Na forma do art. 9º, inc. III, da Lei de Licitações, não “poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários”, “servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.”
A finalidade da norma é impedir que o sujeito se beneficie da posição que ocupa na Administração Pública para obter informações privilegiadas em detrimento dos demais interessados no certame, interferindo de modo negativo na lisura do procedimento. A Lei pretende, mediante tal vedação, resguardar os princípios da moralidade e da igualdade previstos no seu art. 3º, fundamentais para a regularidade do procedimento licitatório.
A razão de ser desse preceito legal autoriza, mediante a aplicação sistemática e analógica da Lei nº 8.666/93, estender o impedimento à situações não previstas expressamente na norma. Mesmo porque, o legislador não possui condições de antever, desde logo, todas as hipóteses em que o escorreito andamento da licitação pode ser comprometido, o que justifica a interpretação extensiva do dispositivo, de acordo com os princípios que regem as contratações públicas.
Por esses motivos, é possível afirmar que, muito embora não haja indicação expressa no art. 9º da Lei de Licitações quanto ao impedimento à participação em licitação de empresa cujo sócio possui vínculo de parentesco com servidor do órgão contratante, é possível à luz dos princípios da moralidade e igualdade sustentar o cabimento da restrição.
Isso decorre do fato de que tais pessoas podem obter informações singulares, que elevem as chances de alcançar, ou até mesmo garantam, a vitória do certame. Como a norma proíbe os favoritismos subjetivos quando da celebração de ajustes pela Administração, a empresa com sócio parente de servidor do órgão contratante deve ser impedida de participar da licitação.
O TCU, ao abordar as vedações constantes do art. 9º da Lei nº 8.666/93, já entendeu que o rol de impedimentos fixado no dispositivo deve ser lido de forma ampla, de modo que haverá impedimento sempre que houver indícios de prejuízo à isonomia/moralidade, como é o caso da contratação de empresas cujos sócios ou dirigentes são parentes de servidores envolvidos na licitação. Nesse sentido é o trecho a seguir, extraído da parte dispositiva do Acórdão nº 1.160/08, Plenário:
“9.4 Seguindo o raciocínio, a interpretação do art. 9º está associada ao que reza o art. 3º, ou seja, deve ser no sentido de dar maior alcance à norma e, consequentemente, à moralidade e à impessoalidade, de forma a que as proibições apontadas naquele dispositivo sejam tidas como exemplificativas (no art. 9º da Lei n.º 8.666/93), alcançando inclusive aqueles licitantes que tenham qualquer vínculo com os membros da comissão de licitação, proibindo-os de participar do certame ou então que estes (membros da comissão) declarem-se impedidos de compor a referida comissão, por ser necessário à própria ética e imparcialidade exigidas no julgamento objetivo cobrado no artigo 3º da norma licitatória.” (Acórdão nº 1.160/08, Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo, DOU de 24.06.2008)
O mesmo raciocínio foi utilizado recentemente pelo Plenário do TCU, no Acórdão nº 1.019/2013, conforme segue: “(…) é legítimo e imperativo ao magistrado preencher lacuna da lei, de forma a também ser vedada participação indireta do dirigente da entidade contratante que tenha vínculo de parentesco com sócio da empresa prestadora dos serviços licitados”. (Acórdão nº 1.019/13, Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, j. em 24.04.2013)
Portanto, ainda que a literalidade do art. 9º da Lei nº 8.666/93 não vede a contratação de indivíduo que mantenha vínculo de parentesco com servidor do órgão contratante, é possível obstar sua participação na licitação com base nos princípios da moralidade e da igualdade.