Orientações da AGU sobre o tratamento e gestão dos contratos de terceirização durante a pandemia de Covid-19

Terceirização

Devido
à situação excepcional vivida atualmente, em virtude da pandemia de covid-19,
os órgãos da Administração Pública em geral vêm realizando uma série de
mudanças e adaptações no sentido de migrar boa parte dos colaboradores para o
regime de teletrabalho/home office,
em um esforço para reduzir a taxa de contaminação pelo vírus Sars-Cov-19
(coronavírus).

Contudo,
ressalta-se que as alternativas formuladas pelo Poder Público a fim de lidar
com os impactos da pandemia foram pensadas com vistas a balizar a atuação de
servidores, empregados públicos, estagiários e demais colaboradores que possuem
vínculo direto com a Administração
Pública
, não tendo sido emitida, porém, orientação normativa central para
esclarecer o tratamento que deve ser dado aos empregados terceirizados, os quais possuem vínculo jurídico
contratual com as empresas contratadas pela Administração.

Essa
situação levou administradores de todo o país a um cenário de incertezas e
insegurança na tomada de decisões, o que, por sua vez, motivou a formulação de
questionamentos com vistas a esclarecer o tratamento que deve ser dado aos
contratos terceirizados no âmbito da Administração Pública. A Advocacia-Geral
da União (AGU), nesse ínterim, publicou três pareceres consultivos sobre o
assunto, formulando uma análise jurídica da questão e indicando possíveis
caminhos para a gestão dos contratos terceirizados no âmbito da pandemia do
novo coronavírus.

Foram
publicados o Parecer nº 106/2020, formulado pelo Departamento de Assuntos
Jurídicos Internos (DAJI) da Secretaria Geral de Consultoria/AGU; o Parecer nº
63/2020, publicado pela Consultoria Jurídica junto à Controladoria Geral da
União (CONJUR-CGU/AGU); e o Parecer nº 310/2020, elaborado pela Consultoria
Jurídica junto ao Ministério da Educação (CONJUR-MEC), vinculada à Consultoria
Geral da União/AGU.

Destaca-se
que as deliberações propostas pela Advocacia-Geral da União no contexto dos
pareceres supracitados dizem respeito a medidas mitigadoras destinadas aos
casos em que a Administração decide manter vigentes os contratos de prestação
de serviços terceirizados, uma vez que não se exclui a eventual possibilidade
de rescisão contratual unilateral pela Administração, por motivo de força
maior, em especial nos casos em que esta for comprovadamente a medida mais
benéfica aos interesses públicos.

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Os
pareceres em questão versam sobre diferentes aspectos e reflexos contratuais
decorrentes dos impactos da covid-19 nos contratos firmados pela Administração
com empresas prestadoras de serviços terceirizados e, devido ao fato de terem
sido formulados por órgãos consultivos diversos, alguns questionamentos se
repetem, motivo pelo qual será feita uma análise conjunta das orientações
enunciadas em cada parecer.

É possível a substituição dos empregados terceirizados que integram
grupos de risco?

Sim. Primeiramente, destaca-se que são enquadrados como pertencentes aos grupos de risco, segundo o Ministério da Saúde, pessoas acima de 60 anos, portadores de doenças cardiovasculares ou respiratórias, diabéticos, portadores de doença neurológica ou renal, bem como pessoas que tenham comorbidades tais quais imunodepressão, obesidade, asma e puérperas [1].

No âmbito do Parecer nº 106/2020 [2], a Secretaria-Geral de Administração, através da Nota Técnica n. 35/2020/CLOG/SGA/AGU, formulou questionamento acerca da possibilidade de exigir que as empresas contratadas pela Administração façam a substituição de empregados terceirizados que estejam enquadrados nos chamados grupos de risco. A conclusão exposta no parecer elaborado pelo Departamento de Assuntos Jurídicos Internos (DAJI) da Secretaria Geral de Consultoria/AGU foi no sentido de que é possível à Administração, sim, proceder a tal exigência.

Isso
porque, apesar de haver vedação ao direcionamento na contratação de
terceirizados para trabalhar nas empresas contratadas (vide art. 5º, inciso III
da Instrução Normativa nº 5, de 26 de maio de 2017, que dispõe sobre as regras
e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de
execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica
e fundacional), tem-se que, em virtude da excepcionalidade e gravidade da
situação atual, não parece ilegal a tentativa de negociar com a empresa o
remanejamento das pessoas enquadradas nos grupos de risco para atividades
dentro da própria empresa terceirizada, ou que possam ser executadas de modo
remoto, destinando pessoas menos vulneráveis às atividades que exijam
exclusivamente execução presencial.

