Como é sabido, existem penalidades que afastam o direito dos particulares de participar de licitações e de celebrar contratos com a Administração Pública. A rigor, essas sanções são aplicadas com base no art. 87, III e IV, da Lei de Licitações e no art. 7º da Lei nº 10.520/02.
Contudo, existem outros dispositivos que fundamentam a aplicação de sanções dessa espécie.
É justamente o caso da proibição de participar de licitação e de contratar com o Poder Público em decorrência de condenação por doação em favor de partidos políticos acima do limite legal (art. 81, § 3º, da Lei nº 9.504/97).
Diante disso, pretende-se apresentar algumas considerações sobre os efeitos dessa penalidade.
Como dito, segundo o art. 81, § 3º, da Lei nº 9.504/97, as pessoas jurídicas que efetivarem doações acima do limite legal admitido sujeitar-se-ão à “proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.”
Do dispositivo não se infere qualquer restrição ao âmbito de incidência dos efeitos da sanção.
Por consequência, é possível entender que a proibição de participar em licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público de que trata a Lei nº 9.504/97 se estende a todos os órgãos e entidades da Administração Pública, independentemente do âmbito em que se deu a irregularidade praticada.
Se a intenção fosse restringir os efeitos da sanção do § 3º do art. 81 aos órgãos e entidades integrantes da esfera federativa em que houve a prática do ilícito (doação em favor de partidos políticos em valor superior ao fixado legalmente), então, a Lei nº 9.504/97 o teria feito de forma expressa.
Ao se referir à participação em “licitações públicas” e celebração de “contratos com o Poder Público”, a Lei nº 9.504/97 acaba por indicar que a sanção detém seus efeitos da forma mais ampla possível.
Nem poderia ser diferente, uma vez que a finalidade da instituição da sanção em comento é justamente coibir o desequilíbrio nos pleitos em decorrência do apoio de pessoas (sejam físicas ou jurídicas) com poder econômico significativo.
Pretende-se, com isso, privilegiar os princípios do Direito Eleitoral, em especial o da lisura das eleições, acerca do qual são válidas as lições de Marcos Romayana:
“Toda a atuação da Justiça Eleitoral, do Ministério Público, dos partidos políticos e candidatos, inclusive do eleitor, deve pautar-se na preservação da lisura das eleições.
As eleições corrompidas, viciadas, fraudadas e usadas como campo fértil da proliferação de crimes e abusos do poder econômico e/ou político atingem diretamente a soberania popular tutelada no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, ‘Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’, (…).
O princípio está referido no art. 23 da Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990): ‘O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para as circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral‘.”[1] (destaques do original)
A fim de melhor elucidar a questão acerca do objetivo da regra constante do art. 81 da Lei nº 9.504/97, é válido destacar as considerações constantes do Boletim Informativo da Escola Judiciária Eleitoral do TSE nº 13, 6 de setembro de 2010, acerca do Financiamento e Gastos de Campanha Eleitoral:
“Por que a lei intervém no controle do financiamento e dos gastos de campanha eleitoral?
Para resguardar certos princípios defendidos pela lei eleitoral, como é o caso da igualdade de oportunidades entre os candidatos na disputa eleitoral e da moralidade e impessoalidade no exercício dos mandatos públicos e na administração da coisa pública.
No caso do princípio da igualdade entre os candidatos, a intervenção se nota pelas limitações, qualitativas ou quantitativas, impostas às doações e aos gastos eleitorais, de maneira a tornar a disputa eleitoral mais igualitária, afinal, a maioria dos candidatos não possui condições financeiras substanciosas para arcar com a disputa. No caso do princípio da moralidade e impessoalidade públicas, a intervenção se nota, por exemplo, na exigência de transparência do quantitativo dos valores doados e da identificação dos correspondentes doadores, ou, ainda, na vedação de doações por certas entidades públicas ou subvencionadas por verbas públicas, tudo a fim de se coibir a eventual interferência dos interesses particulares e escusos, ou eventual abuso de poder político no patrocínio de campanhas eleitorais.”[2]
Portanto, em consideração à finalidade pretendida com a instituição da penalidade em comento para as pessoas jurídicas que incorrerem no ilícito descrito, não se mostra cabível a restrição dos efeitos da sanção somente ao âmbito do ente federativo em que houve a sua prática.
Reforça esse raciocínio o disposto na Lei Complementar nº 64/90, alterada pela Lei Complementar nº 135/2010, que inclui no rol de inelegíveis para quaisquer cargos públicos “a pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22” (art. 1º, I, “p”).
Outro indício de que o âmbito de incidência dos efeitos da proibição de participar de licitações e de celebrar contratos com o Poder Público não deve ser restrito decorre do fato de que não há discussão a respeito do assunto na jurisprudência. As manifestações dos Tribunais Regionais Eleitorais se restringem a tratar da aplicação da penalidade, da sua proporcionalidade em face do ilícito, sem, contudo, abordar qualquer aspecto afeto ao âmbito de incidência dos seus efeitos.
Com isso, tudo leva a crer que a proibição de licitar e de contratar com o Poder Público imposta em decorrência do art. 81, § 3º, da Lei nº 9.504/97 deve ser estendida a todos os órgãos e entidades da Administração Pública federal, distrital, estadual e municipal.
Sendo assim, compete à Administração Pública adotar as cautelas cabíveis com vistas à identificação de eventuais impedimentos de licitar impostos aos licitantes.
Veja-se que a Lei de Licitações não estabelece a possibilidade de exigir certidões da Justiça Eleitoral para fins de demonstrar a ausência de penalidades que afetem a legitimidade do licitante de participar de licitações e de celebrar contratos com a Administração Pública.
Por essa razão, embora não seja possível exigir como condição de participação ou de habilitação que o particular apresente documento de tal natureza, é recomendável que a Administração realize consulta junto ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), o qual constitui um banco de informações mantido pela Controladoria-Geral da União que tem como objetivo consolidar a relação das empresas e pessoas físicas que sofreram sanções pelos órgãos e entidades da Administração Pública das diversas esferas federativas. Além das empresas apenadas por órgãos ou entidades do Governo Federal, o CEIS já conta com dados de empresas apenadas pelos seguintes estados da federação: Acre, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Sergipe, São Paulo e Tocantins.
Sobre o assunto, é oportuno mencionar que o Tribunal de Contas da União recomendou à SLTI/AMPOG que orientasse os gestores dos órgãos do SISG sobre a importância de consultar o CEIS em complementação à consulta do SICAF, a fim de evitar a contratação de empresas que tenham sofrido penalidades que obstem a celebração de ajustes com o Poder Público (Acórdão nº 1793/2011 – Plenário).
Então, a partir da finalidade pretendida com a instituição da proibição de participar de licitação e de celebrar contrato com o Poder Público em face das pessoas jurídicas que efetuam doações a partidos políticos acima do limite legal, tem-se que os seus efeitos devem se estender à toda a Administração Pública (federal, distrital, estadual e municipal).
Como não há previsão legal acerca da exigência de certidão da Justiça Eleitoral dos licitantes, não cabe à Administração exigi-la em suas licitações. O que se mostra recomendável é a realização de consulta junto ao CEIS, a fim de verificar a existência de registro de penalidades que impeça a participação em licitações ou a celebração de contratos com o Poder Público.
[1] RAMAYANA, Marcos. Resumo de Direito Eleitoral. 5. ed., Niterói: Editora Impetus, 2012, p. 14.
[2]http://www.tse.jus.br/hotSites/eje/arquivos/informativos/13_Financiamento_Gastos_Campanha_Eleitoral.pdf