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Estudo de Casos de Contratos Administrativos
por Equipe Técnica da ZêniteCapacitação Online | 25 a 28 de novembro
Este texto foi preparado especialmente para servir de resposta às ponderações feitas por Davi Bois sobre o meu post de 20 de julho último.
Prezado Davi,
Em primeiro lugar, agradeço os seus comentários e considerações no sentido de que precisamos de novos paradigmas e posicionamentos vanguardistas. De fato, é necessário evoluir e sair do marasmo, da mesmice que tem caracterizado as nossas concepções. Nesse sentido, temos um grande desafio pela frente. Concluí o referido texto na sexta-feira (dia 20) e postei-o, curiosamente, quando estava no carro, indo para a minha casa, mudando as estações de rádio, e me deparei com uma música que não ouvia há muito tempo. É uma música dos anos 70, de autoria de Belchior, gravada por ele e também pela Elis Regina, cujo título é “Velha Roupa Colorida”. Imediatamente relacionei o conteúdo da música com algumas passagens do meu texto, especialmente uma que consta no último parágrafo: “a contratação pública é um grande edifício que precisa de uma profunda reforma”.
Acredito que, para que se possa mudar, é necessário, entre outras coisas, ousar e permitir fazer diferente. Mas aprendi também na minha vida que ninguém dá o que não tem. Logo, é preciso um pouco mais do que ousar. Reconheço que mudanças são complicadas e difíceis. Normalmente, decidimos não realizá-las, mesmo reconhecendo que elas são necessárias. Todos nós (seres humanos) fomos programados para resistir ao novo. No nosso caso (falo em relação à contratação pública), não temos mais dupla alternativa, apenas uma: mudar, ou seja, ver o fenômeno e a realidade da contratação com outros olhos e novas perspectivas. Mas é preciso somar, e todos somos responsáveis por essa evolução. Haverá muita resistência. No entanto, vamos superar os obstáculos e descortinar uma nova era, um novo momento. Fico satisfeito de saber que você também reconhece que é preciso inovar. Então, estamos juntos nessa batalha.
Falar em contratação pública equivale a decidir, em última análise, como vamos gastar os recursos públicos com obras, serviços e compras. De nada vale o art. 37 da CF determinar que a ação da Administração deve ser pautada pelo princípio da eficiência se não tivermos a menor noção, por exemplo, do que significa PLANEJAR uma contratação, quais são as suas etapas, sua finalidade e importância.
Davi, talvez eu esteja errado, mas acredito que, se comparássemos a contratação pública à tecnologia da comunicação, a conclusão seria a de que estamos ainda vivendo a era ANALÓGICA. No entanto, é preciso dar um passo significativo em direção à era DIGITAL. Esta depende de uma coisa que insistimos em ignorar e que vale repetir: PLANEJAMENTO.
A finalidade básica do planejamento é permitir que a Administração defina, da forma mais eficiente possível, o encargo capaz de satisfazer a sua necessidade. O encargo traduz a vontade da Administração e é ele que deve estar materializado no edital (ou em outro instrumento que sirva para o mesmo fim). Faço essa ponderação para tentar responder, em seguida, à sua primeira pergunta ou consideração.
Você tem total razão quando pondera acerca da contratação direta. De fato, a formalização do encargo nesse caso é relegado a terceiro plano. A propósito, isso decorre do descaso com que o legislador tratou a formalização da contratação direta (art. 26 da Lei nº 8.666/93). A questão do volume de contratações que decorrem de contratação direta que você aponta, e para a qual indica uma matéria jornalística, já foi objeto de um estudo que realizei e publiquei na nossa Revista ILC nº 88, em junho de 2001. De fato, a situação sempre foi preocupante, mas melhorou com o advento do pregão.
Não é apenas o “planejamento da licitação” que deve resultar num documento formal e no qual constem todas as condições relativas ao encargo pretendido; na “contratação direta” também, e a razão é, fundamentalmente, a mesma que se impõe para a licitação. Mas sei que não temos feito assim. Esse é um ponto que precisamos melhorar e ele está diretamente relacionado com uma única coisa que ainda não sabemos fazer bem: planejar. A propósito, a Lei n. 12.462/11 (RDC) é, em parte, um bom exemplo dessa nossa incapacidade histórica.
Você tem toda a razão, pois ou melhoramos o planejamento em geral, inclusive para fins de contratação direta, ou teremos de regular o acordo de vontades por ocasião da celebração do termo de contrato. Mas isso somente deverá ser feito por ocasião do instrumento de contrato porque não fizemos no momento adequado, ou seja, na fase interna. Aqui cabe uma observação. O processo de contratação, segundo a minha visão, é integrado por três fases distintas: (I) a do planejamento, (II) a da seleção da proposta e (III) a da gestão e execução do contrato. A contratação direta é um fenômeno típico da fase externa, assim como é a licitação. Portanto, é fácil observar que temos de corrigir por ocasião da “formalização” do contrato o que deixamos de fazer no planejamento. Por isso, tenho dito que os nossos problemas contratuais são a medida exata da nossa incapacidade de planejar. Vale dizer: não temos problemas contratuais, mas sim problemas de planejamento que aparecem na fase contratual.
Quanto à segunda questão, que envolve o registro de preços, inicio fazendo algumas considerações preliminares, a fim de deixar bem claro a minha concepção em torno da formação do contrato e que foi exposta nos dois textos que publiquei este mês (no dia 9 e 11). Como houve um comentário da Gabriela no dia 19 de julho, no qual ela me questiona sobre a natureza da ata do registro de preços, decidi responder na forma de novo post, o que ocorreu no dia 20.
