Nova Lei de Licitações e a segregação de funções

Nova Lei de Licitações

Questão apresentada à Equipe de Consultores Zênite:

“Tendo em vista o princípio da segregação de funções, previsto na Lei nº 14.133/2021, é possível que servidores do setor de compras e licitações também atuem como agente de contratação, integrem a equipe de apoio e/ou componham a comissão de contratação?”

DIRETO AO PONTO

O simples fato de o agente público integrar o setor de compras e licitações, por si só, não é suficiente para determinar violação ao princípio da segregação de funções, caso seja designado para atuar como agente de contratação, ser membro da equipe de apoio e/ou compor a comissão de contratação.

Logo, para a Zênitesem prejuízo de reforçar a polêmica em torno do tema (e, aliás, uma tendência mais conservadora no âmbito das Cortes de Contas), é possível esse tipo de acúmulo especialmente se (1) tal atuação ocorrer relativamente a processos de contratação distintos; ou (2) ainda que envolvendo um mesmo processo, o agente atua por meio de uma equipe/colegiado, não tomando decisões isoladamente a respeito de determinada fase/etapa (o que poderia potencializar a ocultação de erros/fraudes).

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Por fim, não descartamos que, em determinados cenários, devido às restrições de pessoal, seja necessário conciliar funções em etapas diferentes do processo de contratação pública, ainda que, à luz das diretrizes acima, o ideal fosse segregá-las. Sendo esse o caso, importante justificar as razões fáticas determinantes dessa opção (limitação do quadro e inviabilidade de adotar opção diversa) e, na medida do possível, reforçar mecanismos já existentes de fiscalização, a exemplo das atividades de controle interno.

Lembrando das diretrizes da Lei de Introdução às Normas de Direito brasileiro, alterada pela Lei nº 13.655/2018:

Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.(Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Destacamos.)

Salvo melhor juízo, essa é a orientação da Zênite, de caráter opinativo e orientativo, elaborada de acordo com os subsídios fornecidos pela Consulente.

FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o art. 7º da Lei nº 14.133/2021:

Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:

I – sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública;

II – tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e

III – não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.

Ainda, de acordo com o disposto no § 1º do mesmo artigo, a designação deverá “observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação”. (Destacamos.)

O art. 5º da Lei nº 14.133/2021 estabelece a necessidade de a Administração observar, na aplicação da Lei em comento, o princípio da segregação de funções.

A respeito desse princípio, a doutrina informa:

A rigor, trata-se de princípio inerente ao controle interno, que estabelece o dever de assegurar a separação de atribuições entre servidores distintos nas várias fases de um determinado processo, em especial as funções de autorização, aprovação, execução, controle e contabilização das operações.

No âmbito das contratações públicas, o princípio da segregação de funções objetiva prevenir erros, omissões, fraudes e o uso irregular de recursos públicos por meio da repartição de funções essenciais para a formação e o desenvolvimento das contratações, impedindo que um mesmo agente público seja responsável por atividades incompatíveis, tais como executar e fiscalizar uma mesma atividade.1

Diante disso, essa Consultoria entende que o fato de o agente público integrar o setor de compras e licitações, por si só, não é suficiente para determinar violação ao princípio da segregação de funções, caso seja designado para atuar como agente de contratação, ser membro da equipe de apoio e/ou compor a comissão de contratação.

Nesse sentido, alguns aspectos precisam ser ponderados, até para não inviabilizar, em razão de uma aplicação radical do princípio da segregação das funções, o próprio funcionamento da máquina administrativa.

Seguindo esse alinhamento, sugere-se a adoção de alguns critérios, a fim de nomear os agentes para o exercício das funções pertinentes, sem ofender o referido princípio. São eles:

1. Quem executa não fiscaliza os atos correspondentes

Exemplo: não seria possível integrante da assessoria jurídica, que fará o controle de legalidade de determinada minuta de edital, participar da sua elaboração.

Logo, guardadas as devidas proporções, esse princípio informa que não se deve conceder ao defensor de um réu a atribuição de julgá-lo; nem ao executor de uma obra a atribuição de fiscalizá-la, nem ao tomador de contas a atribuição de prestá-las etc. Em suma, não se pode atribuir a uma mesma pessoa o exercício concomitante de funções incompatíveis entre si.

2. Evitar designar o mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes

Seguindo a mesma lógica, a depender das atribuições exercidas pelo agente no desempenho de suas atividades no setor de licitações e contratos, é possível que a atuação nas funções de agente de contratação, membro da equipe de apoio e/ou comissão de contratação coloquem em risco o controle do processo.

No entendimento da Zênite, isso ocorreria, especialmente, se esse mesmo agente tomasse decisões nessas diferentes fases de um mesmo processo de contratação, assinando, fiscalizando, decidindo a respeito.

Agora, talvez esse agente integre uma comissão, de modo que as decisões/análises sejam colegiadas (em conjunto), e sequer assina, por exemplo, atos do planejamento. Em hipótese como essa, até em função da atuação conjunta (por meio de equipe), o eventual risco de ocultação de erros/fraudes resta bastante mitigada, razão pela qual, nos parece, seria possível nomeá-lo para, além de integrante do setor de licitações, igualmente desempenhar a função de membro de equipe de apoio ou comissão de contratação (situações em que as análises também são colegiadas). Já a nomeação para função de agente de contratação precisaria ser sopesada com mais cautela.

Portanto, o fator determinante a ser examinado, a fim de verificar eventual violação ao princípio da segregação de funções, é o conjunto de atribuições exercido pelo agente no curso de um mesmo processo administrativo de contratação, se tais atuações fragilizam o controle, por permitirem a ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação. Admitir essa situação colocaria em risco a lisura e o controle do processo.

O tema é delicado. Haverá situações muito claras de vedação/permissão, inseridas, portanto, na ideia de certeza positiva ou negativa. Por outro lado, algumas estarão em zona cinzenta, exigindo análise bastante circunstancial, no sentido de ponderar riscos à ocultação de erros/fraudes.

Feito este registro, não se pode deixar de reforçar que a questão é polêmica, e o TCU, ao menos nos precedentes exarados até o momento, tem uma visão bastante restritiva a respeito. Vejamos:

A atribuição, ao pregoeiro, da responsabilidade pela elaboração do edital cumulativamente às atribuições de sua estrita competência afronta o princípio da segregação de funções adequado à condução do pregão, inclusive o eletrônico, e não encontra respaldo nos normativos legais que regem o procedimento. (Acórdão nº 3.381/2013 – Plenário.)

É vedado o exercício, por uma mesma pessoa, das atribuições de pregoeiro e de fiscal do contrato celebrado, por atentar contra o princípio da segregação das funções. (Acórdão nº 1.375/2015 – Plenário.)

A participação de servidor na fase interna do pregão eletrônico (como integrante da equipe de planejamento) e na condução da licitação (como pregoeiro ou membro da equipe de apoio) viola os princípios da moralidade e da segregação de funções. (Acórdão nº 1.278/2020 – Primeira Câmara.)

NOTAS E REFERÊNCIAS

GUIMARÃES, Edgar e SAMPAIO, Ricardo. Dispensa e inexigibilidade de licitação: Aspectos jurídicos à luz da Lei nº 14.133/2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 29.

[Blog da Zênite] Nova Lei de Licitações e a segregação de funções

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