Contratação direta de remanescente com base na Lei nº 8.666/93: ainda é possível?

Contratação diretaNova Lei de Licitações

A Lei nº 8.666/83 foi revogada em 30 de dezembro de 2023.

Isto não significa que deixou de produzir efeitos jurídicos. É que a Lei nº 14.133/21 contém regras de transição bem claras e específicas, nos art. 190 e art. 191:

Art. 190. O contrato cujo instrumento tenha sido assinado antes da entrada em vigor desta Lei continuará a ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada.

Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.

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Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.

Até 30 de dezembro de 2023, a Administração Pública, nos termos da Lei, poderia ter optado por licitar ou contratar diretamente, com base ainda na Lei nº 8.666/93, e, feita esta opção, o referido regime jurídico será aplicado à relação contratual até a sua extinção.

Neste plano de transição de regime jurídico, questão polêmica diz respeito à hipótese de contratação direta prevista no art. 24, XI da Lei nº 8.666/93, caso evidenciada. Confira-se a hipótese:

Art. 24 É dispensável a licitação:

(…)

XI – na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em conseqüência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido;

No teor literal da norma de transição, o regime da Lei nº 8.666/93 será aplicado às relações contratuais estabelecidas com fundamento nela ao longo da vigência contratual. Nesta medida, uma vez encerrada a relação contratual, restaria encerrada a aplicação do regime da Lei nº 8.666/93.

Assim, verificada a hipótese versada no art. 24, XI da Lei nº 8.666/93, e efetivada a rescisão contratual, se teria a extinção do contrato, e, por consequência, o encerramento da aplicação desta lei à relação contratual originalmente constituída.

Contudo, por interpretação sistemática a partir do regime jurídico-constitucional é possível outra, e mais adequada, solução jurídica. Mediante interpretação da regra de transição sob o prisma dos princípios da eficiência, da economicidade e da razoabilidade.

A Lei nº 14.133/21 conferiu para a Lei nº 8.666/93 efeito de ultratividade normativa, ou seja, a qualidade de produzir efeitos mesmo após revogada, nos limites legais.

Nesta medida, a norma contida na Lei nº 14.133/21, que fixa que os contratos celebrados com base na Lei nº 8.666/93 serão regidos por ela durante sua vigência, deve ser interpretada como determinando aderência da Lei nº 8666/93 para todas as intercorrências contratuais ocorridas durante a vigência do contrato.

A rescisão contratual é fato jurídico que ocorre, por óbvio, durante a vigência do contrato – atraindo, assim, a aplicação do regime de contratação direta estabelecido na Lei nº 8.666/93.

Destarte, em tendo havido a rescisão de contrato celebrado com base na Lei nº 8.666/93, tem aplicação o regime de contratação direta previsto nesta Lei, em especial aquele previsto no art. 24, XI, e, por consequência, podem ser convidados e contratados os remanescentes da licitação respectiva para assumir o remanescente de execução do contrato rescindido[1] – também nos termos da Lei.

Esta lógica jurídica tem aplicação também a outras hipóteses de contratação direta previstas na Lei nº 8.666/93, como por exemplo, aquela do art. 24, V – licitação deserta ou fracassada.

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[1] Esta solução foi também admitida pela Advocacia Geral da União, embora sob outros fundamentos, por intermédio do PARECER n.00017/2023/CNLCA/CGU/AGU.

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