Recentemente publiquei um “post” no qual dissertei, sucintamente, acerca das hipóteses de retenção dos pagamentos devidos pela Administração.
Naquela oportunidade, defendi que era possível proceder à retenção em face da constatação de ausência das condições de habilitação relativas à regularidade fiscal, previdenciária ou fundiária.
Nesse momento, volto à discussão, tendo em vista o recente julgado do TCU, Acórdão nº 964/2012 – Plenário, que, em principio, aduz que a falta de comprovação da regularidade fiscal e o descumprimento de cláusulas contratuais não enseja a retenção do pagamento.
Sendo assim, transcrevo trecho do citado Acórdão, exarado em sede de Consulta, no qual referida Corte de Contas parece pacificar seu entendimento no sentido de que “A perda da regularidade fiscal no curso de contratos de execução continuada ou parcelada justifica a imposição de sanções à contratada, mas não autoriza a retenção de pagamentos por serviços prestados”, para então passar a tecer alguns comentários:
“Consulta formulada pelo Ministério da Saúde suscitou possível divergência entre o Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) 401/2000 e a Decisão nº 705/1994 – Plenário do TCU, relativamente à legalidade de pagamento a fornecedores em débito com o sistema da seguridade social que constem do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf). A consulente registra a expedição, pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão de orientação baseada no Parecer 401/2000 da PGFN, no sentido de que “os bens e serviços efetivamente entregues ou realizados devem ser pagos, ainda que constem irregularidades no Sicaf”. Tal orientação, em seu entendimento, colidiria com a referida decisão, por meio do qual o Tribunal firmou o entendimento de que os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal devem exigir, nos contratos de execução continuada ou parcelada, a comprovação, por parte da contratada, da regularidade fiscal, incluindo a da seguridade social. O relator, ao endossar o raciocínio e conclusões do diretor de unidade técnica, ressaltou a necessidade de os órgãos e entidade da Administração Pública Federal incluírem, “nos editais e contratos de execução continuada ou parcelada, cláusula que estabeleça a obrigação do contratado de manter, durante a execução do contrato, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”, além das sanções resultantes de seu descumprimento. Acrescentou que a falta de comprovação da regularidade fiscal e o descumprimento de cláusulas contratuais “podem motivar a rescisão contratual, a execução da garantia para ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração e a aplicação das penalidades previstas no art. 87 da Lei nº 8.666/93, mas não a retenção do pagamento”. Caso contrário estaria a Administração incorrendo em enriquecimento sem causa. Observou, também, que a retenção de pagamento ofende o princípio da legalidade por não constar do rol do art. 87 da Lei nº 8.666/93. O Tribunal, então, decidiu responder à consulente que os órgãos e entidades da Administração Pública Federal devem: a) “… exigir, nos contratos de execução continuada ou parcelada, a comprovação, por parte da contratada, da regularidade fiscal, incluindo a seguridade social, sob pena de violação do disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal”; b) “… incluir, nos editais e contratos de execução continuada ou parcelada, cláusula que estabeleça a obrigação do contratado de manter, durante a integral execução do contrato, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, prevendo, como sanções para o inadimplemento a essa cláusula, a rescisão do contrato e a execução da garantia para ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração, além das penalidades já previstas em lei (arts. 55, inciso XIII, 78, inciso I, 80, inciso III, e 87, da Lei nº 8.666/93)”. Acórdão n.º 964/2012-Plenário, TC 017.371/2011-2, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, 25.4.2012.” (Destaquei)
À luz dessa manifestação mais recente, numa análise superficial, seria possível concluir que não caberia a retenção do pagamento no caso de comprovado descumprimento de cláusula contratual (inclusive no tocante à regularidade fiscal). Contudo, a meu ver, essa não parece ser a melhor conclusão.
Isso por que, ao mesmo tempo em que o julgado afirma não caber a retenção do pagamento em face da constatação de descumprimento de cláusula contratual, também afirma que a falta de manutenção das condições de habilitação pode ensejar a aplicação de sanções, a rescisão do contrato e a execução da garantia para ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração.
Ou seja, a falta de manutenção das condições de habilitação configura descumprimento contratual passível de motivar a rescisão (unilateral) do ajuste.
Ora, o art. 80, inc. IV, da Lei nº 8.666/93 prevê, como efeito da rescisão unilateral (sem prejuízos das sanções previstas) a “retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração.” (Destaquei)
Diante disso, entender pela “vedação” à retenção do pagamento no caso de descumprimento contratual seria ignorar o comando normativo que objetiva, justamente, proteger o erário.
Mas, então, como compatibilizar o julgado exarado pelo TCU com esse dispositivo legal? Arrisco afirmar que a conduta indicada no referido acórdão tem a finalidade de evitar as situações em que, mesmo em face de descumprimento de cláusula contratual pela contratada, a Administração mantém o contrato, embora sem realizar o pagamento.
Assim, em que pese o atual julgado do TCU, ouso defender o cabimento da retenção do pagamento (até o limite dos prejuízos sofridos pela Administração) no caso de rescisão unilateral do contrato em decorrência de descumprimento de cláusula contratual, tendo em vista o teor do art. 80, inc. IV, da Lei nº 8.666/93.