Manutenção dos pagamentos dos terceirizados: A solução responsável e razoável do município de Curitiba-PR

Contratos AdministrativosTerceirização

No dia
14.05.2020 foi publicada a Lei 15.634/2020[1] do Município de
Curitiba-PR, autorizando a adoção de medidas excepcionais para o enfrentamento
da emergência do Coronavírus. A preocupação que orienta a norma municipal é a
manutenção dos empregos dos funcionários terceirizados que prestem serviços nos
órgãos e entidades da Administração. Aliás, a Lei vai além e estende o
tratamento nela previsto às Organizações da Sociedade Civil parceiras (art. 9º)
e até mesmo generaliza os benefícios a todas as entidades parceiras da
Administração Municipal (art. 10).

É verdade
que a Lei não é inédita nesse aspecto. Iniciativas anteriores já foram
identificadas, a citar, como exemplo, a Lei do Município de São Paulo (Lei
17.335/2020) e a Lei do Estado do Paraná (Lei 20.170/2020). Em comum, os
normativos autorizam os respectivos entes a manter o pagamento na integralidade[2] dos contratos
administrativos de serviços terceirizados, e exigem, em contrapartida, que as
empresas comprovem a manutenção dos empregos.

Nesse
sentido, sintética e exemplificativamente, a Lei 20.170/2020, do Estado do
Paraná: a) autoriza a manutenção do pagamento da integralidade dos
contratos (art. 1º); b) exige a subtração das despesas diretas,
indiretas e quaisquer insumos que deixarem de ocorrer (art. 2º); c) prevê
a possibilidade de realização de rodízios entre funcionários como medida de
mitigação dos efeitos para ambas as partes (art.4º); d) define pessoas
de grupo de risco que deverão ser colocadas em teletrabalho ou em afastamento
sem prejuízo da remuneração (art. 4º); e) prevê o pagamento integral aos
empregados, ainda que haja fechamento dos órgãos/entidades (art. 4º, §2º); f)
exige a formalização por Termo Aditivo (art. 5º); g) prevê a necessidade
de parecer jurídico, e autoriza o uso de parecer referencial (art. 6º); h)
institui a necessidade de a empresa comprovar: 1) a manutenção empregado
mensalmente (art. 7º); e  2) o
pagamento do empregado em até quinze dias após o pagamento da fatura (art. 7º);
i) Prorroga por 90 dias a validade das certidões negativas relativas a
débitos com o fisco estadual (art. 8º).

Dispositivos
similares são vistos na Lei do Município de São Paulo. Desse normativo cabe
destacar a autorização concedida aos órgãos e entidades da administração
municipal de determinar “que trabalhadores que deixem de prestar os serviços em
unidades com decréscimo de atividades prestem serviços da mesma natureza em
unidades diversas da contratante ou para outros órgãos ou entes da
Administração Pública Municipal que tenham necessidade de acréscimo dessas
mesmas atividades, durante o período de tempo em que durar a situação de
emergência” (art. 3º, §2º).

E na
mesma linha segue a recente regulação da matéria no âmbito do município de
Curitiba. Não obstante, dela frisarei aqui apenas o seu caráter inovador e
diferencial em relação às demais. Ela atenta para os inegáveis impactos
sociais, mas propõe uma solução mais proporcional. Vejamos, pois a disposição
do art. 2º, § 5º, da referida Lei 15.634/2020, cuja centralidade justifica
transcrição na íntegra:

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Art. 5º, §2º – Para ter o direito assegurado no caput deste artigo, fica a contratada obrigada a aderir a todos os programas federais e estaduais instituídos para custeio de salários ou demais encargos trabalhistas, competindo ao Município arcar com a porção complementar daquilo que não for coberto pela União Federal e pelo Estado.

Segundo
a regra, para a empresa ter direito à manutenção dos pagamentos do contrato
administrativo em que é parte executora deve aderir aos programas federais e
estaduais, de modo que caiba ao município arcar com o remanescente não pago
pelos referidos programas.

Diz-se
que a alternativa é mais proporcional porque vige a Medida Provisória 936[3], de 1º/4/2020, que criou o
Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, prevendo duas
possibilidades de adequação da força de trabalho das empresas à queda da
demanda durante a pandemia: 1) redução proporcional de jornada de trabalho e de
salário (por até noventa dias); e 2) suspensão temporária do contrato de
trabalho (por até sessenta dias).

Não
constitui objetivo deste artigo entrar nos detalhes dos dois institutos. No
geral eles permitem ao empregador reduzir a carga de trabalho e o salário pago
ao empregado ou suspender na totalidade o contrato de trabalho e a respectiva
remuneração do empregado. Para compensar as perdas com a queda na remuneração, o
programa institui o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda,
cujo valor a ser pago ao empregado é equivalente ao que teria direito se
estivesse recebendo o Seguro-Desemprego[4].

