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Terceirização em foco - Inclui novidades do Decreto nº 12.174/2024
por Equipe Técnica da ZêniteCapacitação Online | 18 a 21 de fevereiro
A rigor, a aplicação das multas previstas no edital e no contrato, para sancionar condutas infracionais dos particulares ou, até mesmo, a mora e o inadimplemento contratual, não admite nenhum tipo de flexibilização ou atenuação da pena. Ao tomar em conta que as multas se dirigem diretamente para as condutas reputadas como infração administrativa ou contratual por elas abrangidas, uma vez constatado tal comportamento, deve haver a aplicação da cominação respectiva.
Muitos, inclusive, sustentam que a relativização das multas pode servir como elemento potencialmente ofensivo aos princípios da isonomia, impessoalidade e, até mesmo, da moralidade, na medida em que estabeleceriam um benefício ao apenado que não foi previsto no edital/contrato e que, por esse motivo, não poderia ser aplicado.
Isso tudo, ao menos, quando não prevista regra expressa no edital autorizando a redução das multas.
Eis aqui um ponto interessante que, mesmo antes de avançar na solução do problema que pretendo abordar, desperta a necessidade de recomendar uma diretriz de melhor prática para ser considerada no planejamento das licitações pela Administração Pública.
Ora, se a experiência demonstrou que, em determinadas situações, a previsão de uma multa absoluta, sem exceções, pode resultar em uma sanção desproporcional e desarrazoada, talvez seja oportuno prever, no edital, que o valor da multa poderá ser reduzido se a situação fática, examinada a partir das ponderações para fins de dosimetria da pena previstas no art. 156, § 1º, da Lei nº 14.133/2021, impuserem a sua redução visando a evitar desvios na competência sancionatória da Administração.
Até porque, os parâmetros para a dosimetria da pena, previstos no art. 156, § 1º, da Lei nº 14.133/2021, são originariamente dirigidos para os casos em que há relativa margem de liberdade para definir qual sanção será, de fato, aplicada, ou seja, para definir se o caso comportará a advertência, o impedimento ou a declaração de inidoneidade. Nas multas, não há essa imprecisão; antes disso, uma vez praticada a infração, o montante da pena já está definido pelo contrato.
Mas claro que essa discussão perde seu sentido quando o edital/contrato expressamente subordinam as multas a tal regime, tornando objetiva a possibilidade de que, ao largo do processo administrativo, as circunstâncias de fato sejam sopesadas e, identificada a desproporção da multa, resultem na sua redução equitativa[1].
Mas, retomando o exame do problema concreto, é importante reconhecer que já houve casos em que a jurisprudência dos tribunais judiciários reconheceu a possibilidade de reduzir multas contratuais aplicadas pela Administração. Esse reconhecimento, todavia, limita-se aos casos em que o valor da multa se mostra indiscutivelmente exorbitante para apenar a infração, resultando em enriquecimento ilícito da Administração.
Essa tese já foi defendida pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n° 330.677, de cujo voto extraem-se as seguintes passagens:
“Assim, verifica-se que na aplicação da multa foi inobservado o Princípio da Razoabilidade haja vista que a penalidade imposta onerou sobremaneira a empresa contratada a qual acabou por não receber o valor devido a título de contraprestação do serviço prestado, embora tardiamente, uma vez que o cerca de 88% (oitenta e oito por cento) foi abatido do quantum avençado a título de sanção pecuniária.
Com razão, portanto, o acórdão recorrido ao desenvolver a fundamentação seguinte (fls. 176/177):
‘(…)
Este princípio, oriundo do Direito Administrativo e que na origem significava apenas que ‘as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas’ (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 4ª ed., Malheiros, p. 56), acabou por transbordar de sua matriz para impregnar todo o sistema jurídico. Reflete ele o próprio núcleo do direito, que repousa nas idéias de equilíbrio e eqüidade. O direito abomina o excesso, seu uso desviado das finalidades: summum jus, summa injuria.
As penas administrativas, da mesma forma que as do direito privado, devem ser moderadas. Não podem ser um instrumento para destruir, para aniquilar o contratante mais fraco. No caso dos autos o exagero da penalidade é flagrante. Embora de natureza moratória, onerou em mais de 80% o crédito da autora. Salta aos olhos sua iniquidade que, se não purgada, poderá levá-la à ruína. Sua redução ao patamar de 10%, por aplicação analógica do art. 52, § 1º, do Código do Consumidor, restituiu-lhe a razoabilidade, não merecendo qualquer censura.