Ademais, o parecer ressaltou que o próprio portal de compras do Governo Federal [3] já recomendou o levantamento dos empregados pertencentes aos grupos de risco para a avaliação da necessidade de suspensão ou substituição temporária na prestação de serviços por esses terceirizados, nos termos das “Recomendações Covid-19 – Contratos de prestação de serviços terceirizados”, que orientam a aplicação por analogia da Nota Técnica nº 66/2018- Delog/Seges/MP para o contexto de pandemia.

O Parecer nº 310/2020 [4], por sua vez, endossa esse entendimento, citando, inclusive, o mesmo art. 3º das “Recomendações Covid-19 – Contratos de prestação de serviços terceirizados”. Segundo a manifestação, que orienta o afastamento dos prestadores de serviço terceirizados que se encontram no “grupo de risco”, será aplicado o art. 3º da Lei nº 13.979/2020, que estabelece que “para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas: (…) “§ 3º Será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo”.

Logo,
a área de recursos humanos pode conceder falta justificada nesta hipótese,
assim como os encarregados dos contratos de terceirização podem fazer uso de
tais medidas. A verificação de pertencimento do empregado terceirizado ao grupo
de risco, por sua vez, caberá à própria empresa terceirizada que, tão logo
encaminhada a autodeclaração de pertencimento feita pelo empregado, avaliará
caso a caso se o trabalhador em questão faz jus à liberação, por estar este
incluído no grupo de risco.

O
parecer ressaltou, ainda, que não cabe à Administração esse encargo, em razão
de não ser ela a empregadora, mas, sim, a tomadora do serviço. Caberá à
Administração tão somente solicitar à empresa contratada relatório sobre os
empregados afastados, identificando a motivação e o período de afastamento
respectivo, que deverá ser acordado entre a Administração Pública e a empresa,
em virtude da instabilidade vivenciada.

É possível inserir os terceirizados em trabalho remoto?

Sim. Acerca da
viabilidade de inserção dos empregados terceirizados em trabalho remoto, todos
os pareceres emitidos pela Advocacia-Geral da União se mostraram favoráveis à
tal alternativa, desde que verificada a possibilidade de realização das
atividades em regime de teletrabalho.

Nos
termos do Parecer nº 106/2020, a
Instrução Normativa nº 21, de 16 de março de 2020, que traz orientações aos
órgãos e entidades do Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal
– SIPEC, estabelece, em seu art. 6º-A, as medidas de proteção para
enfrentamento da emergência de saúde pública, bem como, no art. 7º, que “Caberá
ao Ministro de Estado ou à autoridade máxima da entidade, em conjunto com o
dirigente de gestão de pessoas, assegurar a preservação e funcionamento das
atividades administrativas e dos serviços considerados essenciais ou
estratégicos, utilizando com razoabilidade os instrumentos previstos nos art.
6º-A e art. 6º-B, a fim de assegurar a continuidade da prestação do serviço
público”.

Segundo
o parecer, apesar de a referida Instrução Normativa ter sido expedida para os
servidores com vínculo direto com a Administração Pública, não há qualquer
razoabilidade em desvincular os serviços terceirizados da prestação efetiva do
serviço público. Assim, tendo em vista o contexto atual, a AGU manifestou-se no
sentido de que o art. 7º da Instrução Normativa nº 21 autoriza o Excelentíssimo
Senhor Advogado-Geral da União a, em caráter excepcional e temporário, visando
assegurar a continuidade de prestação do serviço público, adotar as medidas
gerais de prevenção, cautela e redução da transmissibilidade previstas nos
arts. 6º-A e B da referida IN, consistentes na adoção de regime de jornada em
turnos alternados de revezamento ou em trabalho remoto, para aqueles
terceirizados que exerçam atividades compatíveis com esta modalidade.

Por sua vez, o Parecer nº 63/2020 [5] concluiu que, respeitados os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, bem como da eficiência, há possibilidade de ajustar o acompanhamento dos contratos terceirizados para viabilizar a execução desses contratos de forma remota. Portanto, ante a excepcionalidade da pandemia, o órgão em questão sustenta a viabilidade de se orientar a maneira de execução dos contratos terceirizados, de forma a permitir sua execução remota. Isso, contudo, deverá ser feito por meio da avaliação de pertinência, e com base na singularidade de cada atividade prestada, nos termos das já mencionadas “Recomendações Covid-19 – Contratos de Prestação de Serviços Terceirizados”.