Isso
significa que a empresa não precisa continuar pagando a totalidade das
remunerações dos seus empregados, podendo acessar ao mencionado programa
federal e ter um alívio de caixa. Por consequência, não cabe à Administração
manter a integralidade dos pagamentos, podendo abater tais parcelas que já são
ressarcidas pelo programa federal.

É verdade
que à exceção daqueles empregados que recebem o salário mínimo, o valor do
Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda será inferior ao da
remuneração da ativa. Por isso, a simples utilização do programa não seria
suficiente para preservar os ganhos dos funcionários. E não é isso que o
presente escrito sugere[5]. Ao contrário, defende-se
que a empresa acesse o programa, obtenha o respectivo benefício, e possa,
mediante negociação com o empregado, combinar um complemento, previsto na MP
936 como “Ajuda Compensatória”.

A
ajuda terá caráter indenizatório e não sofrerá incidência de qualquer encargo
(art. 9º, II). A MP ainda prevê a possibilidade de exclusão dos valores gastos
com essa ajuda da base de cálculo para o imposto de renda e para a contribuição
social sobre o lucro líquido da empresa (art. 9º, VI). Ou seja, caso a empresa
seja optante pelo regime de tributação baseado no lucro real, essa ajuda pode
inclusive ter impacto nulo em seus custos.

Por
via de consequência, os benefícios obtidos com o programa federal serão
repassados à Administração, sob pena de enriquecimento sem causa da empresa.
Assim, se ao invés de simplesmente pagar a “fatura cheia” dos contratos, os
órgãos e entidades buscarem conciliar as alternativas concedidas pela MP,
encontrarão caminhos mais eficientes para se chegar ao mesmo resultado.

Reputo
equivocado que se desprestigie o uso da MP 936 nos contratos administrativos ao
argumento de que no fim das contas os recursos saem do mesmo lugar, do Estado,
dos tributos pagos pela sociedade. Tal justificativa reconduz a uma
generalidade absoluta, o que não é razoável para resolver o problema. Sim, os recursos
são igualmente públicos: os que a Administração usa para pagar integralmente
uma medição sem contraprestação por parte da empresa contratada; e o que o Estado
concede na MP 936, em subvenção direta aos hipossuficientes, medida a qual é
obrigado por dever de solidariedade e de proteção ao mínimo existencial para a
manutenção da dignidade da pessoa humana.

Entretanto,
dentro da organização federativa do Estado Brasileiro, os recursos não pertencem
ao mesmo cofre. No caso do programa conduzido pela MP, eles advêm da União,
razão pela qual estados e municípios podem ser beneficiados de maneira
incremental. Não há dúvidas de que esses entes, na linha de frente do combate à
pandemia, sentindo mais de perto as agruras do momento, é que terão os maiores
traumas sociais e financeiros. Razoável, portanto, que dada a escassez financeira,
priorizem as contratações necessárias ao combate da pandemia, orientando os
recursos para tanto, e usem o programa federal nos benefícios que ele concede
para sustentar ainda que parcialmente os contratos de serviços terceirizados.
Não é novidade, aliás, a crise financeira por que passa a maioria dos estados e
municípios brasileiros, condição denotada dos recentes pedidos de ajuda à União
para o atravessamento da crise decorrente da pandemia.

Há,
igualmente, um fator de especialidade no emprego do programa federal, no
sentido de conduzir a soluções padronizadas e isonômicas entre todas as
empresas que atuam no mercado. O programa horizontaliza, centraliza a entidade
financiadora, e evita soluções pulverizadas e dissonantes. Se o objetivo é
preservar empregos e renda, e, para tanto, o governo federal editou um programa
específico, todos os empregados e empregadores em condições semelhantes –
isonomia material – devem acessar o referido programa, se desejarem. 

Como
dito alhures, a manutenção do pagamento integral dos contratos protege os
trabalhadores daqueles contratos, e nisso é de fundamental importância. Por
outro lado, é inegável a sua externalidade mais grave – a criação de uma
“bolha” nos contratos administrativos, em que as empresas e respectivos
funcionários recebem proteção adicional do Estado – pagamento integral –
enquanto o restante da sociedade desdobra-se com os programas federais e tão
somente com eles.


outro benefício no uso do programa a enfatizar. As eventuais ajudas
compensatórias pagas pelas empresas aos seus empregados possuem natureza
indenizatória, não sofrem incidência de qualquer encargo. Isso conduz a um
custo menor para a empresa e consequentemente para a Administração do que a
simples manutenção da remuneração dos empregados. Importante, nesse sentido,
acrescentar que os três normativos aqui mencionados exigem a exclusão, nos
pagamentos, daquelas despesas diretas e indiretas que a empresa eventualmente
não esteja incorrendo durante a suspensão dos contratos.