(…) Portanto, a demora não era injustificada, e a mora não dizia respeito à totalidade do objeto do contrato, mas apenas a parte dele, sendo perfeitamente adequada a redução da multa com base no art. 924 do Código Civil Brasileiro.
Não é demais observar, por fim, que a Lei nº 8.666/93, embora não tenha fixado limites à multa moratória, condicionou sua imposição a prévio e regular processo administrativo (art. 86, § 2º), em respeito ao mandamento do art. 5°, LIV, da Constituição formalidade essencial que, no caso, não foi observada. A multa foi imposta unilateralmente, sem qualquer contraditório, sendo, a rigor, nula’.” (Rel. Min. José Delgado, j. em 02.01.2002, 04.02.2002.)
Essa mesma Corte, em precedentes mais recentes, ratificou essa posição:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MULTA PREVISTA EM EDITAL DE LICITAÇÃO. VALOR EXORBITANTE. CONSTATAÇÃO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ, via de regra, reputa incabível na via especial a revisão do valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de multa, ante a impossibilidade de análise de fatos e provas, conforme a Súmula 7 do STJ. 2. Em caráter excepcional, admite-se a alteração da penalidade quando o quantum imposto se mostrar irrisório ou exorbitante, ou seja, em descompasso com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (REsp 1.859.535/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, julgado em 10/03/2020, DJe 26/06/2020). 3. Hipótese em que a sanção imposta à licitante pela não apresentação de um único documento relativo à habilitação (certidão de falência e concordata), a despeito de prevista no edital, foi aplicada em montante manifestamente excessivo (10% do valor estimado para a contratação – R$ 1.334.150,00), pois, conforme historiado na sentença, além de não ter sido “praticado nenhum ato desonesto ou inidôneo que pudesse macular ou procrastinar o certame em prejuízo da Administração”, o preceito editalício impõe a mesma sanção para situações “totalmente discrepantes” e sem nenhuma gradação quando prevê que “o licitante que entregar documentação falsa ou que se comportar de modo inidôneo será punido com a mesma sanção que aquele que deixar de entregar um único documento.” 4. Manutenção da decisão agravada que acolheu o apelo especial para restabelecer a sentença, na qual a multa foi reduzida para 1% do valor efetivamente contratado (R$ 9.985,50 – nove mil, novecentos e oitenta e cinco reais e cinquenta centavos). 5. Agravo desprovido.” (STJ, AgInt no AREsp 1456402 ES 2019/0052774-5, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 08.03.2021, 1ª Turma, DJe 17.03.2021, destacamos.)
Sob outro enfoque, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu adequada a decisão da Administração quanto à redução do percentual de multa moratória incidente no caso concreto, tendo em vista a desproporção da medida:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO CELEBRADO PELO TCU. AQUISIÇÃO DE COMPUTADORES E SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA. ATRASO INJUSTIFICADO NO ATENDIMENTO DE CHAMADAS E DE ENTREGA DE RELATÓRIOS. MULTA DE 10% DO CONTRATO. DESPROPORCIONALIDADE. 1. Não se conhece do agravo retido em razão de não haver pedido expresso para sua apreciação pelo Tribunal. 2. A apelante foi contratada em 26/10/2003, pelo TCU, para fornecer microcomputadores e prestar serviços de assistência técnica pelo prazo de 4 anos, comprometendo-se a emitir relatórios e a atender aos chamados nos prazo estipulados no contrato, sob pena de multa diária de 0,33% sobre o valor total do contrato em caso de atraso na entrega dos relatórios e de 0,01% sobre o valor total do contrato, por atraso no atendimento de “cada um dos chamados de assistência técnica”. 3. Devido a atrasos no total de 123 dias no atendimento de chamadas de serviços de assistência técnica e de atrasos de 76 dias na emissão de relatórios, a administração do TCU aplicou-lhe multa moratória equivalente a 10% do valor total do contrato (Lei 8.666/1993, art. 86), totalizando R$ 123.518,77, quando, na literalidade do contrato, os atrasos correspondiam a 26,31% (25,08% em relação aos relatórios e 1,23% concernente às chamadas de assistência técnica). 4. A administração do TCU considerou excessiva a multa por atraso na entrega de relatórios no percentual de 25,08% do total do contrato, “posto que se por um lado sanciona a mora solvendi da contratada, noutro poderá implicar desequilíbrio da equação contratual”. 5. A apelante diz ser justificado o atraso no atendimento das chamadas, pois decorreu de pane no sistema informatizado de registro, controle e acompanhamento dos chamados técnicos e de greve deflagrada pelos servidores da Receita Federal, o que teria impedido o recebimento de equipamentos importados, mas, de acordo com o apurado pela Secretaria de Tecnologia da Informação do TCU, a maior parte dos atrasos é anterior ao defeito no sistema da apelante, bem como “52% dos problemas relatados foram sanados por meio da substituição da fonte de alimentação ou do mouse dos equipamentos afetados”, produtos de fabricação nacional, de modo que a greve na Receita Federal em nada contribuiu para as ocorrências. 6. O ato administrativo está adequado e suficientemente motivado, não se justificando intervenção judicial de modo a substituir a discricionariedade da Administração. 7. Apelação a que se nega provimento.” (AC 200634000049788, 5ª Turma, e-DJF1 de 29/04/2011 – destacamos.)
