Conforme entendimentos da AGU e do TCU, o contrato de seguro pode ser considerado contínuo para os fins do inc. II do art. 57 da Lei nº 8.666/93?

Contratos Administrativos

De plano, destaca-se que o assunto envolvendo a prorrogação da vigência de contratos de seguro é polêmico.

O art. 62, § 3º, inc. I, da Lei nº 8.666/93 delimita o regime jurídico aplicável aos contratos celebrados pelo Poder Público de conteúdo eminentemente privado, neles se inserindo aqueles cujo objeto seja seguro, em face de expressa previsão legal:

Art. 62. (…)

§ 3º Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber:

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I – aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado. (Grifamos.)

Sobre esse dispositivo, Marçal Justen Filho ensina:

a regra disciplina a hipótese em que a Administração Pública participe dos contratos ditos de direito privado. Tais contratos, no direito privado, apresentam caracteres próprios e não comportam que uma de suas partes exerça as prerrogativas atribuídas pelo regime jurídico de direito público, à Administração. (JUSTEN FILHO, 2010, p. 761.)

Desse modo, é possível afirmar que os contratos de seguro celebrados pela Administração não podem ser classificados como contratos administrativos propriamente ditos, uma vez que são regidos predominantemente pelas regras do direito privado e pelas condições fixadas pelo órgão regulamentador competente, no caso, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).

E é justamente o fato de o contrato de seguro estar submetido a um regime jurídico próprio e assumir características peculiares do direito privado que permite afastar desses ajustes a disciplina contida no inc. II do art. 57 da Lei nº 8.666/93. Explica-se.

Os contratos de seguro definem estipulações em favor de terceiro, por meio das quais “o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados” (art. 757 do Código Civil).

Assim, nada haveria de similar ou equivalente entre os contratos de seguro e os demais contratos de prestação de serviços ajustados pela Administração que permitisse tomá-los como de mesma espécie ou espécies de um mesmo gênero. Significa dizer que, por esse motivo, tais contratos devem ser avaliados a partir de seu regime jurídico próprio. Na realidade, esses contratos são privados, sendo-lhes aplicadas apenas as normas gerais contidas na Lei de Licitações que sejam compatíveis com o regime jurídico próprio incidente sobre a contratação.

Então, no que diz respeito à vigência dos contratos de seguro, seria possível afirmar que eles não se submetem à regra inscrita no caput e nos incisos do art. 57 da Lei de Licitações, mas apenas à norma geral fixada pelo § 3º do art. 57 da Lei nº 8.666/93, segundo a qual “é vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado”. Nesse sentido é o entendimento defendido pela Advocacia-Geral da União no Parecer nº 06/2015/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU:

V. O contrato de seguro é um contrato privado, mesmo quando firmado com a Administração Pública, e serão aplicadas normas de direito privado correlatas, mas que deve observar, quando possível, as regras dos artigos 55 e 58 a 61 da Lei 8.666, de 1993, conforme expressamente dispõe o inc. I do § 3º. do art. 62, da mencionada lei.

VI. Mesmo sendo um contrato privado, não são afastadas as regras legais a respeito da necessidade de licitação e renovação contratual para efetivar a contratação do seguro veicular.

VII. Por se tratar de uma nova contratação, a autorização legal de renovação atua como verdadeira causa legal de contratação direta sem licitação de contratos de execução de serviços continuados, caso esta seja a forma mais vantajosa para a administração.

VIII. Como não há uma causa expressa de dispensa de licitação para os contratos de seguro – diferente do caso de locação pela Administração (art. 24, X, Lei 8666) –, o inc. II do art. 57 da LLC funciona como autorização legal de nova contratação direta sem licitação com o atual contratado, devendo ser aplicados os temperamentos próprios aos contratos de direito privado.

IX. O contrato de seguro veicular preenche os requisitos para configurá-lo como serviço continuado (i) necessidade permanente e contínua da Administração a ser satisfeita com a prestação do serviço; (ii) execução de forma contínua; (iii) de longa duração; e (iv) possibilidade de que o fracionamento em períodos venha a prejudicar a execução do serviço.

X. Por ser um contrato de direito privado, não se aplica ao contrato de seguro de veículo contratado pela Administração o prazo de renovações do inc. II do art. 57, da Lei de Licitações.

Essa orientação se coaduna com aquela adotada pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 600/2015, Plenário, no qual se concluiu que o contrato de seguro é um contrato de serviço continuado, devendo ser observado o inc. II do art. 57 da LLC, com a ressalva de que não se aplica, nesse caso, o prazo de 60 meses do referido inciso, por se tratar de contrato de direito privado firmado com a Administração.

Diante desse contexto, com base na tese adotada pela AGU e pelo TCU, o contrato de seguro comporta solução que pode ser configurada como contínua, de modo que isso admitiria a contratação sucessiva com base no art. 57, inc. II, da Lei nº 8.666/93, sem que, contudo, fosse imposto o limite de 60 meses.

REFERÊNCIA

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010.

Nota: Esse material foi originalmente publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos, na seção Perguntas e Respostas. A Revista Zênite e o Zênite Fácil esclarecem as dúvidas mais frequentes e polêmicas referentes à contratação pública, nas seções Orientação Prática e Perguntas e Respostas. Acesse www.zenite.com.br e conheça essas e outras Soluções Zênite.

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