Agente de contratação: (im) possibilidade de sanear vícios na habilitação e proposta?

Nova Lei de Licitações

O art. 8º da Lei nº 14.133/21 define que a “licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.” (Destacamos.)

Ainda, seu §3º estabeleceu a necessidade de regulamento acerca das “regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos”. (Destacamos.)

Foi o Decreto nº 11.246/2022 que regulamentou o tema no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, sendo que, ao tratar das competências do agente de contratação, destacou no art. 14:

Art. 14.  Caberá ao agente de contratação, em especial:

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I – tomar decisões em prol da boa condução da licitação, dar impulso ao procedimento, inclusive por meio de demandas às áreas das unidades de contratações, descentralizadas ou não, para fins de saneamento da fase preparatória, caso necessário;

(…)

III – conduzir e coordenar a sessão pública da licitação e promover as seguintes ações:

(…)

b) verificar a conformidade da proposta mais bem classificada com os requisitos estabelecidos no edital;

c) verificar e julgar as condições de habilitação;

d) sanear erros ou falhas que não alterem a substância das propostas; e

e) encaminhar à comissão de contratação, quando for o caso:

os documentos de habilitação, caso se verifique a possibilidade de saneamento de erros ou de falhas que não alterem a substância dos documentos e a sua validade jurídica, conforme o disposto no § 1º do art. 64 da Lei nº 14.133, de 2021; (Destacamos.)

A atuação da “comissão de contratação” foi reforçada no art. 17 do Decreto:

Art. 17.  Caberá à comissão de contratação:

I – substituir o agente de contratação, observado o disposto no art. 14, quando a licitação envolver a contratação de bens ou serviços especiais, desde que atendidos os requisitos estabelecidos no § 1º do art. 3º e no art. 10;

II – conduzir a licitação na modalidade diálogo competitivo, observado o disposto no art. 14;

III – sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos de habilitação e a sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, e atribuir-lhes eficácia para fins de habilitação e de classificação; (Destacamos.)

Portanto, observada a literalidade do Decreto nº 11.246/2022, o agente de contratação é responsável por tomar decisões nas licitações, inclusive envolvendo o julgamento das propostas e habilitação.

Contudo, ao verificar eventual vício na documentação de habilitação, que pressuponha a possibilidade de saneamento para correções/adequações, tal análise e julgamento se dará pela “comissão de contratação”. Ou seja, cumprirá ao agente de contratação, nessa hipótese, encaminhar à comissão de contratação para a referida análise e julgamento.

Abre-se um parêntese para observar que a Lei nº 14.133/21, quando tratou do tema no art. 64, §1º, referiu-se à “comissão de licitação”:

Na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação. (Destacamos.)

Não é adotada a mesma diretriz pelo Decreto em relação à análise e julgamento das propostas. Eventual necessidade de saneamento de planilha de composição de custos, por exemplo, ou diligência e saneamento para adequação do descritivo da proposta técnica, podem ser solucionados pelo próprio agente de contratação.

Cumpre observar, ainda, que a IN nº 73/2022, ao tratar da licitação eletrônica pelo critério de julgamento menor preço ou maior desconto, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e funcional, no art. 39, §7º, já havia definido que na “análise dos documentos de habilitação, a comissão de contratação poderá sanar erros ou falhas, na forma estabelecida no Capítulo XI.” Ao tratar do saneamento de vícios na proposta, expressamente se feriu à atuação do agente de contratação (art. 41). Por sua vez, ao novamente tratar do saneamento de vícios na habilitação, atribuiu novamente à atuação da “comissão de contratação” (art. 42). Portanto, ambos os regulamentos, Decreto nº 11.246/2022 e IN nº 73/2022, reforçam a referida tratativa.

Ou seja, os atos regulamentares optaram por reproduzir a literalidade da disciplina do §1º do art. 64 da Lei nº 14.133/2021. E, tudo nos leva a crer, que houve uma imprecisão técnica, na medida em que sequer existe tal figura na Lei, mas sim a “comissão de contratação”. Inclusive, o art. 6º, inc. L, da Lei nº 14.133/2021 definiu a “comissão de contratação” como “conjunto de agentes públicos indicados pela Administração, em caráter permanente ou especial, com a função de receber, examinar e julgar documentos relativos às licitações e aos procedimentos auxiliares”. (Destacamos.)

Para a Consultoria Zênite, a melhor interpretação se forma em considerar como uma imprecisão técnica a referência à comissão de licitação constante do §1º do art. 64, entendendo como agente ou comissão responsável pelo julgamento. Ou seja, a lógica é que quem tem competência para o julgamento, também tenha competência para o saneamento de eventuais falhas relacionadas à respectiva fase/etapa do procedimento. Vale destacar, ainda, os entraves procedimentais que tal opção poderá gerar.

Nesse sentido, a opção definida pelo Decreto nº 11.246/2022 nos leva a críticas e reflexões:

  • Em virtude da experiência alcançada pelos pregoeiros na realização dos pregões eletrônicos e o dever de saneamento já indicado pelos órgãos de controle em jurisprudência reiterada,[1] não teriam esses agentes públicos preparo suficiente para analisar e julgar a habilitação, mesmo diante da necessidade de realizar saneamentos?
  • Qual teria sido a finalidade da distribuição de competências, definida quanto ao ponto, pelo Decreto?
  • Considerando a realidade de muitas estruturas administrativas, enxutas, como aplicar o Decreto, designando os diversos agentes para atuação nas licitações?
  • E como ficará a celeridade do procedimento?

A regulamentação é recente e exige acompanhamento. Ademais, esperamos que a opção dos atos regulamentares seja revista.

De toda forma, ao menos aos integrantes da Administração Pública federal direta, autárquica e funcional – ou seja, órgãos e entidades submetidos ao Decreto, até que tenhamos eventual mudança da regra ou possível posicionamento do órgão de controle que a flexibilize, em princípio cumprirá observá-la. Logo, seguindo essa opção, é necessário, mesmo em procedimentos licitatórios envolvendo bens e serviços comuns, não apenas designar o agente de contratação, mas também a “comissão de contratação”, que atuará no julgamento da habilitação, caso se verifique a possibilidade de saneamento de erros ou de falhas, na forma do § 1º do art. 64 da Lei nº 14.133/2021.

_________________

[1] Vide os acórdãos nº 1.211/2021 – Plenário, nº 2.443/2021 – Plenário, nº 966/2022 – Plenário, dentre outros.

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