoante se observa de recente decisão do STJ:
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE. IMPOSSIBILIDADE DA LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA SEMANAL COM A MERA APLICAÇÃO DO ACÓRDÃO 2.133/2005 DO TCU. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS A SER AFERIDA EM AVALIAÇÕES DE DESEMPENHO. VIOLAÇÃO DO DIREITO SUBJETIVO PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NO ART. 118, § 2o. DA LEI 8.112/90. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL QUE LIMITE A CARGA HORÁRIA, DIÁRIA OU SEMANAL. ACÓRDÃO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INÚMEROS PRECEDENTES. SÚMULA 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DA UNIÃO DESPROVIDO. 1. O art. 37, XVI da Constituição Federal, bem como o art. 118, § 2º da Lei 8.112/90, somente condicionam a acumulação lícita de cargos à compatibilidade de horários, não havendo qualquer previsão que limite a carga horária máxima desempenhada, diária ou semanal. 2. Dessa forma, estando comprovada a compatibilidade de horários, não há que se falar em limitação da carga horária máxima permitida. Precedentes desta Corte. 3. Agravo Regimental da UNIÃO desprovido.” (AgRg no AREsp 291.919-RJ, Rel. Min. Napoleão Maia Nunes Filho, DJE 22.08.2013.)
Apesar de sessenta horas ser um limite de jornada de trabalho bastante razoável, considerando a necessidade de preservação da qualidade da prestação de serviço, a ausência de limitação expressa na Constituição Federal parece conduzir, de fato, ao entendimento adotado pelo TCU e pelo STJ no sentido de que caberá ao gestor aferir, tendo em conta as peculiaridades de cada atividade exercida em acumulação, qual o limite de jornada deve ser observado pelo servidor de modo a atender com a eficácia necessária as demandas pertinentes as atividades exercidas em acumulação.
[1] Conforme se infere do Manual de PAD da CGU, o Parecer nº GQ 145 Vinculante continua servindo de parâmetro para a avaliação administrativa das situações de acumulação de cargos. Em sua ementa, referida manifestação da AGU consolidou o seguinte entendimento: “Ilícita a acumulação de dois cargos ou empregos de que decorra a sujeição do servidor a regimes de trabalho que perfaçam o total de oitenta horas semanais, pois não se considera atendido, em tais casos, o requisito da compatibilidade de horários. Com a superveniência da Lei nº 9.527, de 1997, não mais se efetua a restituição de estipêndios auferidos no período em que o servidor tiver acumulado cargos, empregos e funções públicas em desacordo com as exceções constitucionais permissivas e de má fé.”
[2] TCU, Resenha de Jurisprudência, Área: Pessoal, Tema: Cargo, Subtema: Acumulação. Histórico: Acórdão nº 1606-10/12-1-1ª Câmara. Disponível em https://contas.tcu.gov.br/pls/apex/f?p=175:11:115673387963801::NO::P11_NO_SELECIONADO,P11_TELA_ORIGEM,P11_ORIGEM:0_17_602_879_755,LOGICA,0. Consulta em 26.08.2013, às 13h30min.)
[3]“MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. POSSIBILIDADE. SOBREPOSIÇÃO DE HORÁRIOS. NÃO OCORRÊNCIA. CARGA HORÁRIA TOTAL SEMANAL SUPERIOR A 60 (SESSENTA) HORAS. IRRELEVÂNCIA. PARECER AGU GQ-145/1998. FORÇA NORMATIVA. AUSÊNCIA. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. “A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de afastar o Parecer AGU GQ-145/1998, no que tange à limitação da carga horária máxima permitida nos casos em que há acumulação de cargos, na medida em que o referido ato não possui força normativa para regular a matéria” (AgRg no REsp 1.168.979/RJ, Rel. Min. OG FERNANDES, Sexta Turma, DJe 14/12/12). 2. Mandado de segurança concedido. Custas ex lege. Sem condenação em honorários advocatícios.” (STJ, MS 19776/RJ, Rel. Min. Arnaldo Estes Lima DJe 18.04.2013.)