Eis um novo desafio para os órgãos e entidades públicos a partir da nova Lei de Licitações: implementar a gestão por competências. Além de ser uma prática mais conhecida no setor privado do que no público, trata-se de um projeto de fôlego que vai exigir a capacitação dos servidores da área de recursos humanos e da autoridade competente e muita sensibilidade para a construção de algo que impactará a todos que atuam nas contratações públicas.
A gestão por competências compreende um processo com várias etapas que objetivam conhecer as demandas de capacitação e desenvolvimento, como:
- Mapeamento de competências necessárias para cada atividade, de acordo com os objetivos da instituição;
- Avaliação do perfil dos profissionais que ocupam cada função em relação às competências;
- Identificação das oportunidades de desenvolvimento com o propósito de resolver os gaps existentes entre o perfil da função e do profissional.
Leme (2005) define esse modelo de gestão da seguinte forma:
Isso é gestão por competências: saber os conhecimentos, as habilidades, as atitudes ou os comportamentos que a empresa precisa ter em seus colaboradores para que todos, de forma orientada e organizada, possam alcançar os objetivos traçados. (LEME, 2005, p. 10)
A nova Lei de Licitações traz, em seu art. 7º, a responsabilidade da autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou quem as normas da organização administrativa indicarem, promover, dentre outras ações, a gestão por competências. Além disso, a Lei orienta, no art. 11, parágrafo único, uma atuação da alta administração de cada órgão ou entidade, em relação à governança pública, tão necessária para o desenvolvimento do País, vejamos:
Art. 11
(…)
Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança nas contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput desse artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações (grifo nosso).
Observa-se que, a gestão por competências está conectada com a governança nas contratações, uma vez que diz respeito à capacidade efetiva de atuação dos servidores para o caminho mais eficiente das contratações públicas, retornando assim um serviço público realizador.
Normas que podem ser utilizadas como referência
Importante recorrer a Portaria SEGES/ME nº 8.678/21 para compreender mais sobre a governança nas contratações públicas no âmbito federal – (Administração direta, autárquica e fundacional), que reforça, em seu art. 1º, § 1º:
A alta administração dos órgãos e entidades de que trata o caput deve implementar e manter mecanismos e instrumentos de governança das contratações públicas em consonância com o disposto nesta Portaria.
Em seguida, a Portaria esclarece o entendimento de alta administração:
(…) gestores que integram o nível executivo do órgão ou da entidade, com poderes para estabelecer as políticas, os objetivos e conduzir a implementação da estratégia para cumprir a missão da organização (Portaria SEGES/ME Nº 8.678/21).
A Portaria elenca, em seu artigo 6º, como um dos instrumentos de governança nas contratações públicas, a gestão por competências e aponta para a necessidade de desenvolvimento dos dirigentes e demais agentes que atuam nas contratações, tanto em relação a aspectos comportamentais (uma das dimensões da abordagem de competências), quanto aspectos técnicos, em vista do bom desempenho de suas funções (Portaria SEGES/ME Nº 8.678/21, artigo 14, inc. III).
Outra norma que aborda o aspecto das competências é o Decreto Nº 9.991/2019, que objetiva “promover o desenvolvimento dos servidores públicos nas competências necessárias à consecução da excelência na atuação dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional” (art. 1º). O texto avança, orientando que a elaboração do Plano de Desenvolvimento de Pessoas (PDP) seja precedido, preferencialmente, por diagnóstico de competências (art. 3º, § 2º) e específica esse diagnóstico como a identificação do conjunto de conhecimento, habilidades e condutas necessárias para o exercício da função (art. 3º, § 2º). Assim, o legislador orientou para a necessidade de mapeamento das ações de desenvolvimento a partir de um olhar para dentro de cada instituição, as características da equipe e as demandas específicas de aprimoramento, incluindo capacidades de direção, chefia, coordenação e supervisão (art. 4º, I)
Por fim, é prudente atentar-se a IN SGP-ENAP/SEDGG/ME Nº 21/2021, que detalha os procedimentos para implantação da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas (PNDP) de que trata o decreto anteriormente citado (nº 9.991/2019). Nesse documento, é possível encontrar as definições de “competências transversais de um setor público de alto desempenho” e “competências de liderança”, esclarecendo que possuem um caráter referencial e norteador, portanto, facultativos. É interessante conhecer a lista de competências elencadas por essa IN em seus anexos, tanto para um primeiro possível exercício de implementação do projeto de gestão por competências, quanto para fundamentar os caminhos que cada órgão ou entidade vier a construir para a sua realidade.
Essa IN também deixa clara a possibilidade de contratação de ações de desenvolvimento de forma direta, sendo necessário, para isso, a instrução de processo administrativo com a devida justificativa.
Importante observar, também, a responsabilidade que essa IN atribui às chefias imediatas (ou lideranças imediatas) de estimular os servidores a participarem das ações de desenvolvimento; acompanhar a eficácia dessas ações e apoiar a disseminação dos conhecimentos obtidos nessas oportunidades de desenvolvimento. Espera-se, assim, que os gestores se mostrem aderentes e ativos no que diz respeito ao desenvolvimento das competências, com uma postura efetiva de liderança e influência profissional agregadora.
É, de fato, um novo capítulo na história das contratações públicas, com orientações muito assertivas sobre a gestão e a governança, que demandará desenvolvimento de competências em todos os níveis hierárquicos, incluindo a alta administração – responsável direta por assegurar esse novo cenário.
LEME, R. Aplicação prática de gestão de pessoas: mapeamento, treinamento, seleção, avaliação e mensuração de resultados de treinamento. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 2005.