Estatais e a contratação de profissional do setor artístico por inexigibilidade

Estatais

Questão apresentada à Equipe de Consultores Zênite:

“Há orientação que veda as estatais de realizar a contratação direta de profissional do setor artístico, tendo em vista que a Lei nº 13.303/2016 é silente?”

DIREITO AO PONTO

Salvo previsão em lei específica aplicada no âmbito da estatal consulente, não existe, a rigor, comando normativo ou orientação que, de modo abstrato e genérico, vede as empresas estatais de realizar a contratação direta de profissional do setor artístico.

Sendo assim, desde que a contratação de profissional do setor artístico revele-se inerente ao exercício da missão institucional da estatal consulente, pode-se reputar lícita a contratação desse objeto.

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E, nesse caso, a natureza eminentemente subjetiva do objeto pretendido faz com que a estatal consulente não disponha de critérios objetivos para promover a seleção da proposta mais vantajosa, o que torna inviável a competição (inviabilidade relativa de competição), determinando o cabimento da contratação direta por inexigibilidade de licitação com fulcro no caput do art. 30 da Lei nº 13.303/2016.

Salvo melhor juízo, essa é a orientação da Zênite, de caráter opinativo e orientativo, elaborada de acordo com os subsídios fornecidos pela Consulente.

FUNDAMENTAÇÃO

Afastamos, de plano, qualquer cogitação de orientação que, de modo abstrato e genérico, vede as empresas estatais de realizar a contratação direta de profissional do setor artístico.

A rigor, a lei é a fonte de obrigação e, no caso, salvo condição específica no âmbito da estatal consulente, não se vislumbra a existência de previsão legal vedando as empresas estatais de realizar a contratação direta de profissional do setor artístico.

Nesses moldes, para responder a questão apresentada, é fundamental compreender que as empresas estatais possuem liberdade para celebrar todo e qualquer tipo de contrato que consagre um objeto lícito e possível, desde que compatível com o exercício de suas atividades e missão institucional. Ou seja, tratando-se de um contrato válido para o direito, que consagre um objeto lícito e possível, sua legitimidade para a estatal consulente será determinada de acordo com a adequação do objeto contratado em vista de seus fins institucionais.

Essa compreensão encontra amparo no princípio da finalidade, o qual recebeu a seguinte lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Encarta-se no princípio da legalidade o princípio da finalidade. Não se compreende uma lei, não se entende uma norma, sem entender qual o seu objetivo. Donde, também não se aplica uma lei corretamente se o ato de aplicação carecer de sintonia com o escopo por ela visado. Implementar uma regra de Direito não é homenagear exteriormente sua dicção, mas dar satisfação a seus propósitos. Logo, só se cumpre a legalidade quando se atende à sua finalidade. Atividade administrativa desencontrada com o fim legal é inválida e por isso juridicamente censurável.

(…). Não se poderia supor que a lei encampa, avaliza previamente, condutas insensatas, nem caberia admitir que a finalidade legal se cumpre quando a Administração adota medida discrepante do razoável. Para sufragar este entendimento ter-se-ia que atribuir estultice à própria lei na qual se haja apoiado a conduta administrativa, o que se incompatibilizaria com princípios de boa hermenêutica. É claro, pois, que um ato administrativo afrontoso à razoabilidade não é apenas censurável perante a Ciência da Administração. É também inválido, pois não se poderia considerá-lo confortado pela finalidade da lei. (…).

Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob o pretexto de cumpri-la. Daí, por que os atos incursos neste vício – denominado ‘desvio de poder’ ou ‘desvio de finalidade’ – são nulos. Quem desatende ao fim legal desatende à própria lei”.1

Dessa forma, desde que a contratação de profissional do setor artístico revele-se inerente ao exercício da missão institucional da estatal consulente, a rigor, pode-se reputar lícita a contratação desse objeto.

Nesse caso, o pressuposto para a inexigibilidade de licitação é a caracterização da inviabilidade de competição, que pode ser absoluta ou relativa. A inviabilidade absoluta é configurada pela inexistência de competidores, ou seja, quando apenas uma pessoa pode executar o objeto pretendido pela Administração. E será inviabilidade relativa quando, apesar de existir mais de uma pessoa capaz de executar o objeto pretendido, não houver meios e critérios objetivos para seleção da proposta mais vantajosa.

Essa realidade não se altera na situação em exame. Em outros termos, a instauração de processo licitatório requer a existência de critérios objetivos para promover a seleção da proposta mais vantajosa, o que não se verifica na contratação de profissionais do setor artístico, haja vista a natureza eminentemente subjetiva do objeto pretendido.

A Lei nº 8.666/1993 (art. 25, inciso IIII) autoriza a contratação direta via inexigibilidade para “contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública”.

Essa hipótese tem em vista as situações que ensejam a inviabilidade de estabelecer critérios objetivos de julgamento que permitam a seleção isonômica da melhor oferta. Assim, a despeito de existirem outros profissionais da área, poderá a Administração afastar o dever de licitar para contratar artistas consagrados pela crítica especializada ou pela opinião pública.

