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Terceirização em foco - Inclui novidades do Decreto nº 12.174/2024
por Equipe Técnica da ZêniteCapacitação Online | 18 a 21 de fevereiro
O art. 8º, da Lei nº 14.133/2021, estabeleceu que o agente de contratação deverá ser designado entre os servidores detentores de cargos efetivos ou de empregos permanentes no âmbito da Administração Pública. Embora a regra possua uma relativa clareza quanto ao seu conteúdo e abrangência, tornando relativamente simples a sua compreensão, sua repercussão prática no âmbito da Administração pública tem gerado sensíveis dúvidas e, até mesmo, algum nível de confusão.
Muitos autores sustentam que a regra não possui natureza de norma geral, o que lhe tornaria aplicável apenas e tão somente no âmbito da União Federal. Vale aqui recordar que à União fora atribuída a competência para legislar normas gerais acerca de licitações e contratos, capazes de vincular toda a Administração Pública nacional, assim como normas específicas que, por sua vez, vinculam apenas a organização administrativa da União federal.
Aqueles que assim enfrentam o problema concluem, portanto, que o art. 8º, da Lei nº 14.133/2021, quando limita a designação do agente de contratação apenas aos detentores de cargos de provimento efetivo ou de empregos permanentes, não se aplica aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, os quais poderiam, no seu específico âmbito para legislarem normas específicas acerca de licitações e contratos, disciplinar regras distintas acerca do tema. Muitos chegam, inclusive, a defender que a aplicação do art. 8º às demais pessoas jurídicas de direito público interno resultaria em uma indevida intervenção da União liberdade de organização administrativa assegurado pela própria Constituição a cada uma das unidades federadas.
Reconheço que o raciocínio é muito bem elaborado e amparado em premissas técnicas e lógicas muito sólidas, o que não surpreende quando se avalia a grande competência de muitos dos defensores dessa tese.
Ouso, todavia, divergir dessa conclusão. E o faço com amparo em dois argumentos que, ao final, servirão de fundamentos para a defesa da tese de que o art. 8º não possui nada de norma específica restrita apenas à União federal.
O primeiro deles toma em consideração o fato de que o regime jurídico aplicável aos servidores públicos, em especial sua organização a partir de cargos empregos e funções públicas de provimento efetivo e em comissão, foi definido pela Constituição da República com o objetivo de abranger toda a Administração Pública brasileira, pouco importando sua divisão espacial (pessoa jurídica de direito público interno). Em outros termos, quem estabelece o regime segundo o qual os cargos empregos e funções públicas em geral poderão ser providos em regime efetivo ou em regime comissionado é a própria Constituição, sem qualquer espaço para que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal o excepcionem e criem formas de provimento distinto no âmbito de suas respectivas esferas de influência.
Aliás, pelo contrário. Cabe a cada unidade federativa criar e distribuir de forma específica e incremental cargos, núcleos de competências, entre outros aspectos que se revelarem necessários ao atendimento das suas necessidades sempre observando que o provimento dos agentes públicos deverá se dar por uma das formas estabelecidas na Constituição. E, ao fazê-lo, deverão inclusive observar quais funções poderão ser atribuídas aos cargos de provimento efetivo, e quais poderão ser dirigidas a cargos de provimento em comissão, observando os limites definidos para cada qual pela própria Constituição. Aqui, vale lembrar que a regra é que se criem cargos de provimento efetivo, restringindo-se os cargos de provimento em comissão somente para as atribuições de direção, chefia e assessoramento (art. 37, V, da CR/88), o que, inclusive, foi reafirmado recentemente pelo Egrégio STF[1].
Logo, quando a Lei nº 14.133/2021 estabelece que a função de agente de contratação deve ser exercida por um sujeito que possua relação funcional permanente com a Administração, ou seja, detentor de cargo de provimento efetivo ou de emprego permanente, ela não está realizando nenhuma ingerência na liberdade que as pessoas jurídicas de direito público interno possuem para dimensionar seus quadros funcionais. Apenas reconhece que as atribuições inerentes ao processamento das licitações são incompatíveis com as funções de chefia, assessoramento e direção, típicas dos cargos de provimento em comissão.
Haveria ofensa à liberdade administrativa de que gozam os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, e consequentemente o extrapolamento da competência assegurada à União para legislar normas gerais sobre licitações e contratos, se a Lei nº 14.133/2021 impusesse que a atribuição de agente de contratação deveria ser dirigida a um agente público de provimento efetivo titular de um determinado cargo técnico ou administrativo. Uma coisa é partir do regime funcional estabelecido na Constituição, que vincula todas as esferas de poder, e afirmar que as atribuições dos agentes de contratação são incompatíveis com cargos em comissão, o que parece perfeitamente compatível com o regime constitucional de competências e de liberdade administrativa. Outra, muito distinta, é invadir a organização administrativa de cada ente federativo e dizer que, entre os cargos empregos e funções que integram o quadro funcional, esse ou aquele cargo poderá ser designado agente de contratação, hipótese que revelaria ofensa clara à autonomia administrativa que milita em seu favor.
