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DFD, ETP e TR – Passo a passo para compras e serviços
por Equipe Técnica da ZêniteCapacitação Online | 23, 24, 27 a 31 de janeiro
Esta questão foi apresentada à Equipe de Consultores Zênite:
“Tendo em vista o disposto no art. 49, inc. IV, da LC nº 147/14, qual o procedimento para a Administração contratar com fundamento no art. 24, incs. I e II, da Lei nº 8.666/93?”
Para responder, precisamos avaliar o que dispõe o art. 49, inc. IV, da Lei Complementar nº 123/06, com redação alterada pela Lei Complementar nº 147/14:
“Art. 49 Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando: (…)
IV – a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, excetuando-se as dispensas tratadas pelos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei, nas quais a compra deverá ser feita preferencialmente de microempresas e empresas de pequeno porte, aplicando-se o disposto no inciso I do art. 48.”
Por meio de simples leitura do dispositivo supra, pode-se entender que todas as contratações realizadas por meio de dispensa de licitação em razão do valor, com fulcro nos incs. I e II do art. 24 da Lei de Licitações, devem observar o tratamento diferenciado e favorecido das MEs e EPPs. Entretanto, nem todas as contratações que se realizam por meio de dispensa em razão do valor permitem a aplicação das preferências em favor das MEs e EPPs.
Para a correta interpretação do dispositivo, é importante compreender uma premissa que norteará toda a leitura do artigo supracitado e auxiliará a Administração a fazer sua correta aplicação, separando adequadamente as situações que permitem a viabilização das preferências daquelas em que isso não é possível.
Essa premissa envolve a interpretação e compreensão da lógica que norteou o regime jurídico da contratação pública. É preciso ter em mente que o legislador, na estruturação do regime jurídico, separou bem alguns cenários: quando é cabível a licitação, quando é cabível a dispensa e quando é cabível a inexigibilidade. Isso é primordial para entender todo o regramento em torno da contratação pública, inclusive o regime de preferências.
Para explicar essa lógica, vamos utilizar como referencial a doutrina de Renato Geraldo Mendes, explanada no texto de autoria conjunta com Egon Bockman Moreira (2015, p. 5-9), intitulado A lógica do regime jurídico da contratação pública que precisa ser entendida por todos nós.
Seguindo essa diretriz, é preciso ter em mente que as soluções contratadas pela Administração podem ser divididas em dois grandes grupos:
No Grupo I, foram incluídos os objetos comuns, homogêneos, uniformes e padronizados, ou seja, os que podem ser definidos, comparados e julgados por meio de critérios objetivos e que devem ser contratados por licitação ou dispensa.
Os objetos do Grupo I, tidos como comuns, homogêneos, uniformes e padronizados, são aqueles que podem ser definidos, comparados e julgados por meio de critérios objetivos, o que, por um lado, garante o tratamento isonômico e, por outro, viabiliza que a contratação seja realizada por licitação ou dispensa, inclusive em razão do valor (inc. II do art. 24, por exemplo). Assim, para realizar tal contratação, não basta apenas poder julgar por critério objetivo, é indispensável também definir e comparar por meio de padrão objetivo.
O Grupo I é constituído, na sua grande maioria, por objetos que podem ser submetidos a uma compra, a qual se presta à aquisição de objetos comuns, padronizados, disponíveis prontos e acabados no mercado e que podem se submeter a uma comparação objetiva. Não se englobam nesse Grupo soluções intelectuais, soluções técnicas, profissionais especializadas, pois, para esses objetos, é impossível adotar a lógica própria das soluções do Grupo I.
No Grupo II, foram incluídos os objetos que não são comuns, homogêneos, uniformes e padronizados, ou seja, não podem ser definidos, comparados e julgados por meio de critérios objetivos e que, portanto, devem ser contratados por inexigibilidade de licitação.
Parte considerável dos objetos que compõem o Grupo II se refere aos serviços e, de modo especial, os serviços intelectuais, que, na sua totalidade, não são comuns, homogêneos, uniformes e padronizados, ou seja, não podem ser definidos, comparados e julgados por meio de critérios objetivos. Tal impossibilidade fática proíbe que se contratem as soluções do Grupo II por licitação. Por esse motivo, tais soluções devem ser contratadas por inexigibilidade de licitação. Essa foi a lógica que o legislador adotou. Daí a parte inicial do inc. XXI do art. 37 da CF.