Basicamente, sustentei nos dois primeiros textos que contrato administrativo, enquanto relação jurídica, não nasce por ocasião da celebração do termo de contrato ou da assinatura do instrumento equivalente, mas sim em decorrência do ato de adjudicação. Afirmei também que o acordo de vontades, sob os pontos de vista material e formal, decorre do edital e da proposta vencedora e que, com o ato de adjudicação, a Administração fecha o ciclo da formação do contrato. A tese é inovadora porque confere à adjudicação nova natureza e conteúdo. Como sabemos, o entendimento dominante é no sentido de que a adjudicação confere apenas uma expectativa de direito para o licitante e que a relação contratual nasce com a assinatura do termo de contrato ou instrumento equivalente.
Assim, em razão do posicionamento adotado, é natural supor que entendo que a ata tem natureza contratual e que não se trata apenas de um documento que confere para o licitante uma expectativa de direito, ou seja, que o contrato dependerá da vontade da Administração. Penso, conforme expliquei no texto de 20 de julho, que a execução do contrato que decorre da ata dependerá de uma condição objetiva, qual seja, a efetiva ocorrência da demanda, e não de uma condição subjetiva. Portanto, a Administração não contrata se quiser, quando quiser ou na quantidade que quiser. O querer da Administração é vinculado a uma condição objetiva (a demanda efetiva). É certo dizer, conforme ponderei nos textos anteriores, que a Administração não estará obrigada a expedir as ordens de fornecimento e prestação de serviços se as condições de mercado sofrerem significativas alterações e tornarem a contratação desvantajosa, sendo possível ainda apontar até outras situações que podem afastar o eventual dever da Administração de honrar o
contrato firmado. É com esse sentido, inclusive, que entendo os termos do § 4º do art. 15 da Lei nº 8.666/93, especialmente sua parte final.
O fato de entender que a relação contratual se concretiza com o ato de adjudicação não significa que não se possa (ou se deva) juntar as duas vontades (a materializada no edital e a da proposta) num único instrumento, por exemplo: o termo de contrato. Isso pode e deve ser feito. No entanto, no caso do registro de preços, isso ocorre na própria ata, pois ela é o instrumento de contrato quando o negócio envolve o registro de preços. Assim, lavrada a ata, ou seja, o instrumento de contrato, o próximo passo será providenciar a publicação do extrato do referido instrumento para conferir eficácia ao acordo. No caso do registro de preços, o acordo é firmado sob condição. A condição é a ocorrência da efetiva demanda. Assim, à medida que ocorre a demanda, a Administração expedirá a ordem de fornecimento ou prestação de serviços, sem ter que gerar um instrumento de contrato para cada fornecimento.
Portanto, no meu modo de ver, não temos no registro de preços uma ata que produzirá vários contratos, mas sim um contrato que pode produzir vários fornecimentos.
Na última ponderação feita, você destaca a questão da eventual aplicação de penalidades (declaração de inidoneidade e suspensão) e dos efeitos que tais atos produziriam em razão do entendimento de que a ata tem natureza contratual, pois temos julgados especialmente do STJ no sentido de que os contratos celebrados anteriormente à data da sanção devem (ou podem) ser mantidos. O fato de o STJ ter ressaltado o efeito ex nunc da sanção ou penalidade imposta tem possibilitado a compreensão de que os contratos firmados anteriormente à decisão de punir devem ser preservados. De minha parte, devo dizer que vislumbro um conteúdo um pouco diferente para a decisão do STJ.
É certo afirmar que, em razão da declaração de inidoneidade ou suspensão, o apenado não mais poderá, enquanto perdurarem os efeitos da decisão, ser contratado pela Administração, salvo em situações absolutamente excepcionais. Da mesma forma, não se pode afirmar que o apenado tem o direito de exigir que as relações contratuais anteriores à aplicação da penalidade sejam mantidas, pois não foi isso que o STJ decidiu. Ele decidiu que a Administração deve avaliar se manterá ou não as relações contratuais firmadas anteriormente e que se estendam além da data do termo inicial da declaração e suspensão. Como o STJ reconheceu que o efeito da decisão é ex nunc (e, em regra, nem poderia ser diferente), caberá à Administração avaliar cada relação firmada com o apenado. É elogiável a decisão do STJ. Aliás, se tivesse agido diferentemente, ou seja, determinado que todas as relações contratuais com o apenado deveriam ser rescindidas, o Tribunal poderia estar instituindo o caos. Por isso, ele foi cauteloso.
Reconheço que a questão que você levantou é muito interessante e perspicaz. Mas acho que o entendimento do STJ não altera a questão em torno da natureza que conferi à ata de registro de preços. Até porque a formação do contrato administrativo não é (e não pode ser) condicionada pelo entendimento que se possa ter em relação aos efeitos da decisão de declaração de inidoneidade e suspensão. Reconheço que precisaria ponderar outras questões para deixar mais claro o raciocínio que embasou as conclusões do texto de 20 de julho. Mas não farei isso agora.
No entanto, prometo que utilizarei o Blog da Zênite para, gradualmente, apresentar outras ponderações, que somadas permitirão uma visão mais precisa sobre a formação do contrato administrativo que defendo.
Reitero os meus agradecimentos aos comentários feitos por você e espero contar com as suas ponderações nos próximos textos que publicar.
Forte abraço.
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