Ademais,
o Parecer nº 310/2020 também
posicionou-se no sentido de que é possível o trabalho remoto por parte dos
empregados terceirizados, assinalando, porém, que serão necessários ajustes na
relação trabalhista em questão, devendo ser avaliado pela Administração
juntamente com a empresa contratada quais atividades poderão ser exercidas por
meio do teletrabalho.

Quais os reflexos salariais decorrentes da “suspensão” de contratos
terceirizados e da inserção de trabalhadores em regime de teletrabalho?

Quanto
aos reflexos salariais advindos da suspensão dos contratos de trabalho com os
empregados terceirizados
, o Parecer
nº 310/2020
assinala que, no caso do terceirizado que integra grupo de
risco, trata-se em verdade de hipótese de interrupção do contrato de trabalho, uma vez que há contagem
do tempo de serviço, bem como manutenção dos encargos trabalhistas devidos pelo
empregador, visto que os efeitos da interrupção irão atingir apenas a cláusula
de prestação obreira de serviços, mantidas em vigência as demais cláusulas
contratuais. Nesse caso, não se presta trabalho, tampouco se fica à disposição,
mas se computa o tempo de serviço e paga-se o salário.

No
âmbito do Parecer nº 106/2020 foi
exarado entendimento semelhante, destacando que, conforme recomendação
constante do portal de compras governamentais, é possível suspender/reduzir o
efetivo de terceirizados, nos termos da Nota Técnica nº 66/2018-
Delog/Seges/MP, sendo tal redução ou suspensão, contudo, efetuada sem prejuízo
da remuneração. Nesse sentido, as únicas parcelas cujo pagamento pode deixar de
ser efetivado são as referentes ao auxílio-alimentação e ao vale-transporte dos
dias não trabalhados efetivamente.

É possível a manutenção do pagamento do benefício de vale-transporte e
auxílio-alimentação para os terceirizados inseridos em regime de teletrabalho?

Para
os terceirizados inseridos em regime de teletrabalho/home office,
por sua vez, o Parecer nº 310/2020
dispõe que serão descontadas apenas as parcelas referentes ao vale-transporte,
visto que não há custo com deslocamento a ser ressarcido ao empregado. Isso
porque, nos termos da Lei nº 7.619/1987, o vale-transporte será concedido “para
utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e
vice-versa”, não havendo que se falar em pagamento desta verba no caso de
ausência de deslocamento por parte do empregado terceirizado.

Quanto
ao vale-alimentação e vale-refeição, uma vez que não há obrigação legal ao
fornecimento de nenhum dos dois benefícios, sendo a sua concessão uma
liberalidade do empregador, o terceirizado afastado poderá continuar a receber ou
ter seu benefício reduzido/cessado, a depender do que estiver previsto na
Convenção Coletiva de Trabalho da categoria. Destaca-se que, regra geral, os
valores despendidos a título de vale-alimentação ou vale-refeição possuem
natureza salarial, motivo pelo qual deve ser mantido seu pagamento em caso de
execução de trabalho remoto por parte dos terceirizados.

Por
fim, o Parecer nº 63/2020 se
manifestou pela viabilidade jurídica de recebimento do benefício de
vale-alimentação pelos colaboradores que estejam inseridos em trabalho remoto, uma
vez que a prestação do serviço do terceirizado permanece ocorrendo, apenas se
dá de forma remota. Nesse sentido, o terceirizado deve receber o que determina
a convenção trabalhista firmada pelo sindicato da categoria, ou, caso não haja
estipulação específica em convenção de trabalho, mas a empresa ofereça
espontaneamente o benefício para todos os seus empregados, cabe a ela manter os
benefícios mesmo que em trabalho remoto. Quanto ao vale-transporte, porém, a
conclusão foi no sentido de que é incabível, visto que não há deslocamento do
trabalhador em questão que enseje o pagamento da benesse.

De quem é a responsabilidade pela gestão contratual?