Veja-se que o legislador, ao tratar da nova redação do inc. IV do art. 49 da Lei Complementar nº 123/06, delimitou a preferência para as contratações por dispensa pelo valor. Isso tem uma razão: o legislador priorizou as aquisições de baixo valor junto às MEs/EPPs justamente porque estas, normalmente, podem ser submetidas ao processo comparativo.
Desse modo, a lógica adotada pelo legislador parte das seguintes premissas:
a) Se dois ou mais objetos integrantes do Grupo I – passíveis, portanto, de definição, comparação e julgamento objetivos – estão disponíveis no mercado para aquisição por dispensa em razão do valor e ambos atendem à Administração, esta deve priorizar a contratação junto a uma ME/EPP.
b) Se dois ou mais objetos integrantes do Grupo II – não passíveis, portanto, de definição, comparação e julgamento objetivos – estão disponíveis no mercado, a Administração deve contratar aquele que melhor atende à sua necessidade, independentemente da natureza do fornecedor, e o fará por inexigibilidade de licitação.
Entretanto, é importante registrar que, muitas vezes, a Administração opta por formalizar uma contratação de baixo valor de objetos integrantes do Grupo II por meio de um processo de dispensa de licitação, porque, em regra, os processos embasados no art. 24, incs. I ou II, tendem a ser menos morosos.
Nesse caso, mesmo que a Administração faça a opção por formalizar a contratação de uma solução do Grupo II por meio de dispensa em razão do valor, não é possível querer assegurar preferência às MEs/EPPs, tampouco escolher a solução por menor preço em comparação com outras eventualmente existentes no mercado, pois não é viável comparar coisas totalmente diferentes. A comparação só é possível quando o objeto for uniforme e padronizado, o que não ocorre com as soluções do Grupo II.
Significa dizer que a preferência prevista no art. 49, inc. IV, não pode ser aplicada em todo e qualquer caso. Quando duas ou mais soluções igualmente atendem à necessidade administrativa e podem ser definidas, comparadas e julgadas objetivamente, aí sim, poderá ser concedida a preferência à ME/EPP. Do contrário, não havendo possibilidade de definição, comparação e julgamento objetivo, não há que se falar em preferência, mas sim no atendimento da necessidade por meio da solução que melhor lhe atenda.
Logo, a preferência a ser dada em favor das MEs/EPPs se limita às contratações de pequeno valor de objetos do Grupo I, ou seja, apenas aquisições de objetos uniformes, padronizados e homogêneos e que podem ser definidos, comparados e julgados por critérios objetivos.
Vamos exemplificar para facilitar a compreensão: a Administração pretende comprar uma TV. Avaliada a necessidade a ser atendida, foram definidas as seguintes especificações para o aparelho: tecnologia LED, 32 polegadas, com controle remoto, entrada para USB e capacidade para acessar à internet. Trata-se de objeto padronizado, definido e comparável objetivamente, portanto, integrante do Grupo I. Estando o valor dentro do limite de dispensa e não havendo outras compras objetos de mesma natureza previstas no exercício, possível será a contratação por dispensa pelo valor e, nesse caso, preferencialmente com uma ME e EPP.
Se, diversamente, a Administração pretende contratar a elaboração de um parecer técnico complexo, a inscrição em um curso de capacitação ou a contratação de qualquer outro serviço técnico e especializado, por não se tratar de objeto padronizado e comparável de forma objetiva, a escolha deve se basear em questões técnicas e na confiança depositada no prestador. Estamos falando de contratações do Grupo II, e que justificam a inexigibilidade de licitação. Ainda que, por conta do valor da contratação, esta seja formalizada com fundamento no art. 24, incs. I ou II (por serem procedimentos mais céleres), sua essência e natureza são de inexigibilidade e, por essa razão, está afastada a aplicação da preferência das MEs e EPPs. Não por outra razão, o próprio inc. IV do art. 49 exclui do regime das preferências as contratações diretas por inexigibilidade de licitação.
