Irregularidade no SICAF autoriza retenção de pagamento?

Planejamento

Frequentemente servidores que atuam na área da contratação pública indagam se eventual condição de irregularidade perante o SICAF da contratada autoriza a Administração contratante a reter os pagamentos devidos.
Por incrível que pareça, a solução é extremamente simples, em que pese a divergência de entendimentos entre o TCU e o STJ fazer parecer ser mais complicada do que realmente é!

O SICAF tem como finalidade “a habilitação dos fornecedores em licitação, dispensa, inexigibilidade e nos contratos administrativos pertinentes à aquisição de bens e serviços, inclusive de obras e publicidade, e a alienação e locação” (art. 1º, § 1º, do Decreto nº 3.722/01).
Baseado nisso, é fácil perceber que qualquer irregularidade de licitantes perante o SICAF recairá sob as condições de habilitação.
O art. 55, inc. XIII, da Lei de Licitações prevê a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação. O não cumprimento dessas condições possibilita à Administração rescindir, de forma unilateral, o contrato (art. 78, inc. I c/c art. 79, inc. I) e, ainda, aplicar as sanções devidas ao particular (art. 87).
Apesar de eventuais irregularidades perante o SICAF permitirem a rescisão do contrato pela Administração, dado o não atendimento ao disposto no art. 55, inc. XIII, da Lei nº 8.666/93, a adoção de conduta tendente à retenção de pagamento devido ao contratado, como consequência, possui algumas divergências no âmbito dos Tribunais.
O Tribunal de Contas da União, por exemplo, no Acórdão nº 740/2004 – Plenário, entendeu que, havendo cláusula contratual prevendo tal possibilidade, é possível haver retenção do pagamento ao contratado por irregularidades perante determinadas condições de habilitação.
E, no Acórdão nº 837/2008, o Plenário do TCU firmou “entendimento, aplicável a todos os órgãos/entidades da Administração Pública Federal, no sentido da inclusão, em editais e contratos de execução continuada ou parcelada, de cláusula que estabeleça a possibilidade de subordinação do pagamento à comprovação, por parte da contratada, da manutenção de todas as condições de habilitação, aí incluídas a regularidade fiscal para com o FGTS e a Fazenda Federal, com o objetivo de assegurar o cumprimento do art. 2º da Lei nº 9.012/95 e arts. 29, incisos III e IV, e 55, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93”.
Essas manifestações permitem estender o mesmo raciocínio para os casos em que a irregularidade for verificada perante o SICAF, haja vista implicar perda das condições de habilitação.
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça possui reiteradas decisões considerando ilegal a retenção de pagamento, especialmente no caso de o objeto ter sido cumprido pela contratada. Segundo o STJ, não há amparo legal para tanto, pois não consta do “rol do art. 87 da Lei nº 8.666/93 a retenção do pagamento pelos serviços prestados”. Segundo essa Corte, “o descumprimento de cláusula contratual pode até ensejar, eventualmente, a rescisão do contrato (art. 78 da Lei de Licitações), mas não autoriza a recorrente a suspender o pagamento das faturas e, ao mesmo tempo, exigir da empresa contratada a prestação dos serviços”. (STJ, REsp nº 633432/MG, Rel. Min. Luiz Fux.)
Diante desse impasse, parece-me que a melhor solução conduz à conclusão de que, havendo cláusula contratual específica, que imponha a manutenção das condições de habilitação como condição para a realização do pagamento, viabiliza-se a retenção.
Nessa hipótese, o fundamento legal passa a ser a própria disciplina avençada entre as partes, haja vista de acordo com o art. 66 da Lei nº 8.666/93, “o contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas dessa Lei, respondendo cada uma pelas consequências de sua inexecução total ou parcial”. Ainda, o próprio art. 55, inc. XI, da Lei de Licitações prevê, como cláusula obrigatória nos contratos, “a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor”.
Logo, não parece adequado negar efeitos à cláusula que estabeleça eventual retenção de pagamento no caso de descumprimento do dever de manutenção das condições de habilitação, se essa for a razão da condição de irregularidade perante o SICAF.
O próprio STJ corrobora esse entendimento ao julgar que “Havendo cláusula contratual no sentido de que os serviços ajustados, após realizados, serão liquidados pela sociedade de economia mista mediante a apresentação de nota fiscal e comprovantes de guias de recolhimento do INSS e do FGTS, justificado está o fato da negação do cumprimento do pagamento quando essas obrigações não forem adimplidas”. (STJ, REsp nº 1.010.824, Rel. Min. José Delgado, julgado em 08.04.2008.)
Diante dessas razões, a melhor maneira de afastar a polêmica que paira sobre o assunto parece-me ser justamente disciplinando a questão no contrato, afinal, já diz o ditado popular “o que é contratado não é caro”.

Continua depois da publicidade
Seja o primeiro a comentar
Utilize sua conta no Facebook ou Google para comentar Google

Assine nossa newsletter e junte-se aos nossos mais de 100 mil leitores

Clique aqui para assinar gratuitamente

Ao informar seus dados, você concorda com nossa política de privacidade

Você também pode gostar

Continua depois da publicidade

Colunas & Autores

Conheça todos os autores
Conversar com o suporte Zênite