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80 anos de idade – Antônio Carlos Cintra do Amaral
Pedi autorização para o jurista e amigo Antônio Carlos Cintra do Amaral para veicular no nosso blog o texto que recebi dele e que fala dos seus 80 anos de idade, completados em novembro último. É um texto que revela sabedoria de quem soube viver a vida. Assim, tomo a liberdade de partilhar com vocês (nossos leitores) o que foi escrito pelo ilustre amigo.
Eis o texto:
“Em novembro de 2012, completei 80 anos de idade. Sinto-me surpreso por haver alcançado idade tão avançada. Nunca pensei completar os 80 anos. Muito menos nas condições físicas e mentais em que me encontro.
Sou de uma geração que foi criada com uma perspectiva de vida bem menor que a atual. As pessoas, quando chegavam aos 40 anos, recebiam o conselho médico de que se poupassem. Nenhum grande esforço, físico ou mental, era admissível, muito menos recomendável.
Domenico De Masi, sociólogo italiano, escreve, em seu “O Ócio Criativo”, que o homem de Neanderthal vivia em média 29 anos. Entre ele e nossos bisavós a expectativa de vida aumentou apenas cinco ou seis anos, dependendo do sexo. Isso ao longo de oitocentas gerações. Em apenas duas gerações aumentou 40 anos. É verdade que Cícero escreveu seu “De Senectute” com a espantosa idade de 62 anos. Mas era raro, tanto é que o livro de Cícero permaneceu durante séculos como um verdadeiro tratado sobre a velhice. O octogenário, salvo exceções – como diz Norberto Bobbio em seu ensaio igualmente intitulado “De Senectute” – era considerado um velho decrépito, de quem não valia a pena se ocupar.
Em 1972, quando estava prestes a completar os 40 anos, lembro haver lido um artigo de Ziraldo, apreensivo porque também ele estava por atingir essa fatídica idade, só que um mês antes de mim, em outubro. Hoje, estamos os dois com 80, pelo menos eu sem saber o porquê.
Não posso dizer que minha vida tenha sido mansa e tranquila, mas penso que ela tem sido razoável, apesar dos esforços daqueles que em 1964 chegaram a perseguir-me e forçar-me a sair da minha terra, paradoxalmente em nome da liberdade e da democracia.
Na minha nova terra, São Paulo, reconstruí minha vida, voltando-me para o estudo e a prática do Direito. Ao dedicar-me à ciência jurídica, descobri Hans Kelsen. Aprendi muito com a leitura do eminente jurista austríaco, bem como a de Norberto Bobbio, Hart e Alf Ross. Lembro os tempos de Faculdade, quando era comum encontrar quem afirmasse ser frontalmente contrário a Kelsen, embora jamais o houvesse lido. A leitura de suas obras, especialmente a “Teoria Pura do Direito” e a “Teoria Geral das Normas”, aliada à reflexão sobre a realidade, levou-me à compreensão de que o Direito é o que é, e não o que deveria ser.
Essa visão realista levou-me a separar os papeis que exercemos. Como cientistas ou operadores, cabe-nos interpretar, descrever e aplicar o Direito, pleonasticamente dito positivo, na feliz expressão do jurista alemão Norbert Hoerster. No exercício de outro papel, como o de filósofo ou militante político, podemos criticar o Direito que é, e defender o que deveria ser. Confundir os papeis serve apenas para retirar a autoridade do jurista …
Quando cheguei à idade de vestir pijama e calçar chinelos, decidi jogar tênis, isso mesmo porque os joelhos, sem meniscos, não me permitiam mais a prática das queridas “peladas” de futebol. Foi nessa época que tomei conhecimento de um tal “teste de Cooper”, que como “teste” não valia nada, mas que como “método” revolucionou minha vida: ainda hoje pratico, quatro ou cinco dias por semana, exercícios aeróbicos de bicicleta ergométrica e anaeróbicos de musculação.
Chego aos 80 anos emitindo pareceres, proferindo aulas e palestras, realizando seminários e escrevendo artigos e livros. Só neste ano, foram publicados dois livros meus: o 10° livro jurídico (“Concessão de Serviços Públicos – Novas Tendências”) e o 3° de ficção (“O Coronel de Amendoeira”, romance).
Creio que a idade me tornou mais tolerante e compreensivo com os outros, se bem que continuo a indignar-me com o radicalismo, a arrogância, o preconceito, o desrespeito à Constituição e o abuso de poder, tudo aquilo que é contrário a minhas convicções democráticas. Convicções que eram – como escrevi em meu livro de memórias “Desvio de Rota” (2006) – de uma geração de jovens idealistas, proscrita pelo golpe de 1964.
Continuo convicto de que em uma verdadeira democracia quem governa deve ter controlada a legalidade de seus atos, quem legisla não pode praticar inconstitucionalidades, muito menos por omissão, quem julga não pode manter as partes indefinidamente “sub iudice”, vale dizer, indefinidamente sob seu poder, e a quem controla não cabe governar, legislar ou julgar.
Chego, enfim, aos 80 anos com uma certeza inabalável: NINGUÉM É ‘DONO DA VERDADE’!”.
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