Portanto, o art. 8º da Lei nº 14.133/2021 não invadiu a competência específica das demais unidades federativas, tampouco ofendeu a autonomia administrativa dos demais entes federativos ao impor que a função de agente de contratação deve ser atribuída a agentes detentores de cargos de provimento efetivo ou detentores de empregos permanentes. O que fez foi partir do regime funcional definido de forma cogente pela Constituição da República para toda a Administração Pública e afirmar que as competências a serem atribuídas ao agente de contratação são incompatíveis com aquelas que podem ser exercidas em comissão. Daí para frente, escolher qual será o cargo de provimento efeito que será designado agente de contratação, é incumbência de cada ente federativo.
O segundo argumento, por sua vez, possui uma natureza quase metajurídica, mas importante para que a Lei nº 14.133/2021 cumpra alguns dos seus fins mais relevantes em termos de incremento da eficiência das contratações públicas.
Costumo afirmar que a Lei nº 14.133/2021 não se preocupou em modificar os procedimentos de seleção das propostas mais vantajosas que constitui o núcleo básico, o DNA primitivo de toda noção de procedimento licitatório. Além disso, a nova legislação propõe uma interessante oportunidade para a revisão e modificação da cultura administrativa que, até então, presidia a condução dos processos de contratação pública.
Ela deixa isso evidente quando traz para seu corpo algumas diretrizes que buscam aperfeiçoar a gestão pública contratual e que deverão ser observadas na construção das novas práticas que a conduzirão.
A nova Lei, quando afirma que a Administração deve criar e constantemente aperfeiçoar suas diretrizes de planejamento institucional, visando a mapear e tornar tanto quanto possível previsível a sua atuação contratual, assim como quando impõe que cada especial contratação se subordine a um criterioso processo de planejamento que busca assegurar a contratação do objeto mais efetivo e eficiente para a satisfação da necessidade pública, nada mais faz senão convidar a Administração Pública a reavaliar as técnicas até então praticadas com apoio na legislação anterior.
E mais, quando se considera que, na definição dessas práticas, a nova Lei impõe que a Administração observe critérios de boa governança, promova a gestão por competências, e observe tanto quanto possível a segregação de funções, o convite à reflexão acima insinuado se revela mandatório. Afinal, para cumprir tais encargos, deve cada Administração avaliar em termos concretos a força de trabalho que dispõe para atuar em contratação pública, designando para atuar em cada especial função os agentes que demonstrarem maior aptidão para o seu desempenho. E mais, deverá exercer sua competência regulamentar para definir como os incidentes de execução contratual serão processados e impulsionados, definindo em diretrizes claras suas etapas e requisitos, bem como quem serão os agentes responsáveis por sua instrução e decisão, aumentando sensivelmente a segurança jurídica das contratações públicas que, ao tempo da vigência do regime anterior, tanto sofria com essa indefinição.
Por isso me parece que aceitar a tese de que a norma do art. 8º não obriga Estados, Municípios e o Distrito Federal é um grande convite a manter as coisas do jeito que sempre foram, de forma a impedir que o propósito rejuvenescedor da nova Lei, no que toca à profissionalização das suas estruturas de contratação, efetivamente ocorra. Em último caso, a Administração permaneceria praticando os mesmos atos e a mesma cultura burocrática, substituindo os velhos nomes do passado por designações mais “modernas”.
Devo dizer, ao final, que não sou insensível à realidade da imensa maioria dos ambientes administrativos que sequer possuem meios de, atualmente, dar cumprimento à regra legal. Mas a pior forma de resolver o problema é contrapondo-se à mudança, buscando a manutenção do estado atual das coisas. Isso sim, na minha opinião, faria com que os velhos problemas do passado permanecessem no futuro, cambiando, quando muito, seus nomes.
A solução para o problema criado pela realidade deve ser gerido dentro de rigorosos padrões de bom senso e razoabilidade. A Administração deverá mapear o pessoal que pode aplicar na condição de contratações públicas e, a partir disso, definir limites reais da intensidade na qual a regra do art. 8º pode ser cumprida na atualidade, aplicando ao caso a conhecida noção de reserva do possível. Mas essa impossibilidade atual de cumprir a lei, por sua vez, não poderá ser eternizada. Caberá à Administração discutir e estabelecer um plano de metas para, a médio prazo, solucionar o impasse.
[1] Ao julgar o RE 1.041.210, o STF fixou a seguinte tese de repercussão geral: “a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.”
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