Dada empresa contratada foi penalizada com multa em razão do atraso no cumprimento da avença. A Administração Pública reteve os pagamentos devidos de parcelas adimplidas até que o contratado recolhesse o valor correspondente à multa aplicada. Esse procedimento adotado pela Administração está de acordo com a ordem jurídica vigente?
Cumpre à Administração observar o procedimento previsto na Lei nº 8.666/93 para a cobrança da multa de mora ao contratado, cuja finalidade consiste em indenizar a contratante pelo atraso imotivado no cumprimento da obrigação.
Sobre o assunto, o art. 86 estabelece em seus parágrafos a forma a ser observada para a cobrança da multa moratória aplicada após regular processo administrativo.
De acordo com o procedimento legal, caso a multa não seja paga espontaneamente pelo contratado, a Administração poderá efetuar o desconto do valor correspondente da garantia contratual prestada, se exigida no ato convocatório da licitação. Se o valor da multa for superior ao prestado em garantia ou esta não tiver sido exigida, a Administração poderá efetuar o desconto de eventuais pagamentos devidos ao particular. Não havendo ou não sendo satisfatório o valor da garantia contratual e dos pagamentos devidos, restará à Administração apenas a via judicial para execução dessa cobrança.
Assim, retira-se da literalidade dos §§ 2º e 3º do art. 86 da Lei de Licitações que a multa poderá ser cobrada pela Administração contratante das seguintes formas, sucessivamente:
a) Descontada da garantia contratual prestada, desde que exigida no ato convocatório da licitação.
b) Sendo o valor da multa superior ao prestado em garantia, será o restante descontado de eventuais pagamentos devidos pela Administração ao contratado.
c) Cobrada judicialmente.
Essa compreensão baseada nos termos literais da norma, no sentido de estabelecer uma gradação obrigatória a ser seguida para a quitação das multas, não parece ser a melhor.
Em vez de concluir que o procedimento para a cobrança da multa moratória regularmente aplicada deva ser sempre este, ou seja, primeiro executar a garantia contratual, para somente depois descontar eventual diferença de pagamentos devidos à contratada, entende-se que a Lei nº 8.666/93 estabeleceu formas possíveis de serem empregadas pela Administração, mas sem fixar uma ordem para sua aplicação. Sob esse enfoque, fica a Administração autorizada a escolher o procedimento de cobrança que, de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, se mostrem mais eficientes para a cobrança da multa moratória, entre aqueles previstos nos parágrafos do art. 86.
Essa compreensão encontra amparo na interpretação sistemática da lei. E, nesse exame, é fundamental tomar como base a regra contida no art. 80, incs. III e IV, da Lei nº 8.666/93, os quais colocam em pé de igualdade, como efeitos da rescisão, a possibilidade de a Administração reter créditos e executar as garantias prestadas pelo contratado, visando à recomposição dos prejuízos provocados pelo inadimplemento.
Marçal Justen Filho, ao tratar da cobrança da multa moratória, defende ideia similar, ao sustentar:
o valor da multa será compensado com os créditos que o particular tiver a receber. Se insuficientes esses créditos, a Administração poderá recorrer à garantia e promover a cobrança judicial, nos termos aludidos no comentário ao art. 80, III. (JUSTEN FILHO, 2010, p. 880.)
É dizer: uma vez aplicada a multa, a Administração poderá decidir entre executar a garantia, descontar créditos ou cobrá-la administrativa/judicialmente, sem que uma alternativa obrigatoriamente prefira a outra.
Contudo, atente-se, a adoção de qualquer procedimento para a cobrança da multa requer, primeiro, sua regular aplicação. Significa dizer, na situação em exame, que a retenção de pagamentos para quitação da multa moratória requer o necessário trânsito em julgado do processo administrativo no qual essa sanção tenha sido aplicada à contratada. A retenção sem a aplicação da multa como resultado de regular processo administrativo constitui ato ilegal.
Embora esse seja o entendimento da Consultoria Zênite, importa destacar que o Plenário do Tribunal de Contas da União se posicionou de forma diversa em precedente isolado, no qual determina ao órgão jurisdicionado que reformule o conteúdo da minuta de contrato, a fim de estabelecer, prioritariamente, nos casos de atraso injustificado na execução do contrato, desconto da respectiva multa da garantia do contratado e, caso seja esta insuficiente, desconto dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração, de modo a ajustar os referidos dispositivos aos ditames do Art. 86 da Lei nº 8.666/93. (Acórdão nº 598/2007 – Plenário).
Em síntese, finalizado o regular processo administrativo com base no qual se aplicou multa moratória à contratada, fica a Administração autorizada a executar seu valor da garantia contratual ou descontá-lo de eventuais pagamentos devidos à empresa contratada, sem que uma alternativa obrigatoriamente prefira a outra. Nesses termos, na situação indagada, revela-se lícita a retenção de pagamentos devidos desde que esses valores sejam destinados à quitação da multa moratória regularmente aplicada.
REFERÊNCIA
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010.
Nota: Esse material foi originalmente publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 253, p. 291, mar. 2015, seção Perguntas e Respostas. A Revista Zênite e a Web Zênite Licitações e Contratos tratam mensalmente nas seções Orientação Prática e Perguntas e Respostas das dúvidas mais frequentes e polêmicas referentes à contratação pública. Acesse www.zenite.com.br e conheça essas e outras Soluções Zênite.