Vejamos precedente do Tribunal de Contas da União:

Em Tomada de Contas Especial instaurada com a finalidade de apurar aparente má gestão de recursos públicos federais repassados a município, foi detectada irregularidade decorrente da contratação de artistas, via inexigibilidade de licitação, por meio de empresa que não comprovou a condição de representante exclusiva dos referidos profissionais, nos termos exigidos pelo art. 25, inc. III, da Lei nº 8.666/93. De acordo com o apurado pela fiscalização do TCU, a contratação por inexigibilidade operou-se com fundamento em cartas de exclusividade, nas quais os artistas concedem à contratadas poderes para representá-los especificamente nos dias de realização do evento. Analisando o caso, o Relator esclareceu que o art. 25, inc. III, da Lei nº 8.666/93 refere-se expressamente à contratação de profissional de setor artístico diretamente com o próprio artista ou por meio de seu empresário exclusivo, que é aquele que gerencia o artista de forma permanente. Dentro desse contexto, entendeu haver impossibilidade jurídica da contratação de intermediário (produtora de eventos) que detém a exclusividade limitada a determinados dias ou eventos. Nesse sentido, pontuou que “o contrato de exclusividade difere da autorização que confere exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento”. Em reforço, o Relator rememorou “que a jurisprudência deste Tribunal é uníssona em exigir a apresentação do contrato de exclusividade entre os artistas e o empresário contratado para caracterizar a hipótese de inexigibilidade de licitação prevista na Lei de Licitações, de modo que simples autorizações ou cartas de exclusividade não se prestam a comprovar a inviabilidade da competição, pois não retratam uma representação privativa para qualquer evento em que o profissional for convocado”. Assim, o Relator concluiu que a contratação de artistas, via inexigibilidade de licitação, por meio de empresa portadora de carta de exclusividade “não preencheu os requisitos necessários para justificar a contratação direta, em verdade, retrata uma conduta reprovável do gestor, que se reveste, no mínimo, como um ato de gestão antieconômico, contrário aos princípios da Administração Pública”. O Plenário acolheu o voto do relator e condenou os responsáveis, individualmente, ao pagamento da multa prevista no art. 57 da Lei nº 8.443/92 e, solidariamente, ao ressarcimento da quantia dispendida com a contratação. (TCU, Acórdão nº 351/2015, 2ª Câmara, Rel. Min. Marcos Bemquerer, j. em 10.02.2015, veiculado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 255, p. 516, mai. 2015, seção Tribunais de Contas).2

Então, para que seja legítima a contratação direta pautada no inciso III do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, é preciso que o respectivo processo seja instruído com as razões que legitimam a inexigibilidade, o que envolve a escolha do artista, que deve ser consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública local, bem como que a contratação se dê diretamente com o artista ou com empresário exclusivo.

Ocorre que, talvez, a demanda não dependa da contratação de artista “consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública“, conforme pré-requisito do inc. III do art. 25. Nesse caso, esta Consultoria entende possível a contratação direta com fundamento no art. 25, caput, da Lei nº 8.666/93.

Isso porque, a execução de serviços artísticos como os descritos não pode ser enquadrada com um objeto comum, homogêneo, uniforme e padronizado, ou seja, não podem ser definidos, comparados e julgados por meio de critérios objetivos. Justamente por isso, possível sustentar a contratação direta respectiva por meio de inexigibilidade de licitação.

Renato Geraldo Mendes e Egon Bockmann Moreira enfatizam que enquanto “a licitação pressupõe que a solução a ser adquirida traduz o que se pode denominar de commodity, ou seja, uma solução comum, padronizada e uniforme, destituída de características que a tornem peculiar em relação às equivalentes, a ideia de singularidade pressupõe justamente o contrário, isto é, algo que não é comum, padronizado e uniforme.”3

Nessa medida, lembra-se que o art. 25 da Lei nº 8.666/93 contempla um rol exemplificativo de situações envolvendo inexigibilidade de licitação. Vale dizer, ainda que não expressamente contemplada em um dos respectivos incisos, é possível que ocorra a contratação direta com fundamento no caput do dispositivo, caso comprovada uma das seguintes situações: (1) impossibilidade de definir critérios objetivos de comparação e julgamento – demanda singular; (2) quando o serviço justificadamente pretendido é executado apenas por um particular.

Na situação indagada, como a Lei nº 13.303/2016 não traz previsão expressa tratando da contratação direta de profissional do setor artístico por inexigibilidade de licitação, esta Consultoria entende que, qualquer que seja a situação – profissional consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública, ou profissional que não goze dessa condição, a estatal consulente não dispõe de critérios objetivos para promover a seleção da proposta mais vantajosa, o que torna inviável a competição, permitindo o enquadramento da situação fática no caput do art. 30 da Lei nº 13.303/2016.

A propósito, não se deve ignorar que o art. 30 da Lei nº 13.303/2016 contempla um rol exemplificativo de situações envolvendo inexigibilidade de licitação. Vale dizer, ainda que não expressamente contemplada em um dos respectivos incisos, é possível que ocorra a contratação direta com fundamento no caput desse dispositivo, caso comprovada a inviabilidade (relativa ou absoluta) de competição.

NOTAS E REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, pp. 37-38 e 64.

MENDES, Renato Geraldo. Zênite Fácil, nota ao art. 25, inc. III, categoria Tribunais de Contas. Disponível em www.zenitefacil.com.br. Acesso em 16 ago. 2021.

MENDES, Renato Geraldo, MOREIRA, Egon Bockmann. Inexigibilidade de licitação. Repensando a contratação pública e o dever de licitar. Curitiba: Zênite, 2016. p. 153.

[Blog da Zênite] Estatais e a contratação de profissional do setor artístico por inexigibilidade

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