Do particular contratado pela
Administração
. Quanto à gestão do contrato, o Parecer nº 63/2020 apresentou conclusão
no sentido de que cabe à Administração Pública orientar a sua execução, nos
termos dos  do §§ 1º e 2º do art. 67 da
Lei nº 8.666/1993, cabendo ao particular, contudo, a execução propriamente dita
da gestão do trabalho remoto por parte dos terceirizados, sob pena de ocorrer
indevida assunção por parte da Administração da relação trabalhista entre a
empresa terceirizada e seus colaboradores. Dessa forma, a gestão efetiva do
trabalho remoto deve ser realizada pelo encarregado dos contratos, e não pela
Administração, no intuito de não configurar a gestão direta contratual por
parte desta.

É possível realizar ajustes contratuais sem a devida formalização dos
termos aditivos?

Sim. No que tange à
formalização dos ajustes contratuais necessários para permitir a execução do
teletrabalho pelos empregados terceirizados, o parecer aduziu, ainda, acerca da
possibilidade de que sejam encaminhados às empresas comunicados de ajustes
contratuais, mediante justificativa no bojo do processo administrativo que
evidencie o interesse público envolvido na alteração contratual, ressaltando
que as alterações que gerem economicidade e melhoria na gestão e alocação de
recursos não caracterizam ingerência, tendo em vista o interesse público em se
evitar gastos indiretos à Administração.

O Parecer nº 106/2020, na mesma linha,
apresentou conclusão no sentido de que, tendo em vista a situação
excepcionalíssima e emergencial enfrentada, caso não haja tempo hábil para a
formalização do termo aditivo contratual sem ampliação do risco a vidas
humanas, a área competente deve juntar a devida justificativa de
impossibilidade ao processo administrativo. Contudo, uma vez que a
suspensão/redução constitui modificação das cláusulas contratuais, nos termos
da Nota Técnica nº 66 – 2018 – Delog/Seges/MP, impõe-se a posterior
formalização em termo aditivo.

A empresa prestadora de serviços terceirizados tem direito ao
reequilíbrio financeiro do contrato?

Nos
termos do Parecer nº 106/2020,
havendo negativa da empresa quanto à determinação de suspensão/redução dos
contratos por conta de questões econômico-financeiras (por exemplo, sob a
alegação de que a planilha de formação de preços somente contém previsão de
afastamentos legais), esta pode ter direito ao reequilíbrio financeiro do
contrato. Se, comprovados, in casu, os requisitos legais necessários à
recomposição do equilíbrio econômico-financeiro fundada na ocorrência de álea
extraordinária, nos termos do art. 65, inciso II, alínea “d” da Lei nº
8.666/93, e da Orientação Normativa nº 22/2009, da AGU, assistirá tal direito à
empresa.

O Parecer nº 310/2020 apresentou posição
semelhante, frisando que, uma vez comprovado o atendimento aos requisitos
legais para cada hipótese de recomposição da equação econômico-financeira
contratual, quais sejam, reajuste, revisão ou repactuação, assistirá tal direito
à empresa terceirizada ou à própria Administração, salientando, porém, que não
há como ser feita análise jurídica geral sobre a presença dos pressupostos para
o restabelecimento da equação econômico-financeira do contrato administrativo,
a qual deverá ser feita pela Administração em cada contrato que tenha mão de
obra terceirizada, respeitadas as singularidades de cada caso.

Qual o procedimento a ser adotado para os terceirizados que se
enquadram em algum grupo de risco e para aqueles que não integram grupos de
risco?

Sintetizando
a diferenciação de tratamento entre os empregados terceirizados que integram
algum grupo de risco e aqueles que não integram, o Parecer nº 310/2020 trouxe as seguintes conclusões:

[Blog da Zênite] Orientações da AGU sobre o tratamento e gestão dos contratos de terceirização durante a pandemia de Covid-19

[1] Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46764-coronavirus-43-079-casos-e-2-741-mortes. Acesso em 12 jun. 2020.

[2] Disponível em: https://www.comprasgovernamentais.gov.br/images/conteudo/covid19/Parecer-DAJI-terceirizados.pdf.pdf.pdf. Acesso em 12 jun. 2020.

[3]Disponível em: https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/noticias/1264-recomendcoes-covid-19-terceirizados. Acesso em 12 jun.
2020.

[4] Disponível em: https://www.comprasgovernamentais.gov.br/images/conteudo/covid19/Parecer-Consulta-SAA-Liberao-dos-Terceirizados.pdf. Acesso em 14 jun.
2020.

[5] Disponível em: https://www.comprasgovernamentais.gov.br/images/conteudo/covid19/Parecer-63—COVID-19.pdf. Acesso em 14 jun.
2020.

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