Reconhece-se
a dificuldade que se coloca diante dos gestores, que em momento de crise aguda,
têm de tomar decisões de enorme responsabilidade e de repercussões diretas e
indiretas gravíssimas[6]. E, para tanto, não lhe
socorrem diretrizes normativas exatas, restando-lhes o amparo do art. 22 da Lei
de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), as figuras do gestor
médio em eventuais ações de ressarcimento[7] e/ou da tessitura que vier
a ser dada pelo controle ao conceito de erro grosseiro previsto no art. 28 da
LINDB.

Assim,
e em síntese, portanto, as alternativas fornecidas pelos normativos municipais
e estadual aqui mencionados são bastante positivas no sentido de fornecer
segurança jurídica aos gestores sobre o que fazer nesse momento, já que essa é
a principal carência.

Em
adição, e de maneira acertada, o Município de Curitiba exige que a manutenção
dos pagamentos esteja atrelada ao uso dos programas federais e estaduais e
preservação de emprego e de auxílio; e que o ente municipal pagará apenas pela
diferença. E, objetivamente, essa disposição implica que a empresa acesse no
mínimo o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Acredito que
a solução deve ser proporcional em termos alexyanos[8]. Conforme o autor tedesco,
se há duas soluções possíveis e equivalentes em benefícios para o empregado,
deve ser priorizada aquela de que resulte o menor prejuízo ou o maior benefício
para a outra parte, no caso, a Administração.


[1] Lei 15.234/2020, disponível no Diário
Oficial Eletrônico do Município n. 89, de 14/5/2020, página 47-49.

[2] Na realidade não se trata exatamente de
pagar a integralidade. Todos os normativos preconizam os descontos de despesas
não ocorridas durante a pandemia.

[3] A Medida Provisória está vigente até
30/5/2020. Existe a possibilidade de a MP não ser convertida em Lei. Nessa
hipótese, a situação obedecerá ao previsto no art. 62, §§ 3º e 11 da CF. Não
ocorrendo a conversão da MP em lei, caberá ao Congresso Nacional editar decreto
legislativo para disciplinar os atos jurídicos nela fundados, praticados
durante a sua vigência. Se não for editado referido decreto legislativo, haverá
a consolidação dos referidos atos e relações jurídicas.

[4] De acordo com a tabela de benefícios
para 2020, o valor mínimo do Seguro-Desemprego equivale ao salário mínimo, de
R$ 1.045,00, e o máximo é de R$ 1.813,03, conforme http://trabalho.gov.br/seguro-desemprego/modalidades/seguro-desemprego-formal,
acesso em 18/5/2020.

[5] Nesse sentido, concorda-se com Joel
Niebuhr, no sentido de que “(…) o poder conferido à Administração Pública de
alterar unilateralmente os contratos não pode ser exercido de sorte a
prejudicar os direitos patrimoniais do contratado. À Administração é vedado
impor perdas ao contratado, forçando-o a arcar com custos sem a respectiva
contrapartida, tudo em tributo ao direito constitucional ao equilíbrio
econômico-financeiro do contrato, desenhado no inciso XXI do artigo 37 da
Constituição Federal”.  

Menezes Niebuhr, Joel. Regime Emergencial de Contratação
Pública para o Enfrentamento à Pandemia de COVID-19 . Editora Fórum Ltda..
Edição do Kindle.

[6] A respeito, pontua Marçal: “Em muitos
casos, a premência do tempo, a gravidade das circunstâncias, a ausência de
recursos disponíveis, a inviabilidade de soluções alternativas – o elenco é
meramente exemplificativo – poderão impor ao agente administrativo que adote
atos jurídicos e materiais não conformes, de modo perfeito e exato, às normas
legais. Tais atos deverão ser qualificados como juridicamente perfeitos,
produzindo todos os efeitos jurídicos pretendidos e excluindo a
responsabilização pessoal dos envolvidos. Será imperioso reconhecer que
eventuais defeitos têm de ser superados – e, se necessário, saneados – sempre
que as circunstâncias da realidade concreta forem suficientes para justificar a
prática adotada”. Justen Filho, Marçal. Covid-19 e o Direito Brasileiro – 1ª
edição . Justen, Pereira, Oliveira & Talamini. Edição do Kindle.

[7] Isso porque o Tribunal de Contas da
União não reconhece a necessidade de configuração de erro grosseiro nas ações
de ressarcimento. Para a Corte de Contas, basta a configuração da culpa, em uma
de suas modalidades – imprudência, imperícia ou negligência, aliada à
configuração do nexo de causalidade, para que o gestor seja responsabilizado em
eventual recomposição ao erário. Nesses termos o Acórdão 2.391/2018 – Plenário
– Relator: Benjamin Zymler.

[8] Princípio da proporcionalidade segundo
Robert Alexy, traduzido nos subprincípios da necessidade, adequação e
proporcionalidade em sentido estrito. ALEXY, Roberto. Teoria dos Direitos
Fundamentais, 2ª edição. 3ª Tiragem. Malheiros: São Paulo. 2014.

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