Na mesma linha, seguiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE COBRANÇA. ECT. CONTRATO ADMINISTRATIVO. DESCUMPRIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA. REDUÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. A despeito da aplicação da letra fria da lei, não se pode deixar de considerar que a razoabilidade e o senso de justiça devem orientar a prática administrativa, de forma a permitir que no caso concreto diante das peculiaridades que a situação apresenta, seja passível de redução a penalidade administrativa. 2. A penalidade deve atender ao critério da adequação entre meios e fins, que veda a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público (inciso VI do art. 2º da Lei nº 9.784/1999, que regula o Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal). 3. A multa resultou em valor exorbitante, pois se aproxima do valor global do contrato inicial, afastando-se do princípio de proporcionalidade e razoabilidade. 4. Conquanto o valor fixado decorra de normas legais, é possível a redução para percentual compatível com o valor do contrato. (AC: 50112500720124047200 SC 5011250-07.2012.404.7200, Rel. Luís Alberto D´Azevedo Aurvalle, j. em 10.05.2017, 4ª Turma.)”
Outras Cortes de Apelação já permitiram a redução da multa nos casos em que a obrigação foi descumprida em percentual irrisório ou, ainda, quando a inexecução em si é irrelevante ou teve seus efeitos contidos pelo devedor, aplicando a teoria do adimplemento substancial, vinculada à teoria geral dos contratos, às relações contratuais do Poder Público. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em um precedente interessante, já defendeu essa posição:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA CONTRATO ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE INSUMOS. MULTA. Entrega do insumo para laboratório feita com atraso. Descumprimento parcial da obrigação. Multa fixada pela administração. Intepretação contratual. Divergência entre a expressão numérica e o valor por extenso da multa punitiva. Resolução em favor do contratado. Controle de legalidade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário quando eivados de ilegalidade ou mesmo desproporcionais. Possibilidade. Adimplemento contratual substancial. Demora na entrega de itens correspondentes a 2% da expressão econômica do contrato. Multa correspondente a quase vinte vezes o valor destes. Penalidade contratual passível de redução equitativa pelo juiz na hipótese de revelar-se excessiva. Inteligência do Art. 413 do Código Civil e art. 54 da Lei nº 8.666/93. Precedentes. Sentença reformada. Recurso provido.” (AC: 10550711020208260053 SP 1055071-10.2020.8.26.0053, Rel. Heloísa Martins Mimessi, j. em 21.06.2021, 5ª Câmara de Direito Público, publicado em 22.06.2021.)
Dentro dessa linha de pensamento, a Administração poderia avaliar a conduta do particular e os efeitos daí advindos. Caso verificasse que há inquestionável desproporção entre a conduta e a multa, poderia reduzi-la a percentual compatível com a situação de fato vivenciada.
Então, com o objetivo de concluir, pode-se afirmar que, dentro de uma perspectiva tradicional e conservadora, a omissão do edital e prever regra expressa autorizando a redução da multa quando as circunstâncias descritas no art. 156, § 1º, da Lei nº 14.133/2021 assim impuserem, inviabiliza a revisão do percentual originariamente estabelecido para a cominação.
Em contrapartida, há precedentes jurisprudenciais que já acolheram a possibilidade de a multa ser reduzida quando evidenciada sua notória desproporção com a infração a ser apenada.
Embora eu costumeiramente não seja uma grande entusiasta das teorias que defendem a intervenção nos contratos visando a alterar suas regras originárias, aqui ouso abrir uma exceção. Logo, se houver clara e incontroversa desproporção entre a multa e a infração, a multa poderá ser reduzida com o objetivo de evitar o enriquecimento ilícito da Administração.
__________________________
[1] No âmbito dos contratos privados, o Código Civil brasileiro traz desde logo uma regra que permite a redução equitativa da multa quando ela for manifestamente desproporcional. Acontece que essa redução, como não poderia ser diferente naquele regime, deve ser aplicada pelo juiz: “Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.”
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