Assim, a premissa de que somente objetos do Grupo I podem ser submetidos à preferência prevista no art. 49, inc. IV, da Lei Complementar nº 123/06 deve nortear a resolução de todas as questões envolvendo a temática. Em outras palavras, a exceção prevista no art. 49, inc. IV, da Lei Complementar nº 123/06 tem cabimento apenas quando o objeto da contratação for parte integrante do Grupo I, jamais para objetos do Grupo II.
Compreendido esse panorama, válido pontuar, ainda, que as alterações promovidas na Lei Complementar nº 123/06 não foram minuciosas quanto ao procedimento necessário à concretização do art. 49, inc. IV, deixando a cargo de cada Administração adaptá-lo à sua própria realidade.
Assim, se a Administração utiliza o sistema de cotação eletrônica para efetuar as compras fundamentadas na dispensa em razão do valor de objetos do Grupo I, sugere-se que adapte tal procedimento no intuito de contemplar exclusivamente as micro e pequenas empresas. Aqui, deve-se atentar à premissa acima estabelecida, qual seja, que se trate de objeto do Grupo I. Por essa razão, não é possível alterar o sistema impondo que todas as dispensas pelo valor, indistintamente, devem ser realizadas com MEs e EPPs. Apenas as que envolvem contratações do Grupo I.
Ainda que a dispensa pelo valor não se opere por um sistema eletrônico, o procedimento deverá ser adaptado e, se a contratação é do Grupo I, o procedimento deve ser instruído e a dispensa formalizada com MEs e EPPs preferencialmente.
De um modo ou de outro, a contratação das MEs e EPPs, em atenção ao art. 49, inc. IV, da Lei Complementar nº 123/06, e com base no art. 24, incs. I e II, da Lei de Licitações, deve atentar quanto ao efetivo cumprimento dos requisitos exigidos, em especial no que tange à motivação em torno do particular (o que abrange os requisitos de habilitação) e do preço a ser praticado, nos termos do art. 26, parágrafo único, da Lei de Licitações.
Em suma:
– O tratamento diferenciado e favorecido das MEs e EPPs previsto nos arts. 47 e 48 da LC nº 123/06 deverá ser observado nas hipóteses de dispensa em razão do valor, previstas no art. 24, incs. I e II, da Lei de Licitações, quando se tratar de soluções passíveis de definição, comparação e julgamento objetivos, isto é, soluções do Grupo I. Não se insere aqui, portanto, a contratação de soluções do Grupo II, sejam elas realizadas por inexigibilidade ou dispensa de licitação em razão do valor, visto que não são passíveis de definição, comparação e julgamento objetivos.
– A par disso, caberá a cada Administração pormenorizar os aspectos procedimentais necessários ao cumprimento de tal disposição, uma vez que a norma trazida pela LC nº 147/14 não o faz. Logo, o procedimento adotado pela Administração para fundamentar suas contratações diretas em função do valor deverá ser adaptado de modo a garantir a preferência das MEs e EPPs nos casos em que a solução for passível de definição, comparação e julgamento objetivos.
Por fim, reforça-se a importância da leitura do texto intitulado A lógica do regime jurídico da contratação pública que precisa ser entendida por todos nós, de autoria conjunta de Renato Geraldo Mendes e Egon Bockman Moreira, publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), janeiro/2015. O texto traz informações de suma relevância para a compreensão de todo o contexto aqui apresentado, bem como para um melhor entendimento da lógica que norteia todo o regime jurídico da contratação pública, especialmente o da Lei nº 8.666/93.
REFERÊNCIA
MOREIRA, Egon Bockmann; MENDES, Renato Geraldo. A lógica do regime jurídico da contratação pública que precisa ser entendida por todos nós. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 251, p. 5-9, jan. 2015.
Nota: Esse material foi originalmente publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 253, p. 278-281, mar. 2015, seção Orientação Prática. A Revista Zênite e a Web Zênite Licitações e Contratos tratam mensalmente nas seções Orientação Prática e Perguntas e Respostas das dúvidas mais frequentes e polêmicas referentes à contratação pública. Acesse www.zenite.com.br e conheça essas e outras Soluções
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