COVID-19: a crise autoriza deixar de reajustar os contratos?

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Uma dúvida que tem surgido refere-se à possibilidade de a Administração deixar de promover o reajustamento de contratos firmados com terceiros em razão dos efeitos provocados pela pandemia do COVID-19.

A situação que se vive é marcada por um conjunto de incertezas que aterroriza toda a comunidade global. Ao se tomar por base o cenário de depressão econômica que a propagação em nível exponencial do “coronavírus” já provocou, com alterações substanciais nos ambientes de oferta e demanda de bens e serviços, somada à indefinição do que ainda pode estar por vir, poderia, ao menos conceitualmente, ser entendido como uma circunstância extraordinária em condições de justificar intervenções dirigidas a recompor o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Até porque, os efeitos da crise não escolheram segmentos nem setores, mas sim atingiram o conjunto da economia de forma linear. 

Mas cabem aqui algumas ressalvas. A primeira delas é de natureza geral e envolve o modo pelo qual o Poder Judiciário tem entendido a questão. Em recente oportunidade, membros do Superior Tribunal de Justiça afirmaram que o “princípio da pandemia” não pode justificar intervenções nos contratos senão quando ampla e criteriosamente comprovados os efeitos por ela provocados na composição de custos da contratação (http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Para-o-presidente-do-STJ–%E2%80%9Cprincipio-da-Covid-19%E2%80%9D-nao-pode-levar-a-interferencia-excessiva-nos-contratos.aspx ).

Por certo, então, que os efeitos da pandemia não podem constituir causa automática para a não aplicação do reajuste; mesmo porque, apenas promove a correção do valor pactuado.

A segunda, por sua vez, refere-se ao fato de que, em caso algum, será possível impor unilateralmente a renúncia ao reajuste. Nos contratos administrativos, o art. 58, parágrafo primeiro, da Lei de Licitações, afirma que “as cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado”. Se nesse regime jurídico, marcado pelas denominadas cláusulas exorbitantes, não se permite modificações unilaterais das disposições econômicas dos contratos, com maior intensidade a questão repercutirá nos contratos das estatais, os quais, conceitualmente, são contratos privados e insuscetíveis de alterações unilaterais por qualquer das partes da relação jurídica.

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Portanto, qualquer decisão acerca da aplicação ou não do reajuste contratual pressupõe negociação e concordância do contratado.

Logo, se os serviços vêm sendo executados, e as demandas atendidas, de modo que a Administração está usufruindo das prestações respectivas, em função dos princípios da pacta sund servanda e da segurança jurídica, bem como de uma adequada e razoável ponderação dos reflexos da pandemia, não poderia a Administração, unilateralmente, pretender afastar os reflexos do índice de reajuste previsto contratualmente.

Na realidade, se em função da crise atual o cumprimento dos encargos contratuais tornou-se oneroso para quaisquer das partes, faz-se necessário, então, avaliar, a partir das particularidades de cada caso concreto, as medidas que poderiam ser implementadas para minimizar tais reflexos.

Imagine que o orçamento da Administração está bastante comprometido. A primeira medida envolverá a constituição de um Comitê de Crise, que fará uma análise de todos os contratos firmados, sopesando a imprescindibilidade pertinente, possibilidade de eventual redução quantitativa ou suspensão temporária, dentre outras negociações. Mas veja, antevendo o déficit orçamentário, a entidade buscará negociar com as contratadas essas alterações contratuais, com o objetivo de reduzir/suspender os serviços e, consequentemente, ter o ganho decorrente da redução equivalente da contraprestação.

Portanto, a diretriz geral deve ser a de que o princípio da força obrigatória dos contratos permanecerá regendo as relações contratuais, inclusive no momento atual, em que enfrentamos os reflexos da pandemia decorrente do COVID-19. No entanto, tal diretriz cederá, certamente, pela gravidade das intercorrências que a pandemia tem provocado nas diversas relações estabelecidas, a uma série de negociações entre as partes, objetivando compor limitações orçamentárias (Administração Pública) e interesses sociais e econômicos (iniciativa privada e força de trabalho); o que permite negociar com as contratadas eventual afastamento do reajuste.

Sem prejuízo, a ordem jurídica vigente igualmente
preserva o equilíbrio econômico-financeiro contratual na hipótese em que se
comprovar a ocorrência de álea econômica extraordinária e extracontratual, com
reflexo direto nas prestações contratuais, garantindo a revisão contratual;
isso, tanto em face do particular, como da Administração Pública.

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