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Terceirização em foco - Inclui novidades do Decreto nº 12.174/2024
por Equipe Técnica da ZêniteCapacitação Online | 18 a 21 de fevereiro
Você compraria algum equipamento em uma loja que, no mês anterior, atrasou injustificadamente a entrega do bem? E contrataria o prestador de serviço que, em contrato anterior, não cumpriu todas as obrigações assumidas, causando prejuízos e insatisfação?
Eu não contrataria e, muito provavelmente, a maior parte das pessoas pensa como eu. Afinal, ainda que todos mereçam o perdão e uma segunda chance, essa é uma premissa cristã e nem sempre se aplica às relações capitalistas, de sorte que, em um mercado competitivo, falhar na execução de um contrato pode e certamente significará perder clientes.
Acontece que esse contexto aplica-se perfeitamente às relações contratuais desenvolvidas sob a égide do direito privado, no qual vige o princípio da liberdade plena. Esse regime permite às partes ajustarem tudo aquilo que a lei não proíbe. As relações contratuais travadas pela Administração Pública submetem-se a outro regime jurídico, o de direito público, no qual a premissa é inversa: as partes somente podem pactuar aquilo que a lei permite.
Essa distinção estrutural entre o regime jurídico de direito privado e o de direito público faz com que a Administração corra o risco de se sujeitar a fazer nova compra ou contratar a prestação de novo serviço com aquele fornecedor que acabou de falhar na execução de contrato anterior.
E isso não ocorre porque a Administração ignora os preceitos do mundo capitalista e prefere aplicar princípios cristãos em suas relações contratuais, mas porque o regime jurídico aplicável às suas relações contratuais prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, inc. LVII, da CF/88). Trata-se da presunção da inocência, consagrada como direito fundamental pela Constituição da República, que assegura também que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, inc. LIV, da CF/88).
Assim, a única forma de evitar nova contratação daquele que falhou na execução de contrato anterior, impondo prejuízo ao interesse público, consiste na aplicação do remédio previsto pelo próprio regime jurídico dos contratos administrativos e que atende à garantia constitucional da presunção da inocência, qual seja, a aplicação de sanções administrativas que restrinjam a participação em licitações e a contratação com a Administração Pública, mediante a observância do devido processo legal.
No Acórdão nº 1.067/2011, publicado no DOU de 05/05/2011, o Plenário do TCU confirma essa conclusão ao alertar à entidade jurisdicionada: “abstenha-se de incluir, nos editais de procedimentos licitatórios, cláusula impedindo a participação de empresas com obrigações inadimplidas em outros contratos, antes do exaurimento do regular procedimento de apuração, por contrariar a jurisprudência deste Tribunal (cf., por exemplo, o Acórdão nº 1.205/2010 – 2ª Câmara)”.
Acontece que o exaurimento do regular procedimento de apuração pode demandar dias, meses, quiçá anos, sem qualquer exagero. Enquanto isso, a empresa continua participando das futuras licitações?
Se a resposta for positiva para todo e qualquer caso, corre-se o risco de a Administração promover a rescisão unilateral de um contrato de prestação de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra, tendo como motivo o inadimplemento reiterado das obrigações trabalhistas da contratada, por exemplo, e, na sequência, ao instaurar nova licitação para execução dos serviços, (adivinhem!) a mesma empresa sagrar-se vencedora. Lembro que o mesmo Plenário do TCU, no Acórdão nº 549/2011, a exemplo de vários outros em igual sentido, considera ilegal a exigência de Certidões Negativas de Débitos Salariais e de Infrações Trabalhistas, uma vez que são documentos previstos nos arts. 29 e 30 da Lei nº 8.666/93.
Ao que me parece, a presunção deve sim ser a da inocência. Contudo, esse valor inserido na Constituição da República não é absoluto. Ao lado dele coexistem outros diversos valores e princípios que devem ser sopesados pelo administrador público quando do exercício da função administrativa. E, nessa atividade, a supremacia do interesse público sobre o interesse privado (o que não deve ser confundido com a ditadura do interesse público sobre o privado) deve prevalecer.
O que quero dizer é que a presunção da inocência é garantia assegurada às pessoas naturais e jurídicas e deve sim ser aplicada nas relações com a Administração Pública, mas sem conduzir a risco ou mesmo prejuízo ao interesse público.
Daí porque me parece razoável e plenamente possível admitir que, durante o desenvolvimento do processo administrativo com vistas à aplicação de sanção administrativa à contratada, a Administração Pública impeça essa empresa de participar de licitações e firmar novos contratos, desde que, de forma motivada, demonstre a existência do potencial risco que a falta dessa medida representaria ao interesse público.
Trata-se de assegurar ao gestor público autonomia para, diante de situações excepcionais e críticas, adotar soluções também excepcionais, mas indispensáveis para assegurar a melhor tutela do interesse público. O que não me parece crível é, sob o manto da presunção da inocência, permitir que empresas irresponsáveis (sob o prisma da responsabilidade e da função social) continuem lesando a Administração Pública no curso dos processos administrativos sancionatórios.
Se até no Direito Penal, que trata da liberdade das pessoas, o princípio da presunção da inocência sofre mitigação, permitindo a prisão preventiva para a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, por que não admitir a adoção de medida administrativa preventiva?
Por certo que esse ato da autoridade administrativa ficaria submetido aos controles administrativo e judicial. Verificado o abuso, o desvio ou mesmo a falta de razoabilidade e proporcionalidade na medida restritiva aplicada, em vista da inexistência de “justo receio de dano ao interesse público”, a Administração Pública estaria sujeita a responder civilmente pelos danos gerados à empresa, podendo e devendo exercer seu direito de regresso em face do agente, bem como aplicar-lhe as medidas funcionais cabíveis.
Assim como não se deseja o abuso da autoridade e do poder pelos representantes da Administração Pública, também não se pode admitir a continuidade de ações que lesam o interesse público a partir do abuso no uso de prerrogativas, garantias e direitos fundamentais por aqueles que se relacionam com a Administração.
Essa rápida reflexão não tem o objetivo de esgotar o assunto, mas se propõe a fomentar um debate que me parece indispensável: os limites a serem observados nas relações entre público e privado, especialmente se tratando da imposição de medidas restritivas de direito pela Administração Pública. Envie sua colaboração.
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